Duas matronas envoltas em um chador tocam a campainha e passam pela entrada. Pouco depois chega uma jovem com um lenço que cobre apenas seu cabelo e uma bata muito justa. O vigilante que guarda a porta nem sequer vira a cabeça. Está acostumado. Embora não haja placas que anunciem o negócio, o trânsito de mulheres que o lugar atrai revela que se trata de um salão de beleza. Sem poder exibir as típicas fotos de modelos espetaculares, sua fama depende do boca a boca. Obrigadas por lei a esconder seus corpos, iranianas e sauditas gastam mais dinheiro em cosméticos e penteados que as demais mulheres do Oriente Médio.
A porta se abre para um muro e é preciso dobrar à direita para ter acesso ao salão de cabeleireiro Fahimeh, no bairro de Jordan, em Teerã. Em outros locais é uma cortina que garante a proteção contra olhares indiscretos. Lá dentro, é outro mundo. Libertas de lenços e batas, as jovens exibem camisetas-regatas, calças justas e inclusive umbigos com "piercings", como em qualquer outro lugar; as mais velhas usam trajes menos ousados, mas modernos.
Os salões de beleza são um dos poucos lugares fora de suas casas onde as iranianas (e as sauditas) tiram o "hijab" (o manto islâmico que cobre o corpo), pelo fato de que ali só há mulheres.
Vendo o movimento de pentes, grampos e secadores, nos perguntamos que sentido tem todo esse esforço se dali a pouco terão de recolocar o lenço na cabeça e todo o trabalho será destruído. "Temos nossas técnicas: com espumas e laquê, conseguimos dar consistência ao penteado. Além disso, elevamos os coques para que o lenço se apoie sobre eles e não achate o resto do cabelo", explica Samy enquanto dá os últimos retoques em um penteado que lembra os das artistas dos anos 1980.
Sima, a encarregada, capricha em uma longa melena negra. As iranianas têm cabelos brilhantes, mas se queixam do excesso de pêlos corporais. No mezanino, várias esteticistas trabalham dando forma às sobrancelhas e depilando o restante do rosto com um fio de linha esticado, que deixa a pele tão suave quanto avermelhada. "Nós iranianas somos muito vaidosas", admite Firuzeh, uma artista plástica que é cliente do salão. "Como nos obrigam a cobrir o corpo, só fica o rosto para nos expressarmos, por isso lhe damos tanta atenção."
Para entender Firuzeh, faça um teste. Coloque-se diante de um espelho, pegue um lenço e amarre-o embaixo do queixo, de forma que não apareça nenhum cabelo. Não importa que você seja homem ou mulher, terá envelhecido dez anos. Só com um oval perfeito e traços especialmente bonitos se passa no teste. Por isso as iranianas (e as sauditas) recorrem à maquiagem (além da depilação do rosto e o desenho das sobrancelhas). Toneladas, segundo os US$ 2 bilhões que elas gastaram em produtos de beleza no Irã no ano passado. Esse consumo representa 29% do mercado de cosméticos do Oriente Médio, ficando atrás apenas da Arábia Saudita, cuja renda per cápita é quase o dobro da iraniana.
De acordo com um estudo recente publicado na imprensa local, cada uma das 14 milhões de mulheres iranianas entre 15 e 45 anos que vivem em cidades gasta em média 5,5 euros por mês em cosméticos. O número é significativo quando o salário mínimo é de 235 euros por mês e o médio, pouco mais que o dobro.
E a maquiagem continua sendo malvista pelos setores mais conservadores. De fato, é proibida para funcionárias públicas e estudantes. Depois da revolução islâmica, inclusive, os cosméticos foram declarados ilegais e patrulhas de puritanos apagavam a pintura facial com panos. Em meados dos anos 1990, o governo voltou a permitir a importação de batons, sombras para olhos e esmalte de unhas, embora ainda hoje a maior parte entre no país de contrabando.
Importados legalmente ou por canais paralelos, de marca ou de imitação, perfumes, cremes e outros artigos de beleza constituem um negócio seguro no Irã. Nos últimos anos, com a progressiva liberalização das compras de produtos estrangeiros, as lojas de cosméticos floresceram em todas as cidades do país, e inclusive farmácias e grandes supermercados têm seções especializadas. Mas onde melhor se aprecia a importância que as iranianas atribuem à imagem pessoal é nos cabeleireiros e salões de estética, aos quais vão regularmente, de acordo com suas economias.
Não só para os casamentos ou as festas (clandestinas) dos fins de semana. As iranianas se maquiam até para fazer compras. Um passeio por qualquer área comercial de Teerã comprova isso. Além do mais, não o fazem unicamente as que estão em idade de esconder as primeiras rugas, mas também as mais jovens, e dois terços dos 72 milhões de iranianos têm menos de 30 anos. Para muitas, é um sinal de rebeldia contra um regime que durante três décadas tentou controlar não só suas vidas, mas também sua aparência. Por isso com frequência caem no excesso.
O mesmo desejo de se destacar parece animar os gastos em produtos de beleza das sauditas, que no ano passado chegaram a 1,87 bilhão de euros. Em um país com apenas 24 milhões de habitantes, este é um dos índices per cápita mais altos do mundo, e os especialistas preveem um crescimento de 11% no próximo exercício. Mas também nesse caso o esforço tem uma audiência mais limitada, já que a segregação sexual é muito mais rígida do que no Irã, e a maioria das sauditas aparece em público não só oculta embaixo da abaya (equivalente árabe do chador), como com o rosto coberto pelo gotwah, um lenço preto muito fino que usam por cima do niqab.
Então, a quem dedicam sua vaidade? Os estritos vigilantes da moral do reino, os ulemás que apoiam o governo dos Al Saud, gostariam que só os maridos desfrutassem de sua contemplação, e mantêm os olhos atentos aos salões. Inclusive há alguns, como o xeque Mohamed al Habadan, que se opõem ao uso do rímel e opinam que as mulheres só deveriam mostrar um dos olhos quando aparecem em público, porque mostrando os dois podem despertar pensamentos lascivos.
Alheias a essas preocupações, ou talvez conscientes delas, as solteiras também vão a lugares como o Lubna Beautification Center, Nº 1 for Ladies, ou o spa do hotel Luthan (um oásis só para mulheres), todos na conservadora capital, Riyad.
O alto nível econômico das sauditas lhes dá acesso não só às marcas de cosméticos mais exclusivas, como aos últimos tratamentos, de oxigenação da pele a ativação do colágeno, passando por todo tipo de ampolas e infiltrações. Mais preocupante é que tanto no reino do deserto como no Irã o desejo de imitar as belezas artificiais popularizadas pelas novelas leva muitas jovens a passar pelo cirurgião.
Claro que em uma sociedade na qual quase a única diversão permitida pelas autoridades religiosas são os casamentos, é primordial chamar a atenção das mães ou irmãs de potenciais maridos. Quando faltam poucas semanas para o Ramadã, é alta temporada de casamentos e portanto época de encontros com a esteticista, maquiagens e penteados espetaculares.
A porta se abre para um muro e é preciso dobrar à direita para ter acesso ao salão de cabeleireiro Fahimeh, no bairro de Jordan, em Teerã. Em outros locais é uma cortina que garante a proteção contra olhares indiscretos. Lá dentro, é outro mundo. Libertas de lenços e batas, as jovens exibem camisetas-regatas, calças justas e inclusive umbigos com "piercings", como em qualquer outro lugar; as mais velhas usam trajes menos ousados, mas modernos.
Os salões de beleza são um dos poucos lugares fora de suas casas onde as iranianas (e as sauditas) tiram o "hijab" (o manto islâmico que cobre o corpo), pelo fato de que ali só há mulheres.
Vendo o movimento de pentes, grampos e secadores, nos perguntamos que sentido tem todo esse esforço se dali a pouco terão de recolocar o lenço na cabeça e todo o trabalho será destruído. "Temos nossas técnicas: com espumas e laquê, conseguimos dar consistência ao penteado. Além disso, elevamos os coques para que o lenço se apoie sobre eles e não achate o resto do cabelo", explica Samy enquanto dá os últimos retoques em um penteado que lembra os das artistas dos anos 1980.
Sima, a encarregada, capricha em uma longa melena negra. As iranianas têm cabelos brilhantes, mas se queixam do excesso de pêlos corporais. No mezanino, várias esteticistas trabalham dando forma às sobrancelhas e depilando o restante do rosto com um fio de linha esticado, que deixa a pele tão suave quanto avermelhada. "Nós iranianas somos muito vaidosas", admite Firuzeh, uma artista plástica que é cliente do salão. "Como nos obrigam a cobrir o corpo, só fica o rosto para nos expressarmos, por isso lhe damos tanta atenção."
Para entender Firuzeh, faça um teste. Coloque-se diante de um espelho, pegue um lenço e amarre-o embaixo do queixo, de forma que não apareça nenhum cabelo. Não importa que você seja homem ou mulher, terá envelhecido dez anos. Só com um oval perfeito e traços especialmente bonitos se passa no teste. Por isso as iranianas (e as sauditas) recorrem à maquiagem (além da depilação do rosto e o desenho das sobrancelhas). Toneladas, segundo os US$ 2 bilhões que elas gastaram em produtos de beleza no Irã no ano passado. Esse consumo representa 29% do mercado de cosméticos do Oriente Médio, ficando atrás apenas da Arábia Saudita, cuja renda per cápita é quase o dobro da iraniana.
De acordo com um estudo recente publicado na imprensa local, cada uma das 14 milhões de mulheres iranianas entre 15 e 45 anos que vivem em cidades gasta em média 5,5 euros por mês em cosméticos. O número é significativo quando o salário mínimo é de 235 euros por mês e o médio, pouco mais que o dobro.
E a maquiagem continua sendo malvista pelos setores mais conservadores. De fato, é proibida para funcionárias públicas e estudantes. Depois da revolução islâmica, inclusive, os cosméticos foram declarados ilegais e patrulhas de puritanos apagavam a pintura facial com panos. Em meados dos anos 1990, o governo voltou a permitir a importação de batons, sombras para olhos e esmalte de unhas, embora ainda hoje a maior parte entre no país de contrabando.
Importados legalmente ou por canais paralelos, de marca ou de imitação, perfumes, cremes e outros artigos de beleza constituem um negócio seguro no Irã. Nos últimos anos, com a progressiva liberalização das compras de produtos estrangeiros, as lojas de cosméticos floresceram em todas as cidades do país, e inclusive farmácias e grandes supermercados têm seções especializadas. Mas onde melhor se aprecia a importância que as iranianas atribuem à imagem pessoal é nos cabeleireiros e salões de estética, aos quais vão regularmente, de acordo com suas economias.
Não só para os casamentos ou as festas (clandestinas) dos fins de semana. As iranianas se maquiam até para fazer compras. Um passeio por qualquer área comercial de Teerã comprova isso. Além do mais, não o fazem unicamente as que estão em idade de esconder as primeiras rugas, mas também as mais jovens, e dois terços dos 72 milhões de iranianos têm menos de 30 anos. Para muitas, é um sinal de rebeldia contra um regime que durante três décadas tentou controlar não só suas vidas, mas também sua aparência. Por isso com frequência caem no excesso.
O mesmo desejo de se destacar parece animar os gastos em produtos de beleza das sauditas, que no ano passado chegaram a 1,87 bilhão de euros. Em um país com apenas 24 milhões de habitantes, este é um dos índices per cápita mais altos do mundo, e os especialistas preveem um crescimento de 11% no próximo exercício. Mas também nesse caso o esforço tem uma audiência mais limitada, já que a segregação sexual é muito mais rígida do que no Irã, e a maioria das sauditas aparece em público não só oculta embaixo da abaya (equivalente árabe do chador), como com o rosto coberto pelo gotwah, um lenço preto muito fino que usam por cima do niqab.
Então, a quem dedicam sua vaidade? Os estritos vigilantes da moral do reino, os ulemás que apoiam o governo dos Al Saud, gostariam que só os maridos desfrutassem de sua contemplação, e mantêm os olhos atentos aos salões. Inclusive há alguns, como o xeque Mohamed al Habadan, que se opõem ao uso do rímel e opinam que as mulheres só deveriam mostrar um dos olhos quando aparecem em público, porque mostrando os dois podem despertar pensamentos lascivos.
Alheias a essas preocupações, ou talvez conscientes delas, as solteiras também vão a lugares como o Lubna Beautification Center, Nº 1 for Ladies, ou o spa do hotel Luthan (um oásis só para mulheres), todos na conservadora capital, Riyad.
O alto nível econômico das sauditas lhes dá acesso não só às marcas de cosméticos mais exclusivas, como aos últimos tratamentos, de oxigenação da pele a ativação do colágeno, passando por todo tipo de ampolas e infiltrações. Mais preocupante é que tanto no reino do deserto como no Irã o desejo de imitar as belezas artificiais popularizadas pelas novelas leva muitas jovens a passar pelo cirurgião.
Claro que em uma sociedade na qual quase a única diversão permitida pelas autoridades religiosas são os casamentos, é primordial chamar a atenção das mães ou irmãs de potenciais maridos. Quando faltam poucas semanas para o Ramadã, é alta temporada de casamentos e portanto época de encontros com a esteticista, maquiagens e penteados espetaculares.
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