Um pequeno objeto do século 12 semelhante a uma coroa mas que poderia ser um bracelete, todo decorado com motivos florais, se destaca numa vitrine com peças de cobre na exposição "Islã: Arte e Civilização" no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB/SP). Essa coroa, contudo, não é nem uma coroa nem um bracelete: é um fragmento de tubulação de água, o que traduz não só o refinamento ornamental da arte islâmica como a meta que tinham os artesãos muçulmanos de atingir a perfeição, mesmo em lugares inacessíveis ao olho. E essa perfeição está por toda a parte na exposição do CCBB, que reúne mais de 300 peças produzidas do século 8 em diante, vindas dos principais museus da Síria e do Irã, além do Líbano e países africanos.
Há de tudo nessa exposição com curadoria do professor Paulo Daniel Farah e Rodolfo de Athayde, de fragmentos originais do palácio Al-Hair Al- Gharbi, na Síria Central, construído no século 8, a peças de mobiliário, passando por objetos de cerâmica, tapetes, roupas, armas, mosaicos, iluminuras, instrumentos musicais e uma sala exclusivamente dedicada à caligrafia, a preferida do curador Daniel Farah, grande tradutor do árabe que prepara para breve um livro sobre arte islâmica dedicado às crianças. Nela se encontra a peça mais antiga da exposição, uma pedra de basalto em que estão inscritos os vários nomes de Deus com um requinte caligráfico que explica por que a arte islâmica incorporou a caligrafia - atividade nobre e sagrada no Islã - aos motivos decorativos de seus objetos cotidianos.
Há na mostra curiosos exemplos de peças que fazem usos da caligrafia associada a motivos geométricos, como uma tigela azul do século 13, reveladora da influência que os chineses tiveram sobre a arte islâmica, especialmente o lustro metálico, a segunda maior inovação, depois da faiança, no período abássida (dinastia de califas árabes que dominou, entre os século 8.º e 13, o território que hoje pertence ao Iraque). O curador Daniel Farah observa que a cor azul foi introduzida no século 12 na fabricação de objetos de cerâmica, antes dominada pela cor verde, a preferida do profeta Maomé, talvez por representar simbolicamente a abundância da natureza, justamente o que os povos do deserto idealizam em terreno tão árido.
A linha curatorial da exposição privilegiou os objetos não pertencentes ao espaço religioso da cultura muçulmana justamente para desfazer um equívoco comum entre os ocidentais, o de que a arte islâmica se resume a motivos geométricos e arabescos, abolindo a figura humana e animais, por serem criações divinas. Há, claro, tapetes de oração, mas também peças de tapeçaria em que abundam pequenos quadrúpedes e espécies vegetais, embora conservando a simetria, forte evidência da inclinação mimética do artesão para imitar a natureza e o Criador. Apesar da censura à representação figurada, expressa particularmente após o 9.º século, não há, segundo o curador Farah, qualquer interdição explícita à representação de seres vivos no Corão.
As iluminuras da mostra provam que a arte islâmica explorou bem a figura humana em livros cuidadosamente manufaturados. Há vários exemplos da função didática dessas iluminuras que ilustram desde a epopeia do Irã (a antiga Pérsia, cuja história remonta a 3200 a.C.) até rituais islâmicos, passando por contos de amores impossíveis como o de Laila e Majnun, o mais popular do mundo islâmico, uma espécie de Romeu e Julieta em que Majnun, poeta com dificuldades de visão, se apaixona e enlouquece quando o pai de Laila impede a união do casal. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Islã: Arte e Civilização - CCBB (Rua Álvares Penteado, 112, centro). Telefone (011) 3113-3651. 10h/20h (fecha 2ª). Até 27/3. Grátis. .
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