domingo, 8 de novembro de 2009


É difícil tirar os olhos desse pôster leve, atrevido. Ele se sobressai em uma das ruas mais animadas de Cabul, no Afeganistão, em volta do parque Shahr-e-now, passagem repleta de para-choques e fileiras de restaurantes com crepes e frangos assados fumegantes. Nesse dia, o Cinema-Park exibe um filme de Bollywood. A propaganda é convidativa. A bela moça tem os cabelos soltos, os braços nus para trás, pernas estendidas, barriga de fora. No centro de Cabul!
Olhando mais de perto, percebe-se que uma caneta censora passou por ali, prolongando artificialmente o universo do tecido sobre o da carne, para apagar as partes mais picantes. No entanto, o que sobrou é ousado o suficiente para se surpreender.

Se surpreender com o quê, exatamente? Que os afegãos, como todos os povos do mundo, tenham vontade de se divertir, de sonhar? Que Cabul seja rica em uma herança laica e cosmopolita que a fúria do passado recente não suprimiu? Hamid, estudante de 18 anos, cabelos rebeldes, tênis nos pés, saquinho de uvas passa e refrigerante na mão, pretende se jogar em uma poltrona enrugada do camarote: ele é louco, maluco, ou alienígena? "Gosto dos filmes de ação e da poesia de Bollywood", ele diz. Só isso.
O que ele verá é uma explosão de cores, de sons e de movimentos. Há casamentos em palácios, danças sob borlas, brigas ruidosas, melodias lânguidas, belas envoltas em cetim e heróis sangrando em uniformes de aviador, balés de helicópteros no céu. Bollywood da mais pura, certamente. Mas um festival de "ação" e de "poesia" que diverte Hamid e o pequeno público que, em três sessões por dia, continua a frequentar o Cinema-Park, apesar do ambiente deprimente.



Shahr-e-now é um refúgio recreativo de Cabul. Sob os pinheiros do parque, os jovens jogam futebol e bilhar. E o Cinema-park, à sua volta, é uma espécie de Paradiso da capital, memória ainda vibrante de meio século de espetáculos no coração da cidade. A história de Cabul poderia ser narrada no espelho do Cinema-Park.
Houve os anos dourados, a era otimista em que a elite influenciada pelo Ocidente, sob um rei modernizador (Zaher Chah), se reunia sob os pôsteres de Sophia Loren, Marcello Mastroianni ou Alain Delon. Sinal dos tempos, o shalwar-kameez (vestimenta folgada tradicional) era então proibido, e as calças - atributo de boa educação - obrigatórias. "A sala ficava cheia de perfumes delicados", lembra um nostálgico.
Depois veio o fim da inocência. Com a revolução comunista (abril de 1978) e a chegada do exército russo (dezembro de 1979), a alta sociedade se exilou. O Cinema-Park permaneceu aberto, mas com "um público menos educado", ressalta o nostálgico.
Os "vermelhos" não baniram Bollywood - Nova Déli tinha excelentes relações com a Cabul pró-soviética. Esse período não foi, afinal, o pesadelo temido pelos polidos cinéfilos. O pior estava por vir. Em 1992, o regime comunista desmoronou. Os mujahidins de obediência islâmica entraram na cidade. As mulheres e as garotas deixaram de frequentar as salas de cinema, por exigência da nova ordem moral. O Cinema-Park continuou, mas as tesouras da censura islamita talharam mais brutalmente as afetações de Bollywood. Pouco importa, uma vez que as ruas da capital se esvaziavam sob os foguetes da guerra civil entre facções mujahidins. Quando eles tomaram a cidade, em 1996, os talebans destruíram um cinema que já agonizava. O Cinema-Park foi depredado. E fechado, certamente.
Depois de 2002, renasceu a esperança. O regime taleban foi derrubado, e chegou a hora da "reconstrução" de um país em ruínas. Hashim Haideri, diretor da sala, homem de mente aberta, ar discreto, pôde voltar do exílio. Oito anos depois, o lugar certamente não recuperou seu brilho de outrora. Nas paredes, a pintura descascada. As mulheres e as garotas não voltaram. Na sala, falta postura ao público de rapazes, que desafiam a proibição de fumar - ah, essa fumaça que atravessa o feixe do projetor! - e deixam o celular tocar em plena projeção. Mas o encontro diário com o sonho e a fuga ainda está lá, imutável.
Ali, Bollywood reina sozinha. A censura continua sendo bem clemente, vestígio do liberalismo da capital. "Cortam uma cena com muita nudez, mas deixam um simples beijo", diz Hashim Haideri. A tolerância ali é maior do que na televisão - onde a audiência familiar impõe um conservadorismo mais rígido. O que explica a permanência do público de rapazes que se excitam sem complexo diante das estrelas.
E, feliz surpresa, os fundamentalistas deixam o Cinema-Park em paz. Os ministros ou deputados islamitas do círculo do presidente Karzai tomam cuidado. "Eles sabem que há a mídia, intelectuais, uma sociedade civil que se insurgiria se quisessem desencadear uma campanha conservadora", diz Latif Ahmadi, cineasta.
Os insurgentes talebans preferem atacar no centro de Cabul alvos políticos - ministérios, Otan, ONU... - em vez de culturais. Por enquanto, pelo menos. O Paradiso de Cabul, precioso barômetro a vigiar.


Nenhum comentário: