Nos decrépitos edifícios que abrigam os ministérios afegãos, um gabinete está sempre novo: o do ministro. É também lá que, com frequência, são fechados negócios escusos, a incompetência reina, e o clientelismo é a moeda corrente.
Um gabinete desses serve de cenário para um novo programa de TV, "O Ministério", que parodia o nepotismo, os subornos e a incompetência que são comuns no governo afegão.
O Ministério dos Resíduos de Hechlândia, um país imaginário cujo nome significa "terra do nada", é ocupado por um ministro fraco e por uma equipe simplesmente lamentável.
O programa estreou neste mês na TV Tolo, a maior do país. Ele é, segundo os produtores, um tipo de atração nova na televisão local, um "falso documentário". Seu objetivo é fazer os afegãos sorrirem, não só por ser engraçado mas também por ser familiar, ainda que com certo distanciamento artístico.
"Trabalho no governo afegão há 42 anos, então já enfrentei muitos problemas", disse Ghulam Yahya Monis que interpreta o diretor administrativo do ministério e que, como muitos dos atores, acumula vários empregos para sobreviver. "Os papéis que interpretamos estão muito próximos das experiências das pessoas", disse.
Os personagens são pessoas que a maioria dos afegãos é capaz de reconhecer facilmente: o ministro da coleta de lixo, do tipo "reaja primeiro e pense depois", seu cunhado bajulador e não exatamente brilhante, que é o diretor administrativo, a secretária jovem e bonita, o mordomo que serve o chá, o ambicioso assessor do ministério e seu guarda-costas, chegado num autoelogio, mas não lá muito eficiente.
Nas cenas finais de um episódio gravado recentemente, homens armados invadem o gabinete do ministro e parecem prestes a matá-lo.
Só que os pistoleiros estão enfurecidos não com o ministro, mas com o guarda-costas, primo deles, que os deixou para trás ao ascender a um emprego lucrativo. Então, naturalmente, os homens querem vingança.
O nepotismo é um tema importante em "O Ministério" e é algo bem compreendido por todos os afegãos. A família, quase sempre, fala mais alto do que o mérito.
As pessoas resmungam contra isso, mas raramente se sentem capazes de questionar a prática publicamente, pois contratar um parente é uma forma de lealdade, a qual é respeitada, e ninguém quer ser rejeitado pela própria família. Apesar disso, conforme o país se moderniza, fica cada vez mais claro que ele não pode mais arcar com tais ineficiências.
A corrupção e as fraudes também são assuntos habituais no programa. Abordá-las com humor é parte da pauta política nem tão secreta dos produtores, que querem incentivar o questionamento dos afegãos sobre a forma como o governo funciona.
"O ator é a câmera da sociedade, observando a sociedade com uma lente diferente", disse Farouk Abdul Qadir, 65, que interpreta o ministro. "[O programa] serve para fazer as pessoas sorrirem, mas também para fornecer conhecimentos políticos a elas."
A televisão tem um papel especialmente importante para desempenhar no Afeganistão, já que poucas pessoas sabem ler, segundo Farouk. "Precisamos do cinema e do teatro para ensiná-las", afirmou.
O programa foi criado por Saad Mohseni, presidente do grupo Moby, dono da Tolo, que trabalhou brevemente num ministério antes de o seu conglomerado televisivo decolar, nos primeiros dias depois de o Taleban ser expulso do poder.
Apesar de todo o seu humor, até com um jeito pastelão, o programa tem um lado sombrio, mostrando as dificuldades que os afegãos precisam enfrentar diariamente.
Ainda asim, ele não é nem de longe tão deprimente quanto alguns gabinetes reais do governo evidenciam ser.
Recentemente, na sede de um dos menos importantes ministérios em Cabul, o vice-ministro de 30 anos, cheio de energia para fazer as coisas funcionarem, estava chateado. Às 16h, ele era praticamente a única pessoa no edifício.
"Nós temos mil pessoas que trabalham uma hora por dia", disse ele. "Como podemos fazer planos ou ter uma estratégia?"
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