Pavarotti deu o pontapé inicial. Na ocasião em que fez um concerto em 1986 para uma multidão de 10 mil chineses no Grande Auditório do Povo em Beijing, o tenor expressou um único pesar, de que “a capital do país mais populoso do mundo não tivesse um teatro de ópera à altura”.
Levou apenas alguns anos para corrigir isso. Os teatros de ópera ocidentais se espalharam por toda a china, destacando-se o Centro Nacional para Artes Performáticas na praça Tiananmen, a bolha de vidro e titânio de US$ 350 milhões de Paul Andreu com seu teatro de 1.416 lugares comparável a qualquer outro na Europa ou nos EUA.
Na China, a cultura ocidental dos espetáculos se adequa a uma classe média que usa Prada e lê a Vogue. Essas mesmas pessoas querem que a ópera seja cara, exótica, “de marca” - de Maryinsky ou La Scala.
Produções locais não fazem tanto sucesso, deixando poucas oportunidades para os cantores dos nove principais conservatórios chineses e uma série de escolas particulares. Eles são obrigados a olhar para o exterior. E os cantores chineses de fato estão abrindo caminho na cena europeia e norte-americana.
O país ainda tem que produzir um Pavarotti ou Renne Fleming, mas nomes como Hang Jiang Tian, cantor regular da Metropolitan Opera, ou Liping Zhang – um aclamado Liu e Madame Butterfly no Royal Opera – aparecem frequentemente. Hoje todos os olhos estão em He Hui, uma soprano dramática nascida em Xian que cantou Tosca no La Scala em 2007 e cantará Aída no Met em 26 e 31 de março. A pessoa que vem apoiando a carreira de muitos dos principais cantores de ópera chineses é Zhou Xiaoyan, de 93 anos. Filha de um rico banqueiro de Wuhan que fez amizade com o premiê chinês Zhou Enlai e eventualmente deu a maior parte de sua fortuna para os comunistas, “Madame Zhou” foi levada à elite privilegiada de Xangai dos anos 30, quando a vida musical era dominada por russos e judeus. Ela frequentou uma escola católica italiana e em 1936 entrou para o Conservatório Nacional de Música, que mais tarde se transformaria no Conservatório Xangai.
Quando seu professor declarou que sua voz era “muito gutural”, Zhou decidiu treinar na Europa, entrando primeiro na Ecole Normale em Paris e depois no Conservatoire de Russos, na cidade, que na época era coordenado por Nikolai Tcherepnin, pai do compositor Alexander, cuja mulher era chinesa e colega de Zhou. Lá ela desenvolveu uma coloratura lírica como a de um sino, com uma pureza de tom ideal para papeis como Gilda no “Rigoletto” de Verdi e Lakme no trabalho homônimo de Delibes. Mas, diz ela, “como a China não tinha ópera na época”, ela dedicou-se a um repertório de concertos que incluíam músicas de Faure e Debussy.
Depois da guerra ela ficou na Europa, dando recitais em Luxemburgo, Paris e Londres. Convidada para cantar no primeiro Festival de Praga em 1946, ela conviveu com músicos como Shostakovich, David Oistrakh, Leonard Bernstein e Sviatoslav Richter e ganhou o apelido de “rouxinol chinês”. Em 1947, entretanto, seu pai pediu que ela voltasse a Xangai.
Levou apenas alguns anos para corrigir isso. Os teatros de ópera ocidentais se espalharam por toda a china, destacando-se o Centro Nacional para Artes Performáticas na praça Tiananmen, a bolha de vidro e titânio de US$ 350 milhões de Paul Andreu com seu teatro de 1.416 lugares comparável a qualquer outro na Europa ou nos EUA.
Na China, a cultura ocidental dos espetáculos se adequa a uma classe média que usa Prada e lê a Vogue. Essas mesmas pessoas querem que a ópera seja cara, exótica, “de marca” - de Maryinsky ou La Scala.
Produções locais não fazem tanto sucesso, deixando poucas oportunidades para os cantores dos nove principais conservatórios chineses e uma série de escolas particulares. Eles são obrigados a olhar para o exterior. E os cantores chineses de fato estão abrindo caminho na cena europeia e norte-americana.
O país ainda tem que produzir um Pavarotti ou Renne Fleming, mas nomes como Hang Jiang Tian, cantor regular da Metropolitan Opera, ou Liping Zhang – um aclamado Liu e Madame Butterfly no Royal Opera – aparecem frequentemente. Hoje todos os olhos estão em He Hui, uma soprano dramática nascida em Xian que cantou Tosca no La Scala em 2007 e cantará Aída no Met em 26 e 31 de março. A pessoa que vem apoiando a carreira de muitos dos principais cantores de ópera chineses é Zhou Xiaoyan, de 93 anos. Filha de um rico banqueiro de Wuhan que fez amizade com o premiê chinês Zhou Enlai e eventualmente deu a maior parte de sua fortuna para os comunistas, “Madame Zhou” foi levada à elite privilegiada de Xangai dos anos 30, quando a vida musical era dominada por russos e judeus. Ela frequentou uma escola católica italiana e em 1936 entrou para o Conservatório Nacional de Música, que mais tarde se transformaria no Conservatório Xangai.
Quando seu professor declarou que sua voz era “muito gutural”, Zhou decidiu treinar na Europa, entrando primeiro na Ecole Normale em Paris e depois no Conservatoire de Russos, na cidade, que na época era coordenado por Nikolai Tcherepnin, pai do compositor Alexander, cuja mulher era chinesa e colega de Zhou. Lá ela desenvolveu uma coloratura lírica como a de um sino, com uma pureza de tom ideal para papeis como Gilda no “Rigoletto” de Verdi e Lakme no trabalho homônimo de Delibes. Mas, diz ela, “como a China não tinha ópera na época”, ela dedicou-se a um repertório de concertos que incluíam músicas de Faure e Debussy.
Depois da guerra ela ficou na Europa, dando recitais em Luxemburgo, Paris e Londres. Convidada para cantar no primeiro Festival de Praga em 1946, ela conviveu com músicos como Shostakovich, David Oistrakh, Leonard Bernstein e Sviatoslav Richter e ganhou o apelido de “rouxinol chinês”. Em 1947, entretanto, seu pai pediu que ela voltasse a Xangai.
“A cidade estava num estado de tumulto chocante”, diz Zhou. “Os japoneses havia saído, mas o Kuomintang dominava a cidade. A pobreza estava por toda parte e havia muita violência”. Isso durou até uma noite fatídica em 1949, quando ela se lembra dos “soldados de chapéus de palha e uniformes amarelos que tomaram as ruas de fora” enquanto as forças comunistas entravam na cidade.
Ela conheceu Zhou Enlai durante a primeira conferência de literatura e arte do novo regime, em 1949. “Fiquei emocionada por ele se lembrar do meu irmão, que morreu lutando contra os japoneses”, disse. “Pedi desculpas por não ter feito nada pela revolução”, ao que ele respondeu: “Não importa quando você se junta à revolução. O mais importante é que você está do lado do povo.”
Durante os dez anos seguintes, foi exatamente do que Zhou fez, apresentando-se em fábricas e portos e participando de turnês oficiais na Polônia, Índia, Coreia do Norte – e, é claro, na União Soviética, onde compositores como Shostakovich e Khachaturian eram a favor de Xangai.
Um dia em 1965, entretanto, Zhou chegou a Conservatório Xangai saqueado e encontrou seu nome escrito em letras grandes e riscado com tinta vermelha.
“Reclamei que eu não era diretora do conservatório”, diz ela, “e eles me acusaram de atividades contrarrevolucionárias”.
Zhou e seu marido foram enviados para as províncias para cuidar de porcos e galinhas, e só voltaram em 1970.
Ela conheceu Zhou Enlai durante a primeira conferência de literatura e arte do novo regime, em 1949. “Fiquei emocionada por ele se lembrar do meu irmão, que morreu lutando contra os japoneses”, disse. “Pedi desculpas por não ter feito nada pela revolução”, ao que ele respondeu: “Não importa quando você se junta à revolução. O mais importante é que você está do lado do povo.”
Durante os dez anos seguintes, foi exatamente do que Zhou fez, apresentando-se em fábricas e portos e participando de turnês oficiais na Polônia, Índia, Coreia do Norte – e, é claro, na União Soviética, onde compositores como Shostakovich e Khachaturian eram a favor de Xangai.
Um dia em 1965, entretanto, Zhou chegou a Conservatório Xangai saqueado e encontrou seu nome escrito em letras grandes e riscado com tinta vermelha.
“Reclamei que eu não era diretora do conservatório”, diz ela, “e eles me acusaram de atividades contrarrevolucionárias”.
Zhou e seu marido foram enviados para as províncias para cuidar de porcos e galinhas, e só voltaram em 1970.
O dia em da morte de Zhou Enlai foi “um dia sombrio”, mas ela nunca perdeu a fé de que “o povo chinês não iria permitir que quatro pessoas conseguissem destruir nossa cultura”. No final daquele período sombrio, ela se encheu de alegria ao ver que a Gangue dos Quatro, uma facção política composta de quatro funcionários do Partido Comunista que haviam ganhado importância durante a Revolução Cultural, havia sido considerada corrupta.
Mesmo assim, ela se mostra imparcial em relação à Revolução Cultural. “É claro que foi difícil. Eu tive que perceber que conhecia muito pouco sobre o meu país. Foi quando aprendi o que é ser chinês – antes eu era muito cosmopolitana”, diz ela com um sorriso.
“Não foi tão brutal. Zhou Enlai não podia me ajudar diretamente, mas de certa forma acho que ele protegeu minha família, que estava na maioria em Beijing. Os guardas vermelhos nunca foram à casa deles.”
O retorno da ópera começou com a abertura de Deng Xiaoping. Percebendo que os cantores chineses precisavam de treinamento não só no canto mas no trabalho em conjunto, línguas, análise estilística e preparação musical, Zhou montou seu centro de ópera de elite, o Centro de Treinamento para Cantores de Ópera Zhou Xiaoyan Young, no quarto andar de um bloco mais afastado do Conservatório de Xangai.
Isso foi em 1988. No ano seguinte, o “Rigoletto” em chinês foi produzido pelo governo de Nanjing, que apoiou um festival local e a orquestra. O centro de Zhou forneceu os solistas. Um programa de intercâmbio estabelecido entre o Conservatório de Xangai, a Ópera de Xangai e a Ópera de San Francisco resultou na primeira produção em língua original do “Romeu e Julieta” de Gounod em 1996, seguida por “Carmen” de Bizet um ano depois com Wei Song, aluno de Zhou, como Don Jose.
Em 1998, o Grande Teatro de Xangai, o primeiro auditório requintado de ópera do país, foi inaugurado com uma montagem de “Aída” de Florença. Todas as três óperas foram produzidas pelo jovem magnata chinês Bonko Chan. Quando ele foi preso por corrupção em 2001, a capacidade da cidade produzir óperas parecia enfraquecida.
Entretanto, naquela época seus cantores começaram a buscar coisas fora. Um de seus alunos mais talentosos, o tenor Jianyi Zhang, ganhou a competição Belvedere em Vienna e depois disso cantou o Fausto e Des Grieux no Metropolitan Opera com James Levine. Liao Changyong, vencedor do prêmio de ópera Placido Domingo em 1997, juntou-se a Domingo em “Il Trovatore” em Tóquio e em Washington, sob a regência do tenor. Nascido na província rural de Chengdu, ele também fez sucesso na Opera da Cidade de Nova York como Ezio em “Attila” em 2001.
Atualmente o barítono mais famoso da China, Liao divide seu tempo entre compromissos de ópera – incluindo Rodrigo em “Don Carlo” em 2008 e “Rigoletto” no ano anterior em Xangai – e a coordenação do departamento vocal do conservatório. Liao chegou até Zhou quando era um rapaz tímido do interior, diz ela, “sem saber inglês e com uma voz seca e fina. Ele ouvia CDs incessantemente e havia aprendido árias como um papagaio. Mas ele era entusiasmado e inteligente, e logo começou a demonstrar sua individualidade.”
Guanqun Yu, a última descoberta de Zhou, superou inúmeros outros cantores ao ganhar a competição Belvedere de 2008, com uma apresentação poderosa que incluiu uma ária de “Manon Lescaut” de Puccini. Guanqun foi chamada para cantar uma ópera de Mozart na Itália.
As competições proliferaram na China e são vistas por muitos como o caminho para seguir adiante. A incansável Zhou trabalha para ter certeza que eles estão bem preparados e não iludidos.
Outra aluna do conservatório, a soprano de 22 anos Fang Ying acabou de receber o prêmio máximo no Golden Bell Award, uma competição nacional de canto em Guangdong, com a coloratura “Da Tempeste” do Julio César de Handel, uma escolha corajosa uma vez que o compositor quase não teve nenhuma exposição na China.
“Handel dá a oportunidade de inventar vocalmente, então adoro embelezar e decorar e colocar personalidade na música”, diz a soprano, que vem da província de Zhejiang. “Madame Zhou me ajudou a encontrar a confiança para fazer isso.”
Mesmo assim, ela se mostra imparcial em relação à Revolução Cultural. “É claro que foi difícil. Eu tive que perceber que conhecia muito pouco sobre o meu país. Foi quando aprendi o que é ser chinês – antes eu era muito cosmopolitana”, diz ela com um sorriso.
“Não foi tão brutal. Zhou Enlai não podia me ajudar diretamente, mas de certa forma acho que ele protegeu minha família, que estava na maioria em Beijing. Os guardas vermelhos nunca foram à casa deles.”
O retorno da ópera começou com a abertura de Deng Xiaoping. Percebendo que os cantores chineses precisavam de treinamento não só no canto mas no trabalho em conjunto, línguas, análise estilística e preparação musical, Zhou montou seu centro de ópera de elite, o Centro de Treinamento para Cantores de Ópera Zhou Xiaoyan Young, no quarto andar de um bloco mais afastado do Conservatório de Xangai.
Isso foi em 1988. No ano seguinte, o “Rigoletto” em chinês foi produzido pelo governo de Nanjing, que apoiou um festival local e a orquestra. O centro de Zhou forneceu os solistas. Um programa de intercâmbio estabelecido entre o Conservatório de Xangai, a Ópera de Xangai e a Ópera de San Francisco resultou na primeira produção em língua original do “Romeu e Julieta” de Gounod em 1996, seguida por “Carmen” de Bizet um ano depois com Wei Song, aluno de Zhou, como Don Jose.
Em 1998, o Grande Teatro de Xangai, o primeiro auditório requintado de ópera do país, foi inaugurado com uma montagem de “Aída” de Florença. Todas as três óperas foram produzidas pelo jovem magnata chinês Bonko Chan. Quando ele foi preso por corrupção em 2001, a capacidade da cidade produzir óperas parecia enfraquecida.
Entretanto, naquela época seus cantores começaram a buscar coisas fora. Um de seus alunos mais talentosos, o tenor Jianyi Zhang, ganhou a competição Belvedere em Vienna e depois disso cantou o Fausto e Des Grieux no Metropolitan Opera com James Levine. Liao Changyong, vencedor do prêmio de ópera Placido Domingo em 1997, juntou-se a Domingo em “Il Trovatore” em Tóquio e em Washington, sob a regência do tenor. Nascido na província rural de Chengdu, ele também fez sucesso na Opera da Cidade de Nova York como Ezio em “Attila” em 2001.
Atualmente o barítono mais famoso da China, Liao divide seu tempo entre compromissos de ópera – incluindo Rodrigo em “Don Carlo” em 2008 e “Rigoletto” no ano anterior em Xangai – e a coordenação do departamento vocal do conservatório. Liao chegou até Zhou quando era um rapaz tímido do interior, diz ela, “sem saber inglês e com uma voz seca e fina. Ele ouvia CDs incessantemente e havia aprendido árias como um papagaio. Mas ele era entusiasmado e inteligente, e logo começou a demonstrar sua individualidade.”
Guanqun Yu, a última descoberta de Zhou, superou inúmeros outros cantores ao ganhar a competição Belvedere de 2008, com uma apresentação poderosa que incluiu uma ária de “Manon Lescaut” de Puccini. Guanqun foi chamada para cantar uma ópera de Mozart na Itália.
As competições proliferaram na China e são vistas por muitos como o caminho para seguir adiante. A incansável Zhou trabalha para ter certeza que eles estão bem preparados e não iludidos.
Outra aluna do conservatório, a soprano de 22 anos Fang Ying acabou de receber o prêmio máximo no Golden Bell Award, uma competição nacional de canto em Guangdong, com a coloratura “Da Tempeste” do Julio César de Handel, uma escolha corajosa uma vez que o compositor quase não teve nenhuma exposição na China.
“Handel dá a oportunidade de inventar vocalmente, então adoro embelezar e decorar e colocar personalidade na música”, diz a soprano, que vem da província de Zhejiang. “Madame Zhou me ajudou a encontrar a confiança para fazer isso.”
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