Esqueçam os apelos de muitos pacientes chineses para que o sistema de saúde conte com médicos mais honestos e qualificados. As autoridades decidiram no mês passado que os 27 hospitais públicos da cidade necessitam realmente é de policiais.
E policiais não só nas entradas dos hospitais, mas também na função de vice administradores. O objetivo seria impedir que pacientes revoltados e os seus parentes não atacassem os médicos.
A revisão foi revertida depois que especialistas de saúde chineses argumentaram que os policiais são funcionários públicos, e não guarda-costas de médicos.
Mas as autoridades desta cidade, que é um centro industrial de quase oito milhões de habitantes, apresentaram um argumento válido. Os hospitais chineses são locais perigosos para se trabalhar. Em 2006, o último ano em que o Ministério da Saúde divulgou estatísticas sobre a violência nos hospitais, os ataques por parte de pacientes e seus familiares deixaram feridos mais de 5.500 profissionais de saúde.
“Eu acho que a polícia deveria contar com uma base permanente aqui”, afirma um neurocirurgião do Hospital Shengjing. “Eu sempre senti este fator de perigo”.
No mês de julho, um médico foi morto a facadas na província de Shandong pelo filho de um paciente que tinha morrido de câncer no fígado. Três médicos ficaram gravemente queimados na província de Sanxi quando um paciente ateou fogo a uma instalação de um hospital. Um pediatra da província de Fujian ficou ferido após saltar de uma janela do quinto andar para escapar de parentes furiosos de um recém-nascido que morreu quando estava sob os seus cuidados.
No decorrer dos últimos 12 meses, famílias de pacientes mortos obrigaram médicos a usar roupas de luto como sinal de culpa pelo mau atendimento e organizaram protestos para bloquear as entradas de hospitais. Quatro anos atrás, 2.000 pessoas rebelaram-se em um hospital após saberem que este recusou tratamento a uma criança de três anos de idade porque o avô dela não tinha como pagar um adiantamento de US$ 82 (R$ 145). A criança morreu.
Tais episódios são, até certo ponto, a norma na China. O governo anunciou em 2008 que mais de 90 mil confusões desse tipo ocorrem todos os anos, e as autoridades chinesas de todos os níveis de governo estão sempre vigilantes em relação a rebeliões que possam ameaçar o poder do Partido Comunista.
E os médicos e enfermeiras afirmam que os problemas de relacionamento entre eles e os familiares dos pacientes são muitas vezes um resultado de expectativas irrealistas por parte de famílias pobres que, tendo viajado de bem longe e esgotado as suas reservas financeiras com tratamentos de saúde, chegam esperando milagres médicos.
Mas a violência também reflete um descontentamento mais generalizado com o sistema de saúde pública da China. Embora no passado o governo, sob a liderança comunista, oferecesse serviços básicos a preços irrisórios, ele alterou a sua política em 1990, fazendo com que os hospitais ficassem encarregados de obter as suas próprias verbas.
Em 2000, a Organização Mundial de Saúde classificou o sistema de saúde da China como um dos mais desiguais do mundo, tendo ficado em 188º lugar em uma lista de 191 países. Quase dois entre cada cinco pacientes não recebem tratamento algum. E somente um em cada dez possui plano de saúde.
Nos últimos sete anos, o Estado voltou a intervir. Ele reduziu, mas não eliminou, a lacuna entre os seus gastos com a saúde pública e aqueles de nações em desenvolvimento com níveis similares de renda, investindo dezenas de bilhões de dólares em planos de saúde e na construção de hospitais.
O Banco Mundial estima que mais de três entre cada quatro chineses possuem seguro saúde, embora a cobertura seja frequentemente a mais básica possível. E uma quantidade bem maior de pessoas está recebendo tratamento médico: segundo o Banco Mundial, os atendimentos em hospitais de localidades rurais dobraram nos últimos cinco anos. “Isto é um aumento bastante acentuado”, afirma Jack Langenbrunner, coordenador de desenvolvimento humano do escritório do Banco Mundial em Pequim. “Nós não presenciamos nada como isto em nenhum outro país”.
Mesmo assim, em grande parte do território da China a qualidade do atendimento médico e hospitalar continua muito baixa. Quase a metade dos médicos do país conta com um nível de escolaridade máximo de segundo grau, de acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. E muitos médicos de aldeias sequer concluíram o primeiro ano do ensino secundário.
O atendimento médico básico é ruim, de forma que os hospitais públicos – conhecidos pelos preços excessivos que cobram – são geralmente a primeira escala dos pacientes nas cidades, até mesmo para pequenos problemas de saúde. Segundo uma pesquisa, um quinto dos pacientes hospitalares padece no máximo de um resfriado ou uma gripe.
Quando dão entrada nos hospitais, os pacientes correm o risco de serem submetidos a cirurgias desnecessárias. Por exemplo, a metade dos recém-nascidos chineses nasce por meio de cesarianas, o que se constitui em um índice três vezes maior do que o recomendado pelos especialistas em saúde.
E, ao que parece, existe uma probabilidade ainda maior de que os pacientes recebam prescrições médicas inúteis. As vendas de medicamentos se constituem na segunda maior fonte de renda dos hospitais, e muitos deles incentivam os médicos a fornecer receitas desnecessárias ou vinculam os salários destes profissionais à prescrição de medicamentos e de exames de saúde caros. Algumas companhias farmacêuticas oferecem estímulos adicionais clandestinos para que os médicos prescrevam medicamentos, afirmam os profissionais de saúde.
Um artigo publicado em novembro no jornal “The Guangzhou Daily”, do sudeste da China, citou um exemplo de tratamento desnecessário: um paciente pagou cerca de US$ 95 (R$ 170) por um checkup, várias injeções e mais de dez remédios diferentes, incluindo comprimidos para uma suposta doença do fígado. Entretanto, tudo o que ele tinha era uma gripe.
O Ministério da Saúde ordenou aos hospitais que reduzissem os preços de drogas em 23 ocasiões nos últimos dez anos, mas o Banco Mundial afirma que os hospitais responderam, em parte, encomendando medicamentos alternativos ainda mais caros.
Alguns especialistas temem que a recém-aberta torneira de dinheiro público para seguros saúde provoque ainda mais excessos. De fato, um estudo revela apenas uma pequena redução da parcela média da renda familiar destinada à saúde – ela foi de 8,2% em 2008, contra 8,7% em 2003.
“A proteção ao paciente pode de fato não estar melhorando com os seguros”, afirma Langenbrunner, do Banco Mundial. “Esta é a parte mais assustadora disso tudo”.
Os médicos parecem estar tão insatisfeitos quanto os pacientes. Eles reclamam de que ganham mal, são pouco valorizados e não gozam da confiança dos pacientes. Um dentre cada quatro médicos sofre de depressão, e menos de dois dentre cada três acreditam que os seus pacientes os respeitam, segundo uma pesquisa feita pela Universidade de Pequim em outubro do ano passado.
Em junho, mais de cem médicos e enfermeiras da província de Fujian fizeram uma paralisação depois que o hospital em que trabalham pagou uma indenização de US$ 31 mil (R$ 55 mil) à família de um paciente que morreu. Os médicos ficaram irritados porque, depois que o paciente morreu, os seus parentes fizeram um médico refém, o que provocou uma confusão violenta, com arremesso de garrafas, que deixou cinco funcionários feridos.
Assim como outras cidades chinesas, Shenyang vem procurando reduzir tais episódios, tendo até criado centros de mediação hospitalar. Mesmo assim, a cidade registrou 152 “conflitos graves” entre pacientes e médicos no ano passado.
No Hospital Número Cinco, as lembranças do ataque de janeiro ainda estão frescas. Depois que um médico encaminhou um paciente que estava com temperatura alta para uma “clinica de febre” - uma prática comum na China –, parentes revoltados espancaram o médico e várias enfermeiras com uma vassoura e bastões.
Agora há uma faixa pendurada na varanda do segundo andar do prédio principal do hospital, dizendo: “Todos estão participando da solução do problema de lei e ordem!”.
E policiais não só nas entradas dos hospitais, mas também na função de vice administradores. O objetivo seria impedir que pacientes revoltados e os seus parentes não atacassem os médicos.
A revisão foi revertida depois que especialistas de saúde chineses argumentaram que os policiais são funcionários públicos, e não guarda-costas de médicos.
Mas as autoridades desta cidade, que é um centro industrial de quase oito milhões de habitantes, apresentaram um argumento válido. Os hospitais chineses são locais perigosos para se trabalhar. Em 2006, o último ano em que o Ministério da Saúde divulgou estatísticas sobre a violência nos hospitais, os ataques por parte de pacientes e seus familiares deixaram feridos mais de 5.500 profissionais de saúde.
“Eu acho que a polícia deveria contar com uma base permanente aqui”, afirma um neurocirurgião do Hospital Shengjing. “Eu sempre senti este fator de perigo”.
No mês de julho, um médico foi morto a facadas na província de Shandong pelo filho de um paciente que tinha morrido de câncer no fígado. Três médicos ficaram gravemente queimados na província de Sanxi quando um paciente ateou fogo a uma instalação de um hospital. Um pediatra da província de Fujian ficou ferido após saltar de uma janela do quinto andar para escapar de parentes furiosos de um recém-nascido que morreu quando estava sob os seus cuidados.
No decorrer dos últimos 12 meses, famílias de pacientes mortos obrigaram médicos a usar roupas de luto como sinal de culpa pelo mau atendimento e organizaram protestos para bloquear as entradas de hospitais. Quatro anos atrás, 2.000 pessoas rebelaram-se em um hospital após saberem que este recusou tratamento a uma criança de três anos de idade porque o avô dela não tinha como pagar um adiantamento de US$ 82 (R$ 145). A criança morreu.
Tais episódios são, até certo ponto, a norma na China. O governo anunciou em 2008 que mais de 90 mil confusões desse tipo ocorrem todos os anos, e as autoridades chinesas de todos os níveis de governo estão sempre vigilantes em relação a rebeliões que possam ameaçar o poder do Partido Comunista.
E os médicos e enfermeiras afirmam que os problemas de relacionamento entre eles e os familiares dos pacientes são muitas vezes um resultado de expectativas irrealistas por parte de famílias pobres que, tendo viajado de bem longe e esgotado as suas reservas financeiras com tratamentos de saúde, chegam esperando milagres médicos.
Mas a violência também reflete um descontentamento mais generalizado com o sistema de saúde pública da China. Embora no passado o governo, sob a liderança comunista, oferecesse serviços básicos a preços irrisórios, ele alterou a sua política em 1990, fazendo com que os hospitais ficassem encarregados de obter as suas próprias verbas.
Em 2000, a Organização Mundial de Saúde classificou o sistema de saúde da China como um dos mais desiguais do mundo, tendo ficado em 188º lugar em uma lista de 191 países. Quase dois entre cada cinco pacientes não recebem tratamento algum. E somente um em cada dez possui plano de saúde.
Nos últimos sete anos, o Estado voltou a intervir. Ele reduziu, mas não eliminou, a lacuna entre os seus gastos com a saúde pública e aqueles de nações em desenvolvimento com níveis similares de renda, investindo dezenas de bilhões de dólares em planos de saúde e na construção de hospitais.
O Banco Mundial estima que mais de três entre cada quatro chineses possuem seguro saúde, embora a cobertura seja frequentemente a mais básica possível. E uma quantidade bem maior de pessoas está recebendo tratamento médico: segundo o Banco Mundial, os atendimentos em hospitais de localidades rurais dobraram nos últimos cinco anos. “Isto é um aumento bastante acentuado”, afirma Jack Langenbrunner, coordenador de desenvolvimento humano do escritório do Banco Mundial em Pequim. “Nós não presenciamos nada como isto em nenhum outro país”.
Mesmo assim, em grande parte do território da China a qualidade do atendimento médico e hospitalar continua muito baixa. Quase a metade dos médicos do país conta com um nível de escolaridade máximo de segundo grau, de acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. E muitos médicos de aldeias sequer concluíram o primeiro ano do ensino secundário.
O atendimento médico básico é ruim, de forma que os hospitais públicos – conhecidos pelos preços excessivos que cobram – são geralmente a primeira escala dos pacientes nas cidades, até mesmo para pequenos problemas de saúde. Segundo uma pesquisa, um quinto dos pacientes hospitalares padece no máximo de um resfriado ou uma gripe.
Quando dão entrada nos hospitais, os pacientes correm o risco de serem submetidos a cirurgias desnecessárias. Por exemplo, a metade dos recém-nascidos chineses nasce por meio de cesarianas, o que se constitui em um índice três vezes maior do que o recomendado pelos especialistas em saúde.
E, ao que parece, existe uma probabilidade ainda maior de que os pacientes recebam prescrições médicas inúteis. As vendas de medicamentos se constituem na segunda maior fonte de renda dos hospitais, e muitos deles incentivam os médicos a fornecer receitas desnecessárias ou vinculam os salários destes profissionais à prescrição de medicamentos e de exames de saúde caros. Algumas companhias farmacêuticas oferecem estímulos adicionais clandestinos para que os médicos prescrevam medicamentos, afirmam os profissionais de saúde.
Um artigo publicado em novembro no jornal “The Guangzhou Daily”, do sudeste da China, citou um exemplo de tratamento desnecessário: um paciente pagou cerca de US$ 95 (R$ 170) por um checkup, várias injeções e mais de dez remédios diferentes, incluindo comprimidos para uma suposta doença do fígado. Entretanto, tudo o que ele tinha era uma gripe.
O Ministério da Saúde ordenou aos hospitais que reduzissem os preços de drogas em 23 ocasiões nos últimos dez anos, mas o Banco Mundial afirma que os hospitais responderam, em parte, encomendando medicamentos alternativos ainda mais caros.
Alguns especialistas temem que a recém-aberta torneira de dinheiro público para seguros saúde provoque ainda mais excessos. De fato, um estudo revela apenas uma pequena redução da parcela média da renda familiar destinada à saúde – ela foi de 8,2% em 2008, contra 8,7% em 2003.
“A proteção ao paciente pode de fato não estar melhorando com os seguros”, afirma Langenbrunner, do Banco Mundial. “Esta é a parte mais assustadora disso tudo”.
Os médicos parecem estar tão insatisfeitos quanto os pacientes. Eles reclamam de que ganham mal, são pouco valorizados e não gozam da confiança dos pacientes. Um dentre cada quatro médicos sofre de depressão, e menos de dois dentre cada três acreditam que os seus pacientes os respeitam, segundo uma pesquisa feita pela Universidade de Pequim em outubro do ano passado.
Em junho, mais de cem médicos e enfermeiras da província de Fujian fizeram uma paralisação depois que o hospital em que trabalham pagou uma indenização de US$ 31 mil (R$ 55 mil) à família de um paciente que morreu. Os médicos ficaram irritados porque, depois que o paciente morreu, os seus parentes fizeram um médico refém, o que provocou uma confusão violenta, com arremesso de garrafas, que deixou cinco funcionários feridos.
Assim como outras cidades chinesas, Shenyang vem procurando reduzir tais episódios, tendo até criado centros de mediação hospitalar. Mesmo assim, a cidade registrou 152 “conflitos graves” entre pacientes e médicos no ano passado.
No Hospital Número Cinco, as lembranças do ataque de janeiro ainda estão frescas. Depois que um médico encaminhou um paciente que estava com temperatura alta para uma “clinica de febre” - uma prática comum na China –, parentes revoltados espancaram o médico e várias enfermeiras com uma vassoura e bastões.
Agora há uma faixa pendurada na varanda do segundo andar do prédio principal do hospital, dizendo: “Todos estão participando da solução do problema de lei e ordem!”.
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