A câmera de vigilância que a polícia mantém voltada para o portão azul turquesa do ateliê de Ai Weiwei, na zona norte de Pequim, capta um fluxo constante de visitantes: jornalistas, pessoas do mundo das artes, pessoas que vão desejar boa sorte ao artista.
Cinco meses depois de ser solto, após 81 dias de detenção, e na esteira de expressões extraordinárias de apoio público, Ai está prevendo outras "visitas". "Todos os dias eu penso: 'Hoje é o dia em que vão me levar de novo'."
"É a impressão que eles [as autoridades] procuram criar, não apenas para mim, mas para toda a sociedade, para qualquer pessoa que tenha opiniões diferentes."
Alguns anos atrás o célebre artista era uma figura respeitada no mundo da arte internacional e chinesa; provocante, com certeza, mas suficientemente respeitável para coproduzir o estádio olímpico do Ninho do Pássaro, em Pequim, e receber cobertura da mídia estatal chinesa.
Então seu ativismo e suas opiniões declaradas criaram atritos com as autoridades, culminando no período de detenção deste ano -parte de uma repressão maior a ativistas, advogados e dissidentes, na qual dezenas de pessoas foram presas e mais ainda foram assediadas, ameaçadas ou submetidas a outras restrições.
Para muitos, Ai Weiwei tornou-se o rosto dos direitos humanos na China -mais um símbolo que uma pessoa.
"O fato de o governo ter dado sumiço nele e depois ter continuado a persegui-lo com acusações diversas transmite uma mensagem a outros ativistas: mesmo que você seja muito conhecido, isso não o protege de fato", diz Wang Songlian, da Rede Chinesa de Defensores dos Direitos Humanos.
"Por outro lado, a maneira como ele utilizou a situação foi muito inteligente, e acho que os ativistas ficaram energizados."
"A questão nunca diz respeito a mim", diz, 54. "Meus defensores me usam como marco para eles mesmos, para reconhecer sua própria forma de vida: eu me torno o meio [de expressão] deles. Sempre tenho muita clareza em relação a isso."
Ai emergiu de sua provação em junho, mais magro -tinha perdido quase dez quilos, parte dos quais já recuperou- e, aparentemente, humilhado.
"Minha energia estava muito baixa depois desses 81 dias, e eu realmente precisava de tempo para me recuperar, mental e fisicamente. Eu estava bastante frágil."
"Procurei fazer muito menos, também porque acho que esse não é um jogo que eu possa jogar. Se eles podem fazer você desaparecer, por que você continua a jogar o jogo? É um absurdo."
"Mas eles ainda fazem essas acusações falsas contra você, mesmo que você não fale. Então você sente que, se não falar, estará fazendo parte do jogo. Acho que os dois lados estão muito decepcionados." Ele ri.
Hoje em dia se veem menos momentos do humor irreverente de Ai, e ele se mostra mais cauteloso em seus pronunciamentos. Mesmo assim, anda dizendo mais do que o governo gostaria.
Quando as autoridades apresentaram a Ai uma conta de impostos de 1,5 milhão de libras (cerca de R$ 4 milhões), milhares de pessoas o ajudaram a pagar a primeira parcela, algumas delas atirando dinheiro sobre os muros do ateliê.
Quando a polícia aventou a possibilidade de ele ser culpado de pornografia -em razão de fotos em que ele e quatro mulheres estão nus-, as pessoas tuitaram fotos delas mesmas nuas.
"Estamos tentando trabalhar com um espaço muito limitado. Para pessoas que não entendem as condições, isso pode parecer ridículo. Mas, para nós, é o único espaço", diz Ai.