Ignorando os protestos de cineastas iranianos e ativistas de direitos civis, o Ministério da Cultura do Irã dissolveu formalmente na quarta-feira (11) a Casa de Cinema, a única organização doméstica que apoia o cinema independente, a substituindo por um comitê que não se desviará das diretrizes islâmicas rígidas e dos assuntos políticos permitidos.
A medida do Ministério da Cultura, informou a agência de notícias semioficial “Fars”, parece refletir a tomada quase completa pelos agentes políticos linha-dura de todos os segmentos do governo iraniano, que parece isolado e sitiado em muitas frentes.
Fundada há 20 anos, a Casa de Cinema tem mais de 5.000 membros e cuida de uma série de sindicatos ligados ao cinema no Irã. Ela atua na proteção dos interesses financeiros e direitos criativos deles, de modo que o fim do órgão, se não for revertido, poderá quebrar e silenciar o último canal autônomo remanescente no Irã para expressão artística visual.
A ordem de dissolução coincidiu com um elogio sem precedente para um filme iraniano produzido independentemente, “A Separação”, que tem recebido muitos prêmios e é um favorito na entrega do Globo de Ouro neste fim de semana em Los Angeles. Há comentários de que o filme, que descreve o fim de um casamento, também será um favorito no Oscar.
A ordem formal do Ministério da Cultura ocorre uma semana após o primeiro anúncio do fechamento da Casa de Cinema, que despontou como um farol discreto de apoio ao movimento Verde de oposição e a outras vozes políticas desde a contestada eleição presidencial de 2009 e da repressão aos opositores do governo. A decisão, baseada na visão do ministério de que a Casa de Cinema tinha uma licença inválida para funcionar, foi adiada devido a uma audiência do Ministério da Justiça, marcada para quarta-feira.
Mas, em um desdobramento inusitado, consultores legais do ministro da Cultura, Mohammad Hosseini, decidiram na terça-feira (10) que não havia necessidade para uma audiência. Como eles concluíram que a licença da Casa de Cinema era inválida, argumentaram os consultores, não havia base legal para discussão em uma audiência.
Portanto, disse a “Fars” ao anunciar a decisão final, “o Ministério da Cultura emitiu uma ordem para dissolução da Casa de Cinema, que agora será executada”.
Houve uma confusão inicial na terça-feira, quando alguns defensores da Casa de Cinema acharam que a audiência tinha sido cancelada porque o Ministério da Cultura tinha retirado sua queixa. Mas, quando a dura realidade ficou clara, eles reagiram furiosamente.
Shirin Ebadi, uma ativista dos direitos da mulher e premiada com o Nobel que atualmente vive no exílio, escreveu em uma carta aberta à Organização das Nações Unidas que o fechamento deveria ser adicionado à lista das violações de direitos humanos do Irã, atualmente sob investigação.
“Instituições civis e profissionais são as ferramentas da democracia”, ela escreveu na carta, divulgada pela “Radio Zamaneh”, uma emissora e site de oposição. Particularmente desde a eleição de 2009, ela escreveu, “várias organizações profissionais e cívicas de jornalistas, escritores, estudantes, trabalhadores e motoristas de ônibus foram fechadas, e o exemplo mais recente é a Casa de Cinema”.
Todos os membros da Casa de Cinema, ela escreveu, “condenam a decisão de fechamento pelo governo”.
Hadi Ghaemi, o diretor executivo da Campanha Internacional pelos Direitos Humanos no Irã, um grupo de defesa em Nova York, disse que a decisão do Ministério da Cultura mostra que “o governo iraniano persegue sistematicamente as associações independentes cujo trabalho não necessariamente segue a narrativa do Estado”.
O diretor administrativo da Casa de Cinema, Mohammed-Mehdi Asgarpur, argumentou que o único modo dela ser fechada seria por ordem judicial, e não ficou claro na quarta-feira como, ou se, o comitê administrativo da Casa de Cinema buscaria uma ação legal.
Os membros do comitê ameaçaram boicotar o anual Festival Internacional de Cinema de Fajr, o evento cinematográfico mais importante do Irã, programado para ocorrer daqui poucas semanas. A Casa de Cinema realizava seu próprio festival, a Celebração do Cinema do Irã, todo mês de setembro.
No festival Fajr do ano passado, onde “A Separação”, do roteirista e diretor Asghar Farhadi, foi exibido pela primeira vez, ele conquistou os principais prêmios, e posteriormente conquistou quase três dúzias de outros. Apesar de oferecer um retrato duro da vida arruinada de uma família iraniana, ele não é um filme político. Em uma entrevista para o “New York Times” em dezembro, enquanto viajava pela América do Norte com seu filme, Farhadi o chamou de uma história não sobre o Irã, mas sim sobre “as dificuldades de relacionamento entre as pessoas”.
Farhadi já lidou com a censura. As autoridades iranianas suspenderam a produção do filme em 2010, depois que ele expressou apoio público aos cineastas iranianos presos e exilados. Ele foi autorizado a retomar o trabalho apenas depois de pedir desculpas, dizendo que seus comentários foram mal interpretados.
Ao ser perguntado sobre suas esperanças em relação a esses colegas em uma entrevista publicada no mês passado pela “Filmmaker Magazine”, ele disse: “Eu ainda desejo que todo cineasta possa fazer o filme que deseja, livremente”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário