Em Nova York ou Los Angeles, fãs da culinária japonesa podem recitar pedidos para uni e o-toro, ou expressar urbanamente uma preferência por soba em vez de udon. Mas e quanto ao “napolitano”, espaguete cozido que é passado em água fria, depois refogado com legumes em ketchup? Ou o “menchi katsu”, hambúrguer coberto em migalhas de pão e bem frito? Ou “arroz omu”, um omelete sobre um monte de arroz com gosto de ketchup?
Ao mesmo tempo familiar e alienígena, estes pratos podem parecer americanos, com alguma justificativa, a ponto de ingressarem em um universo culinário paralelo. Todos são padrões de um estilo de culinária japonesa conhecido como yoshoku, ou “comida ocidental”, onde pratos europeus ou americanos foram importados e, de um modo verdadeiramente japonês, moldados e remoldados para se adequarem aos gostos locais.
Hoje a yoshoku é totalmente japonesa. Ela é uma constante em programas de culinária na televisão e revistas populares. As filas do lado de fora de respeitáveis restaurantes de luxo de yoshoku, em Tóquio, são longas, principalmente compostas por japoneses mais velhos para os quais a yoshoku forneceu uma primeira amostra de um mundo ocidental que não conheciam. Os restaurantes de yoshoku também são obrigatórios nos novos distritos comerciais da moda, como Midtown e Roppongi Hills, onde atendem aos japoneses mais jovens cujas mães preparavam a comida em casa.
Todavia, ela é virtualmente desconhecida pelos estrangeiros. O primeiro guia Michelin de Tóquio, publicado no último trimestre de 2007, listava 150 restaurantes; nenhum era um estabelecimento de yoshoku. De fato, os turistas no Japão raramente entram em lugares onde a yoshoku é servida: lares, restaurantes de rede, restaurantes de bairro de propriedade familiar ou estabelecimentos de yoshoku de luxo com longa espera. Fora do Japão, a yoshoku é raramente vista exceto em ex-colônias japonesas como a Coréia do Sul e Taiwan, que foram introduzidas à culinária Ocidental por meio do Japão.
O Shiseido Parlor é um estabelecimento de yoshoku de vários andares no coração do distrito de Ginza, em Tóquio, um restaurante ao qual muitos japoneses fazem peregrinação pelo menos uma vez. Mas o restaurante, a matriz do que atualmente é uma rede, raramente é mencionado nos guias de turismo ocidentais e poucos ocidentais entram nele.
“Provavelmente esta coisa chamada ‘yoshoku’ seja difícil de entender do ponto de vista de um estrangeiro”, disse Tatsuya Yokokawa, um executivo do Shiseido Parlor. “Se não é a culinária tradicional japonesa, e não é nem francesa e nem italiana, eles pensam, o que é? Então dificilmente a provarão.”
Mas a história da yoshoku vai além da familiar da culinária fusion. Ela ilustra a tumultuada história moderna do Japão, de seus primeiros contatos traumáticos com o Ocidente à sua adoção freqüentemente desconfortável dos valores ocidentais.
A yoshoku nasceu durante a Restauração Meiji do Japão, o período que se seguiu à abertura forçada deste país isolacionista pelos chamados Navios Negros americanos, em 1854. Japoneses foram enviados para a Europa e para a América para aprender sobre as leis ocidentais, armas e indústria. Eles também trouxeram a culinária. Chocados em descobrir quão menores em estatura eles eram em comparação aos ocidentais, os japoneses determinaram que os alcançariam não apenas econômica e militarmente, mas também fisicamente, ao comerem seus alimentos.
Este desejo sobreviveu pelo menos até os anos 70, quando um empresário chamado Den Fujita estabeleceu o McDonald’s no Japão e alegou que seu cardápio tornaria os japoneses tão altos e atraentes quanto os americanos.
“Os japoneses são fisicamente mais fracos porque comem arroz”, ele disse na época. “Nós mudaremos isso com hambúrgueres. Após comerem hambúrgueres por mil anos, os japoneses até mesmo terão cabelo loiro.”
A categoria yoshoku é ampla, incluindo pratos que se tornaram tão integrados à dieta que muitos japoneses nem os considerariam alimentos ocidentais japonizados, mas simplesmente alimentos japoneses.
Ainda assim, todos os pratos yoshoku têm raízes em pares ocidentais. Um ingrediente chave ou um passo no preparo foi alterado, ou totalmente violado, com resultados surpreendentemente deliciosos. Em vez de ser servido tão logo é cozido, o espaguete napolitano é deixado para esfriar, depois requentado e frito com legumes; ela era a única massa conhecida pela maioria dos japoneses até duas décadas atrás, quando o ketchup ainda era amplamente considerado um molho italiano. Bem preparado, o menchi katsu, uma carne moída coberta com migalhas de pão, ou o tonkatsu, uma versão mais espessa da costeleta de porco, são bem fritos mas conseguem permanecer tenros por dentro.
Um molho demiglace com suco de tomate servido sobre carne picada foi batizado de molho hayashi -porque as palavras soavam semelhantes, segundo a teoria de alguém, apesar de uma rival sugerir que foi invenção de um sr. Hayashi. Um molho como curry contendo cebola, batata e cenoura, servido sobre arroz, se tornou “arroz kare”.
Hambúrgueres eram considerados um prato americano e chamados “hambagah”, mas a versão yoshoku foi chamada de “hambagoo”. (O hambúrguer era servido sem pão e freqüentemente coberto com demiglace -o verdadeiro em restaurantes caros, mas freqüentemente industrializado em outros lugares.) Pratos gratinados, ostras empanadas e vários croquetes -croquete de siri com creme branco é considerado um clássico- completam o cardápio yoshoku.
A maioria dos pratos yoshoku pode ser acompanhada por arroz e comido com pauzinhos, apesar dos melhores restaurantes de yoshoku contarem com talheres e uma opção oferecida apenas neste estilo de culinária japonesa: “arroz ou pão”. Os pratos vêm acompanhados de molhos tradicionais ocidentais, ou suas versões japonizadas, como demiglace, molho branco, inglês ou ketchup.
O cardápio yoshoku mudou pouco ao longo das décadas, disse Hiroshi Modegi, 40 anos, cujo avô fundou o Taimeiken, um famoso restaurante de yoshoku no distrito de Nihonbashi, em Tóquio, em 1931.
“Nossos clientes querem os velhos favoritos”, disse Modegi, atualmente o chef do restaurante, explicando que nostalgia é um grande fator por trás do apelo da yoshoku. “É ok mudar o cardápio de vez em quando, mas não demais, porque as pessoas basicamente vêm aqui para comer coisas como o arroz omu padrão.”
Mas o cardápio padrão é relativamente novo, considerando a longa história do Japão. Por 1.200 anos, um decreto do imperador proibiu o consumo de carne por causa da crença budista japonesa de que era impura. O peixe era central na dieta japonesa e a carne era consumida de forma furtiva, apenas para fins medicinais.
Então, em 1872, o imperador suspendeu a proibição.
“Para alcançar e superar a cultura superior do Ocidente, o imperador Meiji acreditava que os hábitos alimentares tinham que mudar primeiro”, disse Tetsu Okada, um especialista em cultura culinária japonesa e autor da história do tonkatsu. “Ele disse a todos para comerem carne e, para incentivar, a comeu primeiro.”
Os primeiros japoneses a viajarem ao exterior trouxeram os pratos -cheios de carne, manteiga, condimentos não familiares e outros ingredientes estranhos à dieta japonesa- que acabaram se tornando a base da yoshoku. Em comparação, os vizinhos do Japão, a China e a Coréia, lidaram com a ameaça do Ocidente primeiro o rejeitando. Até hoje, nem a cozinha chinesa e nem a coreana possuem muita influência ocidental.
O Japão modernizou seu sistema legal com base no alemão e suas forças armadas e indústria com base no Reino Unido. Para os pratos que no final se tornariam a culinária yoshoku, o Japão se baseou principalmente na França. Mas a culinária teve outras fontes inesperadas. A Marinha Imperial Japonesa, baseada na britânica, teria introduzido os japoneses do final do século 19 a um prato popular entre os oficiais navais britânicos: o curry indiano, que no final se tornou o arroz kare comido nos lares, escolas e restaurantes atualmente.
“Não era o curry da Índia, mas curry da Europa, que atualmente encontramos por toda parte neste país”, disse Takeshi Ninomiya, chef do Nakamuraya, um famoso restaurante de curry indiano em Tóquio. “Este prato que veio do Reino Unido, e era considerado um prato ocidental, foi então assimilado aqui.”
A popularidade da yoshoku atingiu seu pico na década que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. Para as mães, ela era mais fácil de preparar do que os pratos japoneses tradicionais. Para as crianças, um grande prazer era um “almoço okosama”, ou “almoço de criança” em um restaurante de loja de departamentos, consistindo de pequenas porções ou um único prato de espaguete napolitano, hambagoo e arroz com sabor de ketchup com uma bandeirinha de um país como a Suíça ou Nova Zelândia no topo.
Enquanto isso, nas décadas anteriores à maioria dos japoneses ter condição financeira de viajar para o exterior, restaurantes de luxo de yoshoku se tornaram símbolos do desejado e glamoroso mundo ocidental. O mais famoso, o Shiseido Parlor, se tornou ponto de encontro de artistas, intelectuais e escritores, e apareceu nas obras de muitos romancistas, incluindo Yasunari Kawabata e Yukio Mishima. Os japoneses comuns comiam lá, gastando o salário de uma semana em uma refeição.
“Os japoneses que nunca botaram os olhos nesta coisa chamada mundo ocidental provavelmente usavam sua imaginação e eram capazes de vê-lo na yoshoku”, disse Yokokawa, do Shiseido Parlor.
Até o boom econômico dos anos 70 e 80, a yoshoku era a única versão da comida ocidental conhecida por muitos japoneses. Os ingredientes para preparo de pratos franceses ou italianos autênticos simplesmente não estavam disponíveis. Antes de expressões como “pasta” e “al dente” se tornarem conhecidas no Japão, havia apenas o espaguete napolitano ou o “espaguete com molho de carne”.
Isto mudou nos anos 80, quando o iene se tornou tão forte que o Japão passou importar de tudo de qualquer lugar. Restaurantes de todo o mundo começaram a despontar aqui. Atualmente, em um bairro como Roppongi, é possível encontrar de tudo: franceses e italianos, filés americanos, até inhame moído nigeriano e sopa egusi.
Mas isto não significa que a yoshoku corre o risco de desaparecer. Na verdade, os pratos yoshuku compõem grande parte dos cardápios das maiores redes de restaurantes do Japão, ou restaurantes de família, como o Jonathan’s, Royal Host e Denny’s.
Isto mesmo: Denny’s. Vários anos após chegar ao Japão nos anos 70, o Denny’s desistiu de seus pratos americanos e optou por um cardápio repleto de yoshoku. Assim, como alguns americanos com saudade de casa em busca de pratos conhecidos descobriram, um Denny’s no Japão não possui cafés da manhã Grand Slam nem hambúrgueres.
Mas é um ótimo lugar se quiser arroz omu, espaguete napolitano e um hambagoo.