Quando ele chegou ao poder, todos esperavam que o país fosse ser reconstruído. Hamid Karzai, no entanto, os decepcionou profundamente. Agora que as tropas combatentes estrangeiras se preparam para deixar o Afeganistão, conseguirá ele se mostrar mais construtor do que estrategista?
Hamid Karzai governa o Afeganistão há dez anos. Depois da ilusão inicial, seus mandatos presidenciais foram marcados pela volta à guerra e pelas promessas não mantidas da "reconstrução". Agora que as tropas estrangeiras se preparam para deixar o país, ele precisa conduzir uma transição extremamente arriscada.
Qual o balanço de sua administração? Hamid Karzai assumiu o governo em Cabul, no dia 13 de junho de 2002, em uma Loya Jirga (assembleia tradicional) convocada para instaurar as instituições provisórias do Afeganistão pós-taleban. Oito meses antes, o regime taleban havia sido derrubado por uma intervenção americana precipitada pelos atentados do 11 de setembro. Era o momento de "reconstruir" o país. Após um período de intensa expectativa, a de ver o Afeganistão finalmente se livrar dos demônios da guerra e do obscurantismo, o desencantamento não demorou a tomar conta de uma população que se sentiu enganada pelas promessas não cumpridas.
Ao longo dos anos, Karzai, eleito presidente da República por voto direto em 2004, depois reeleito em 2009, viu sua popularidade cair, tanto junto a seus compatriotas quanto entre seus aliados ocidentais. Sua incapacidade de impor um Estado eficiente e respeitado enquanto o movimento taleban ressurgia das cinzas, capitalizando a desilusão popular, prejudicou gravemente seus resultados.
O principal erro de Hamid Karzai, aquele que explica o ressurgimento dos talebans, foi ter permitido a volta dos "senhores da guerra" nos distritos do interior do país já nos anos 2002 e 2003.
Esses chefes delinquentes, ex-mujahidins da resistência anticomunista que passaram a fazer saques e extorsões, eram odiados pela população. Foi lutando contra eles que os talebans, inicialmente uma milícia puritana, conquistaram o poder em Cabul em 1996. O fato de a derrota dos talebans, no final de 2001, ter sido seguida da volta desses "senhores da guerra" foi mal entendido e muito mal aceito pela população.
O segundo erro grosseiro de Karzai foi ter deixado prosperar uma corrupção em massa dentro de seu círculo. Fortunas imensas foram construídas a partir da apropriação das doações internacionais, das quais os afegãos só receberam migalhas.
Por fim, o terceiro ponto fraco: o presidente afegão é mais um governador tático do que um construtor estrategista. Ele passou a maior parte de seu mandato consolidando sua base com alianças entre clãs em vez de dar uma direção clara para seu país. Essa obsessão pela sobrevivência o levou, a partir de 2009, data de sua polêmica reeleição, a endurecer o tom em relação a seus aliados em Washington com a intenção de virar a seu favor a irritação nacionalista da opinião pública em relação ao Ocidente. Apesar de todos seus erros, Karzai autorizou o florescimento, nas grandes cidades e, sobretudo, em Cabul, de um embrião de sociedade civil aberta para o mundo. Entretanto, a base desse microcosmo "liberal" era frágil.
Qual é a situação militar do país às vésperas da retirada das tropas estrangeiras combatentes? A insurreição dos talebans se expandiu a partir de 2005 e 2006, sobretudo no sul pashtun. Ela teve dois trunfos: o desencantamento de parte da população com o regime Karzai e os santuários de combatentes montados ao longo da faixa fronteiriça paquistanesa, tolerados pelo exército de Islamabad.
Diante da piora na situação da segurança, no final de 2009, Barack Obama decidiu por um "surge" (reforço das tropas), elevando o efetivo dos soldados americanos para 100 mil e os da Otan para 150 mil. Esse surto de Washington e de seus aliados visava retomar o controle das regiões nas mãos dos talebans ao mesmo tempo em que buscava consolidar esses ganhos com os métodos da "contrainsurreição", abordagem militar-civil centrada na população das aldeias que deviam ser "protegidas". Grandes ofensivas lançadas em 2010 e 2011 de fato resultaram no enfraquecimento do domínio dos rebeldes no sul pashtun.
Mas logo surgiram duas dificuldades. A primeira foi uma nova mobilização da insurreição, que se deslocou para o leste, onde ganhou em intensidade, chegando a fazer avanços no norte, de maioria não pashtun. A segunda dificuldade era a do tempo. A "contrainsurreição" é uma estratégia de longo prazo. Só que esse "tempo militar" entrou em colisão com o "tempo político" quando, no verão de 2011, Obama anunciou um cronograma de retirada das tropas combatentes que terminaria no final de 2014. A grande questão é saber se o exército e a polícia afegãos, aos quais a Otan vem transferindo gradualmente a segurança do país, terão condições de proteger o regime de Cabul depois que todas as tropas estrangeiras combatentes tiverem saído.
Quais são as questões regionais da guerra afegã? A crise do Afeganistão se alimenta de dois arcos de crise sobrepostos. O primeiro é o conflito étnico interno no país. Senhores históricos do Afeganistão, os pashtuns passaram a ver sua hegemonia sendo contestada há cerca de vinte anos, com a ascensão das etnias minoritárias (tadjiques, hazaras xiitas, uzbeques...). O segundo arco de crise é regional. Ele se articula em torno de uma dupla rivalidade. Em primeiro lugar, o conflito histórico entre o Paquistão e a Índia.
Os paquistaneses sempre temeram a consolidação de um eixo Cabul-Nova Déli, o qual alimenta entre os estrategistas de Islamabad a paranoia de um "cerco" a seu país pelo leste e pelo oeste. Para frustrar essa possibilidade, o Paquistão buscou instalar no poder em Cabul uma força pashtun (os paquistaneses conhecem intimamente os pashtuns, que vivem em ambos os lados da fronteira), cuja missão seria preservar os interesses estratégicos de Islamabad, sobretudo em relação à rival Índia. Assim se explica o apoio paquistanês aos talebans, que recrutam principalmente entre os pashtuns. A Índia respondeu estabelecendo relações privilegiadas com as etnias não pashtuns do norte do Afeganistão.
A esse conflito indo-paquistanês se somou a tensão entre os Estados Unidos e o Irã, o vizinho a oeste do Afeganistão. Embora o Irã xiita fosse inicialmente hostil aos talebans quando estes últimos governavam Cabul (1996-2001) – em razão de seu sunismo sectário antixiita - , a relação se pacificou nos últimos anos. Hoje, a principal preocupação de Teerã é mais a presença militar americana no Afeganistão, um perigo em potencial caso ecloda um conflito com Washington em torno do programa nuclear iraniano. Consequentemente, os iranianos têm apoiado grupos insurgentes nas províncias no oeste do Afeganistão, jogando um novo combustível ao incêndio afegão.
De quê vive o Afeganistão? Principalmente das doações internacionais e da produção de ópio (e secundariamente sua transformação em heroína). Desde 2001, a ajuda internacional puramente civil tem sido de US$ 2,5 bilhões por ano em média, mas os gastos militares (somente dos americanos) foram dez vezes maiores, alimentando parte de toda uma cadeia de militares e civis terceirizados, tanto estrangeiros quanto locais.
Quanto ao setor do ópio, ele representa cerca de um quarto do PIB geral e sustenta em torno de 2,3 milhões de pessoas (ou seja, quase 10% da população). O Afeganistão continua a produzir quase 90% do ópio mundial apesar de todas as campanhas de erradicação conduzidas em dez anos por incentivo dos ocidentais.
A grande questão que surgirá para o Estado afegão após a retirada das tropas estrangeiras em 2014 é a da sobrevivência financeira. Karzai pede por uma ajuda externa de aproximadamente US$ 4,1 bilhões ao ano (civil e militar), sendo que pelo menos metade poderia ser fornecida pelos americanos. Mas isso não bastará para tapar os buracos. O governo afegão também tem se esforçado para acelerar a exploração de seus recursos locais, particularmente suas riquezas minerais (cobre, ferro, cobalto, cromita, lítio...), consideradas abundantes. Seu potencial está avaliado em US$ 1 trilhão a US$ 3 trilhões. O Ministério de Minas já concedeu a mina de cobre de Aynak (Logar) a uma companhia chinesa e a mina de ferro de Hajigak (Bamiyan) a um consórcio indiano. Mas será preciso tempo até que essas instalações entrem em funcionamento, em razão do clima de insegurança e da falta de infraestrutura. Só que o tempo está acabando...
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