O dinheiro realmente pode comprar o amor na China – ou pelo menos esta parece ser uma crença comum neste país cada vez mais materialista.
Muitas histórias pessoais parecem confirmar que o marido ideal é aquele que pode dar uma casa e um carro, entre outras coisas; o sentimento fica em segundo lugar.
Mas apesar desse espírito mercantilista disseminado, nem todos pensam que é uma coisa boa. Uma série de peças, programas de televisão e filmes chineses tem levantado a pergunta: o que é o amor em uma era de crescimento econômico vertiginoso?
Muitos chineses ficaram chocados neste ano quando uma candidata em um popular programa de namoro na TV, “Se Você Fosse a Pessoa Certa”, anunciou: “Eu prefiro chorar em uma BMW do que sorrir em uma bicicleta”. Mas outros insistiram que a candidata, Ma Nuo, atualmente conhecida como a “mulher BMW”, estava apenas expressando uma realidade social.
A alta dos preços dos imóveis nos últimos anos contribuiu para esses sentimentos, com muitas pessoas em Pequim e em outras cidades aceitando a ideia de que uma mulher buscará o relacionamento com um homem apenas se ele já for dono de um apartamento.
Feng Yuan, 26 anos, que trabalha em uma empresa de educação do governo, tentou unir uma amiga a um homem que ela considerava um bom candidato.
“Quando ela soube que ele não era dono de um apartamento, ela nem mesmo quis conhecê-lo”, lembrou Feng. “Ela disse: ‘Qual o sentido? Sem um apartamento, o amor não é possível’.”
O medo alimenta essa postura. Após três décadas de crescimento rápido e desigual, há uma enorme ansiedade entre aqueles que sentem que estão ficando para trás, carentes de oportunidades e contatos para ganhar muito dinheiro, enquanto à volta deles outros prosperam e os preços sobem.
O novo credo pode ser duro, como um organizador de eventos culturais de 26 anos descobriu.
O homem, que pediu anonimato para proteger sua privacidade, ganha cerca de 4 mil yuans, ou US$ 600, por mês, o que deixa fora de seu alcance até mesmo um apartamento modesto em um bairro deselegante de Pequim. Esses imóveis podem custar cerca de US$ 3 mil por metro quadrado. A inflação imobiliária é severa. Há dez anos, um apartamento semelhante custava aproximadamente US$ 345 por metro quadrado.
Em vez disso, ele tentou impressionar sua namorada por três anos economizando por um ano para comprar um iPhone 3. O iPhone 4 mais novo –um alto símbolo de status– tinha acabado de ser lançado. Mas custando US$ 900, estava além do seu poder aquisitivo.
O telefone não bastou. Na semana passada, ela o deixou, citando a pressão de seus pais para encontrar um companheiro mais rico.
Ele está de coração partido, acreditando que, apesar de tudo, sua namorada realmente o amava. “Por que mais ela ficou comigo por três anos?” –apesar de morarem em um apartamento alugado. Mas ele também é filosófico.
“Eu entendo a situação dela e a pressão de sua família”, ele disse. “Eu também entendo que os pais dela querem que sua filha encontre alguém que possa dar a ela uma vida melhor.”
A única forma de encontrar o amor, ele disse, é ficar rico. “O mais importante para mim agora é trabalhar e ganhar mais”, disse. “Eu preciso ficar mais forte, sustentar a mim e aos meus pais, e então minha futura namorada poderá ter uma boa vida.”
Mas esses cálculos têm seus críticos. A postura durona de Ma, a mulher BMW, lhe rendeu uma leve reprimenda do diretor de cinema Zhang Yimou. Em uma entrevista no “The South China Morning Post”, um jornal de Hong Kong, ele pediu aos jovens que repensem seus valores.
“Eu não acho que o progresso econômico e a busca pelo amor excluem um ao outro”, ele disse.
Zhang, que fará 59 anos no domingo, representa uma geração mais velha que lembra de uma era maoísta mais igualitária, apesar de mais pobre e mais politicamente repressiva, antes das mudanças econômicas que causaram a luta pela promoção material.
Seu mais recente filme, “Under the Hawthorn Tree” (sob o espinheiro branco) descreve o amor inocente entre uma professora Jing Qiu, e um geólogo, Lao San. Situado em 1975, perto do final da Revolução Cultural, e sem nenhuma BMW em vista, o filme mostra a professora passando bastante tempo sorrindo na bicicleta de seu namorado. O amor é o lance, conclui o filme.
Outras produções se juntaram ao debate.
“Fight the Landlord” (combatendo o senhorio), uma peça de Sun Yue, que estreou em Xangai no mês passado, é outra defesa do amor em uma era de materialismo.
Uma personagem conhecida como B, importunada por uma sogra potencial a respeito de sua renda ordinária, grita: “Não pense que por eu não ter nada do que me orgulhar, você pode me insultar e me destruir!”
“Eu tenho minha dignidade e orgulho”, diz B, “e não quero transformar o amor, que prezo tanto, em algo vulgar e pálido!”
Um novo filme, “Color Me Love”, celebra o culto do materialismo, mas também termina meio que do lado do amor. Inspirado em “O Diabo Veste Prada” e commerchandising de produtos da Hermès, Versace e Diesel, ele conta a história da pobre e bela Fei ao chegar a Pequim como estagiária de uma revista de moda.
“Fei, um dia você entenderá”, alerta Zoe, sua editora glamourosa. “Nada é mais importante do que a pessoa com quem você passará o restante de sua vida.”
Um namoro tumultuado com um artista amalucado chamado Yihong acaba com o casal unido em Nova York. A imagem final a mostra nos braços dele, com um diamante no dedo. A verdadeira fantasia, talvez, seja amor com dinheiro.
Feng, que não conseguiu encontrar um par para sua amiga sem apartamento, disse que as exigências que muitas mulheres chinesas fazem aos seus potenciais pretendentes refletem fraqueza, não poder. Inferiores em status, elas temem não conseguir o que querem na vida, e procuram homens que possam propiciar isso a elas.
“As mulheres são muito dependentes”, ela disse. “A culpa é delas. Por que não podem trabalhar duro e comprar uma casa junto com seu homem? Mas muito poucas mulheres pensam assim atualmente.”
Assim como poucos homens chineses, reforçando as regras do jogo. Para o organizador de eventos de 26 anos, perder seu amor para o dinheiro foi justificado.
“Nós não precisávamos perder tempo em um relacionamento que estava condenado ao fracasso”, ele disse
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