segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Nazila Fathi
Um dia em junho passado, quando eu saía da garagem, notei um homem me encarando em um Peugeot branco, do outro lado da pacata rua de Teerã onde eu vivia. "Aí está ela", ele disse, e se apressou em ligar seu carro. Olhei pelo retrovisor. Atrás de mim havia um carro cinza, já me seguindo. Logo em seguida, dois homens desgrenhados numa moto. Então, eu disse a mim mesma, estou sendo vigiada. Eles mandaram uma equipe inteira. Voltei para casa e liguei para um advogado. Passei três dias dentro do meu prédio. E fui de lá direto para o aeroporto. Era hora de deixar o Irã. Sou iraniana, uma jornalista hoje vivendo no exílio como centenas, talvez milhares de outros. Fomos levados a partir do país depois da eleição de junho, amplamente considerada fraudulenta, e dos protestos e da repressão subsequentes. Nosso crime foi tê-los coberto a fundo demais. Durante períodos de turbulência, aprendi a ser discreta e noticiar o que podia, alertada de que algumas coisas -slogans dos manifestantes, até execuções anunciadas internamente- eram delicadas demais para serem contadas fora do Irã. Mas achava que o governo iraniano estava aprendendo a nos tolerar. Tudo isso mudou em junho. Confrontado com furiosos protestos de uma inconsolável oposição política, o governo se empenhou extraordinariamente em suprimir qualquer notícia sobre as consequências da eleição. Um dia, o telefone tocou, e uma fonte linha-dura, mas solidária, me alertou que eu seria alvejada por franco-atiradores se fosse vista nas ruas. Mesmo assim, continuei saindo para trabalhar.


Só depois que a equipe de vigilância chegou, cerca de dez dias depois, minha família e eu decidimos partir. Fiquei aliviada por ter escapado por pouco. Mas um grande pedaço de mim ansiava por ficar. As ruas de Teerã estavam agora convulsionadas por alguns dos maiores e mais sangrentos protestos desde a revolução de 1979; eu queria contar a história, continuar a fazer parte do destino do Irã. Mais do que qualquer coisa, eu temia cair naquilo que os jornalistas iranianos chamam de "síndrome do exílio" -minha compreensão sobre o Irã ficaria congelada no momento da partida, e eu seria incapaz de me manter atualizada. Sem dúvida o governo esperava o mesmo de mim e de outros. Não poderíamos estar mais errados. Três coisas fizeram toda a diferença: o alcance global da internet; a capacidade de criação de redes entre jornalistas exilados e nossas fontes; e a engenhosidade dos dissidentes iranianos em enviarem informações e imagens para o exterior. Fui a Nova York cobrir uma greve de fome em apoio à oposição iraniana. Fiquei surpresa por ver mais de uma dúzia de ex-fontes minhas -ex-parlamentares, ativistas e blogueiros- que haviam partido para o exílio anos antes. Em vez de ficar isolada, travei contato com outro Irã -um Irã virtual na internet, ligando reformistas no exterior a blogueiros e manifestantes ainda dentro do país, e jornalistas e fontes fora. Na verdade, ao acompanhar blogs e vídeos de celulares que vazavam para fora do Irã, de certa forma eu podia divulgar notícias com mais produtividade do que quando eu tinha de temer e driblar o governo. Eu podia noticiar, livre dos éditos governamentais, que os protestos estavam entrando em uma nova fase. Há uma ironia nisso tudo; os vários anos de controle autoritário haviam educado grande parte do Irã sobre a necessidade de burlar as restrições na internet, e agora eu estava vendo e ouvindo os resultados no meu computador e na minha TV.

No mês passado, durante e depois do funeral do grão-aiatolá reformista Hossain Ali Montazeri, uma das ferramentas mais úteis dos manifestantes foi o sinal de rádio de curto alcance do Bluetooth, que os americanos usam principalmente para ligar o celular a um fone de ouvido, ou uma impressora ao laptop. Há muito tempo, os dissidentes iranianos descobriram que o Bluetooth pode com a mesma facilidade ligar celulares entre si numa multidão. E isso deu origem ao verbo "bluetoothar" no Irã. Um manifestante "bluetootha" um vídeo para outros por perto, e estes fazem o mesmo. De repente, se as autoridades querem impedir que uma imagem escape do local, têm de confiscar centenas ou milhares de telefones e câmeras. Em novembro, as autoridades anunciaram que uma nova unidade policial, o "ciberexército", iria varrer a dissidência da web. Ela bloqueou notas do Twitter por algumas horas em dezembro e um site oposicionista. Mas outros blogs e sites brotaram mais rapidamente do que o governo poderia acompanhar.

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