Quem observa de longe, pelos noticiários de TV e das agências internacionais, poderia facilmente imaginar que o Irã de hoje é o lar de uma juventude resignada, obediente e sobretudo acuada pelas rígidas leis islâmicas, que proíbem qualquer contato com a cultura ocidental.
Mas logo nas primeiras imagens do documentário "A onda verde", que tem sua estreia em São Paulo como parte da 16ª edição do festival É Tudo Verdade , somos apresentados a um outro Irã: em um estádio de futebol lotado, dezenas de milhares de jovens iranianos vestem lenços, bandeiras e camisetas verdes enquanto ouvem, entre sorrisos e lágrimas nos olhos, o discurso de Mir-Houssein Mossauvi.
Com jeitão de professor universitário e sem o semblante pesado que por anos adornou cartazes de líderes políticos e religiosos no país, Mossauvi era o então candidato às eleições presidenciais de junho de 2009, que propunha profundas reformas e abertura ao país. "A onda verde", como o próprio nome sugere, registra o clima de euforia, esperança e supreendente liberdade política - para um país que já era comandado pela linha-dura de Mahmoud Ahmadinejad - que se espalhou pelas ruas, em especial da capital, Teerã, nas semanas que antecederam a eleição.
Moussavi, como quis a história (ou os líderes religiosos), foi derrotado nas urnas, e a tal onda verde foi engolida por um tsnuami vermelho-sangue que tomou as ruas da capital iraniana para calar a voz dos milhares de descontentes, que voltaram a promover gigantescas manifestações públicas gritando, desta vez, um outro slogan: "Onde está o meu voto?".
Em um Irã onde é impossível portar uma câmera de filmagem profissional sem autorização expressa do governo, o documentário foi produzido a partir de vídeos postados no YouTube, mensagens de Twitter e depoimentos de iranianos exilados colhidos pelo diretor Ali Samadi Ahadi. Os diversos e naturais "buracos" na história são preenchidos com animações em linguagem de quadrinhos que lembram o documentário "Valsa com Bashir".
Mas a juventude iraniana não quer apenas tomar o poder. Em alguns casos, serve o ecstasy. Desafiando as severas punições contra qualquer tipo de droga no país, jovens de Teerã dão a cara no média-metragem "Menos dois", participando de festas clandestinas regadas a pastilhas e bebida alcóolica - tudo, claro, proibido no país. O minidocumentário de Mohammad Ehsani entrega que, por mais resistência que tente oferecer à "contaminação" da cultura ocidental, o Irã tem também seus rappers que imitam os ídolos norte-americanos, garotas que parecem saídas de um "club" de música eletrônica europeu e patricinhas que trocam o véu obrigatório na rua por ousadas minissaias em festinhas caseiras.
"Menos dois" ainda tenta mostrar o outro lado da moeda: o junkie perdido no vício que vira morador de rua e passa a injetar suas doses de heroína em meio à sujeira no céu aberto, e mulheres devastadas pela miséria e demência mental.
O contraponto, no entanto, nem sempre funciona, possivelmente graças ao tempo para lá de limitado (27 minutos) do filme. Mas um de seus maiores méritos é que, diferentemente de "A onda verde", editado e realizado dentro de um protegido estúdio na Alemanha, o média-metragem de Ehsani foi gravado no coração de Teerã, "contravenção" tão arriscada quanto ser pego pela polícia com comprimidos de ecstasy ou uma garrafa de uísque num país islâmico.
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