Igarashi, Os Corpos da Memória Cap 3
A Nação que nunca é: O Discurso Cultural da Unicidade Japonesa
O autor examina alguns exemplos da literatura japonesa que enfatizam as características híbridas de entre-lugar da cultura japonesa, e através dos exemplos, faz uma análise crítica dos discursos culturalistas e nacionalistas, especialmente, dos efeitos das narrativas fundadoras no nacionalismo japonês, e no impacto destes discursos nas imagens dos corpos japoneses das décadas posteriores.
Assim, considerando que o discurso da década de 1980 tem raízes no discurso cultural gerado durante o pós-guerra. O autor explica como o Nihonjinron — discurso sobre a unicidade do Japão que ganhou popularidade nas décadas de 1970 e 1980, baseado em reducionismos sobre categorias supostamente a-históricas que comprovam a unicidade japonesa — tem raízes na década de 1950. Momento em que a nova realidade política precisava, desesperadamente, de uma representação discursiva da nação.
Nessa época, o tratado de segurança de 1951 estabeleceu as relações de poder entre EUA e Japão, nas quais o Japão era militarmente dependente dos EUA. Durante este período, o Japão passou por uma época de prosperidade econômica e de explosão de consumo por produtos semelhantes aos consumidos pelos americanos. Foi por isto que, na metade da década de 1950, floresceram as discussões culturais do entre-lugar e do hibridismo.
Igarashi expõe as posições dos principais intelectuais e críticos da época, como Kato Shuichi e Kato Hidetoshi. Mostrando diversas posições em relação ao hibridismo e ao entre-lugar na cultura japonesa. O cientista político Maruyama Masao publicou também, nesta mesma época, alguns artigos apontando que a tradição intelectual japonesa era fragmentada por natureza, como se adequasse e recriasse fragmentos de tradições estrangeiras ad infinitum.
Kato Shuichi escreveu uma tese sobre o hibridismo (zasshusei) da cultura japonesa, expondo que o Japão é o lugar onde o Oriente e o não Oriente podem se encontrar. Nisto residiria a unicidade do Japão, no encontro e na coexistência de diversas tradições culturais.
Maruyama Masao nega a tese de Kato. Para ele, a aceitação eclética de tradições estrangeiras somente revela a falta de uma posição subjetiva na tradição intelectual japonesa. Em vez de ver as possibilidades criativas da cultura híbrida, Maruyama enfatizou a infertilidade do clima intelectual do Japão, onde muitas tradições europeias somente coexistiam. Kato vê possibilidades culturais no hibridismo, e Maruyama enfatiza o aspecto negativo do ecletismo na tradição intelectual japonesa.
Os contos escolhidos por Igarashi de Kojima Nobuo e de Oe Kenzaburo trazem uma visão crítica do discurso japonês e examinam a qualidade híbrida do entre-lugar na cultura japonesa no discurso da década de 1950. Os dois autores centram suas análises, em particular, no retrato de figuras do entre-lugar, que encarnam o tropos para demonstrar seus efeitos específicos na sociedade. Kojima usa personagens americano-japoneses, e Oe apresenta um intérprete japonês e uma prostituta numa coletânea de contos de 1958. No primeiro, a nacionalidade já marca os personagens como entre-lugar, em contraste, Oe apresenta características de entre-lugar nas personagens.
Kojima representa, alegoricamente, estas condições na forma de uma unidade militar no momento do colapso do império nipônico. Particularmente, os idiomas e os corpos são o lugar de luta das personagens de Kojima para recuperar suas identidades dentro do espaço da unidade militar. No Enkei Daigaku Butai, de 1952, Kojima não faz referências a sociedade japonesa do pós-guerra. Ele foca as vidas cotidianas dos membros de uma unidade militar. Na análise do conto, Igarashi salienta a relação com a língua de cada uma das personagens. O protagonista está inseguro de sua identidade e, metaforicamente, também de sua língua nativa, ecoando a crítica de Maruyama Masao à celebração ao hibridismo da cultura japonesa. Para Maruyama, os elementos estrangeiros na cultura japonesa provocam, principalmente, confusão. Ao contrário, numa outra personagem de um japonês-americano, há a predisposição e a facilidade com diversas línguas, o que encarna a avaliação positiva de Kato sobre as condições culturais no Japão. Também sua forte sexualidade é apontada como uma possibilidade criativa que Kato vislumbrava no hibridismo japonês. O texto Enkei Daigaku Butai está dividido em duas partes e é baseado no contraste entre a relação entre as duas palavras: o outro e o não nomeado. O outro sendo os EUA, cuja presença é quase imperceptível e distante, e mais presente no imaginário coletivo.
A presença da China aparece encarnada em uma mulher chinesa com quem o protagonista se relaciona. Ela tem três nomes, encarnando na sua identidade os três idiomas: Toshiko, Juia e um nome chinês que ela escreve na parede, mas nunca pronuncia.
Na discussão do pós-guerra sobre hibridismo cultural japonês entre Kato e Maruyama, a Ásia, particularmente a China, desaparece do cenário, e o hibridismo japonês é descrito somente em relação com o Ocidente. Da mesma maneira, no conto de Kojima, o silêncio do nome chinês prefigura a ausência da China no final da guerra, já que a guerra acaba sendo direcionada somente aos EUA. O autor detalha alguns outros momentos da narração, e mostra que o espaço descrito é muito semelhante ao que Kato e Maruyama descrevem nos escritos da década de 1950. Um espaço que é estático e sem referência ao contexto histórico.
No conto Hoshi (estrelas), o protagonista americano-japonês fica preso no Japão numa visita a sua avó. Sua identidade híbrida é estabelecida através de detalhes como sua educação e seu nome, e isto dispara uma série de respostas e atitudes das personagens japonesas a respeito “do outro”, o nissei, que é chamado de “América”. Somente as estrelas da hierarquia militar dão ao protagonista um lugar definido. A metáfora das estrelas percorre toda a busca da identidade do protagonista. No final da guerra, quando o poder dos EUA fica acima da autoridade dos militares japoneses, as estrelas restam como souvenir para os soldados americanos. Igarashi comenta como a sociedade japonesa do pós-guerra converte-se numa extensão do espaço militar, prevendo a transformação profunda da sociedade japonesa, ele salienta a ausência da representação dos japoneses-americanos na sociedade japonesa, e a importância da obra de Kojima Nobuo sobre este assunto.
Em 1953, houve um incidente onde três pracinhas jogaram um cafetão japonês da ponte Sukiya em Tóquio, e o homem morreu frente a passividade das testemunhas japonesas. Igarashi cita então a obra de Oe Kenzaburo, onde se menciona este incidente em duas histórias do final da década de 1950, relembrando ao leitor a passividade dos japoneses que participaram da cena, e a humilhação internalizada pelo Japão no período do pós-guerra. A inação demonstra que a sensação de humilhação foi apagada da mente de muitos. Nos seus contos, Oe retrata o que ele chama de os in betweens (entre-lugares) — um intérprete, uma prostituta com clientes estrangeiros, um gay japonês com um parceiro francês — e através dos quais analisa o conflito entre os estrangeiros como dominadores e os japoneses como dominados. Oe usa personagens de entre-lugar que encarnam o desejo sexual por trás dos relacionamentos.
Igarashi considera Oe como mais nacionalista que Kojima, e o relaciona com Benedict Anderson, no sentido da procura da união nacional no lamento das perdas. Oe deseja reinscrever a perda na história do Japão e insiste em fazer o lamento da perda e em reconhecer a humilhação do pós-guerra. Na história Totsuzen no oshi, que ocorre num pequeno vilarejo nas montanhas, um grupo de pracinhas e um intérprete japonês, chegam no vilarejo e geram fascínio e admiração pelos americanos. O intérprete é o porta voz de uma comunicação direta entre os habitantes e os soldados, porém, ele tem uma atitude arrogante perante a população, enquanto mantém uma atitude obsequiosa com os soldados. Aos poucos, a imagem do intérprete vai se tornando mais e mais conivente, revelando, de alguma forma, a ansiedade contida que é provocada pela presença dos soldados entre a população, e vai-se criando uma situação de conflito entre os americanos e os habitantes, o que acaba com a morte do líder dos habitantes do vilarejo. O filho do líder chora com o pai morto nos braços e a população inteira fica unida, revivendo a tensão pelos soldados. No final, afoga-se o intérprete no rio, eliminando, deste jeito, a possibilidade de comunicação com os soldados. O fim da mediação também elimina a obsequiosidade e traz a importância de chorar a perda da autoridade para recuperar a identidade com a rejeição ao inimigo.
Oe torna visível a tensão histórica entre o Japão e o Ocidente, oferecendo uma alegoria da perda e do lamento que uniu um vilarejo remoto. O intérprete simboliza a figura de entre-lugar na qual os japoneses olham passivamente como um homem morre.
Na condição do Japão do pós-guerra, a perda fundamental foi encoberta pela narrativa fundadora, que, efetivamente, disparou o tropos do hibridismo e do entre-lugar. A autoridade maior do Japão, o imperador, não morreu, e ficou como a figura de entre-lugar mais visível do período do pós-guerra: como o mediador entre os EUA e o Japão.
A Nação que nunca é: O Discurso Cultural da Unicidade Japonesa
O autor examina alguns exemplos da literatura japonesa que enfatizam as características híbridas de entre-lugar da cultura japonesa, e através dos exemplos, faz uma análise crítica dos discursos culturalistas e nacionalistas, especialmente, dos efeitos das narrativas fundadoras no nacionalismo japonês, e no impacto destes discursos nas imagens dos corpos japoneses das décadas posteriores.
Assim, considerando que o discurso da década de 1980 tem raízes no discurso cultural gerado durante o pós-guerra. O autor explica como o Nihonjinron — discurso sobre a unicidade do Japão que ganhou popularidade nas décadas de 1970 e 1980, baseado em reducionismos sobre categorias supostamente a-históricas que comprovam a unicidade japonesa — tem raízes na década de 1950. Momento em que a nova realidade política precisava, desesperadamente, de uma representação discursiva da nação.
Nessa época, o tratado de segurança de 1951 estabeleceu as relações de poder entre EUA e Japão, nas quais o Japão era militarmente dependente dos EUA. Durante este período, o Japão passou por uma época de prosperidade econômica e de explosão de consumo por produtos semelhantes aos consumidos pelos americanos. Foi por isto que, na metade da década de 1950, floresceram as discussões culturais do entre-lugar e do hibridismo.
Igarashi expõe as posições dos principais intelectuais e críticos da época, como Kato Shuichi e Kato Hidetoshi. Mostrando diversas posições em relação ao hibridismo e ao entre-lugar na cultura japonesa. O cientista político Maruyama Masao publicou também, nesta mesma época, alguns artigos apontando que a tradição intelectual japonesa era fragmentada por natureza, como se adequasse e recriasse fragmentos de tradições estrangeiras ad infinitum.
Kato Shuichi escreveu uma tese sobre o hibridismo (zasshusei) da cultura japonesa, expondo que o Japão é o lugar onde o Oriente e o não Oriente podem se encontrar. Nisto residiria a unicidade do Japão, no encontro e na coexistência de diversas tradições culturais.
Maruyama Masao nega a tese de Kato. Para ele, a aceitação eclética de tradições estrangeiras somente revela a falta de uma posição subjetiva na tradição intelectual japonesa. Em vez de ver as possibilidades criativas da cultura híbrida, Maruyama enfatizou a infertilidade do clima intelectual do Japão, onde muitas tradições europeias somente coexistiam. Kato vê possibilidades culturais no hibridismo, e Maruyama enfatiza o aspecto negativo do ecletismo na tradição intelectual japonesa.
Os contos escolhidos por Igarashi de Kojima Nobuo e de Oe Kenzaburo trazem uma visão crítica do discurso japonês e examinam a qualidade híbrida do entre-lugar na cultura japonesa no discurso da década de 1950. Os dois autores centram suas análises, em particular, no retrato de figuras do entre-lugar, que encarnam o tropos para demonstrar seus efeitos específicos na sociedade. Kojima usa personagens americano-japoneses, e Oe apresenta um intérprete japonês e uma prostituta numa coletânea de contos de 1958. No primeiro, a nacionalidade já marca os personagens como entre-lugar, em contraste, Oe apresenta características de entre-lugar nas personagens.
Kojima representa, alegoricamente, estas condições na forma de uma unidade militar no momento do colapso do império nipônico. Particularmente, os idiomas e os corpos são o lugar de luta das personagens de Kojima para recuperar suas identidades dentro do espaço da unidade militar. No Enkei Daigaku Butai, de 1952, Kojima não faz referências a sociedade japonesa do pós-guerra. Ele foca as vidas cotidianas dos membros de uma unidade militar. Na análise do conto, Igarashi salienta a relação com a língua de cada uma das personagens. O protagonista está inseguro de sua identidade e, metaforicamente, também de sua língua nativa, ecoando a crítica de Maruyama Masao à celebração ao hibridismo da cultura japonesa. Para Maruyama, os elementos estrangeiros na cultura japonesa provocam, principalmente, confusão. Ao contrário, numa outra personagem de um japonês-americano, há a predisposição e a facilidade com diversas línguas, o que encarna a avaliação positiva de Kato sobre as condições culturais no Japão. Também sua forte sexualidade é apontada como uma possibilidade criativa que Kato vislumbrava no hibridismo japonês. O texto Enkei Daigaku Butai está dividido em duas partes e é baseado no contraste entre a relação entre as duas palavras: o outro e o não nomeado. O outro sendo os EUA, cuja presença é quase imperceptível e distante, e mais presente no imaginário coletivo.
A presença da China aparece encarnada em uma mulher chinesa com quem o protagonista se relaciona. Ela tem três nomes, encarnando na sua identidade os três idiomas: Toshiko, Juia e um nome chinês que ela escreve na parede, mas nunca pronuncia.
Na discussão do pós-guerra sobre hibridismo cultural japonês entre Kato e Maruyama, a Ásia, particularmente a China, desaparece do cenário, e o hibridismo japonês é descrito somente em relação com o Ocidente. Da mesma maneira, no conto de Kojima, o silêncio do nome chinês prefigura a ausência da China no final da guerra, já que a guerra acaba sendo direcionada somente aos EUA. O autor detalha alguns outros momentos da narração, e mostra que o espaço descrito é muito semelhante ao que Kato e Maruyama descrevem nos escritos da década de 1950. Um espaço que é estático e sem referência ao contexto histórico.
No conto Hoshi (estrelas), o protagonista americano-japonês fica preso no Japão numa visita a sua avó. Sua identidade híbrida é estabelecida através de detalhes como sua educação e seu nome, e isto dispara uma série de respostas e atitudes das personagens japonesas a respeito “do outro”, o nissei, que é chamado de “América”. Somente as estrelas da hierarquia militar dão ao protagonista um lugar definido. A metáfora das estrelas percorre toda a busca da identidade do protagonista. No final da guerra, quando o poder dos EUA fica acima da autoridade dos militares japoneses, as estrelas restam como souvenir para os soldados americanos. Igarashi comenta como a sociedade japonesa do pós-guerra converte-se numa extensão do espaço militar, prevendo a transformação profunda da sociedade japonesa, ele salienta a ausência da representação dos japoneses-americanos na sociedade japonesa, e a importância da obra de Kojima Nobuo sobre este assunto.
Em 1953, houve um incidente onde três pracinhas jogaram um cafetão japonês da ponte Sukiya em Tóquio, e o homem morreu frente a passividade das testemunhas japonesas. Igarashi cita então a obra de Oe Kenzaburo, onde se menciona este incidente em duas histórias do final da década de 1950, relembrando ao leitor a passividade dos japoneses que participaram da cena, e a humilhação internalizada pelo Japão no período do pós-guerra. A inação demonstra que a sensação de humilhação foi apagada da mente de muitos. Nos seus contos, Oe retrata o que ele chama de os in betweens (entre-lugares) — um intérprete, uma prostituta com clientes estrangeiros, um gay japonês com um parceiro francês — e através dos quais analisa o conflito entre os estrangeiros como dominadores e os japoneses como dominados. Oe usa personagens de entre-lugar que encarnam o desejo sexual por trás dos relacionamentos.
Igarashi considera Oe como mais nacionalista que Kojima, e o relaciona com Benedict Anderson, no sentido da procura da união nacional no lamento das perdas. Oe deseja reinscrever a perda na história do Japão e insiste em fazer o lamento da perda e em reconhecer a humilhação do pós-guerra. Na história Totsuzen no oshi, que ocorre num pequeno vilarejo nas montanhas, um grupo de pracinhas e um intérprete japonês, chegam no vilarejo e geram fascínio e admiração pelos americanos. O intérprete é o porta voz de uma comunicação direta entre os habitantes e os soldados, porém, ele tem uma atitude arrogante perante a população, enquanto mantém uma atitude obsequiosa com os soldados. Aos poucos, a imagem do intérprete vai se tornando mais e mais conivente, revelando, de alguma forma, a ansiedade contida que é provocada pela presença dos soldados entre a população, e vai-se criando uma situação de conflito entre os americanos e os habitantes, o que acaba com a morte do líder dos habitantes do vilarejo. O filho do líder chora com o pai morto nos braços e a população inteira fica unida, revivendo a tensão pelos soldados. No final, afoga-se o intérprete no rio, eliminando, deste jeito, a possibilidade de comunicação com os soldados. O fim da mediação também elimina a obsequiosidade e traz a importância de chorar a perda da autoridade para recuperar a identidade com a rejeição ao inimigo.
Oe torna visível a tensão histórica entre o Japão e o Ocidente, oferecendo uma alegoria da perda e do lamento que uniu um vilarejo remoto. O intérprete simboliza a figura de entre-lugar na qual os japoneses olham passivamente como um homem morre.
Na condição do Japão do pós-guerra, a perda fundamental foi encoberta pela narrativa fundadora, que, efetivamente, disparou o tropos do hibridismo e do entre-lugar. A autoridade maior do Japão, o imperador, não morreu, e ficou como a figura de entre-lugar mais visível do período do pós-guerra: como o mediador entre os EUA e o Japão.
Um comentário:
MArcela, legal seu resumo.
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