domingo, 15 de julho de 2012

Junto com sua família, José Falcón correu com todas as suas forças, 50 anos atrás, até o porta-aviões La Fayette, atracado em Orã. Queria pôr a salvo, em seu camarote, sua mulher Hélène e seus três filhos. O barco de guerra estava cheio até a bandeira com refugiados como ele e centenas de "harkis", os mercenários argelinos que lutaram junto com o exército francês na guerra da independência da Argélia. "Os mouros cortavam as cabeças dos europeus, era preciso escapar", lembra Falcón, hoje com 96 anos, natural de Barcelona, em seu modesto sobrado geminado em Toulouse (França). Deixava para trás 23 anos de exílio na Argélia francesa. Falcón foi aviador republicano, o que travou o último combate aéreo nos céus da Catalunha em fevereiro de 1939, derrubando um Messerschmitt alemão. Cruzou os Pirineus, passou algumas semanas nos acampamentos de concentração no sul da França e emigrou para Orã, aonde havia sido convidado por seu tio. Nesse dia, 5 de julho de 1962, seria proclamada a independência da Argélia, mas horas antes os disparos no transcurso de uma manifestação de alegria de argelinos na Praça de Armas de Orã, a segunda cidade do país, provocaram primeiro o pânico e depois uma matança de europeus cometida pelo Exército de Libertação Nacional, a resistência armada argelina, e civis espontâneos providos de armas brancas. Dispararam contra os terraços dos cafés, contra os automobilistas; houve execuções sumárias, sequestros, enforcamentos e mutilações em plena rua, até que, com horas de demora, o general francês Katz ordenou a seus 18 mil soldados que interviessem. O balanço de vítimas varia, segundo as fontes, de 400 a 3 mil mortos e desaparecidos em três horas. Embora muitos tenham fugido de Orã nas semanas anteriores, ainda restavam na cidade mais de 100 mil europeus. "Pessoas aterrorizadas corriam por toda parte, gritavam para que eu me escondesse em algum portal, em algum lugar", lembra Sylvie Ambros, oranesa de 85 anos. Ela estava havia dias recolhida no hotel Univers, que seu pai dirigia no centro de Orã, mas havia se arriscado a sair à rua para comprar comida para seu bebê. "Pensei que o local, em vez de ser um refúgio, poderia se transformar em uma ratoeira e decidi voltar ao hotel", prossegue. "Nele se hospedavam militares franceses que me inspiravam segurança", acrescenta. Quatro semanas depois, Sylvie Ambros também se dirigiu ao porto com sua filha e seus pais para embarcar, "graças a um amigo, porque havia briga para subir a bordo", mas não escolheu o mesmo destino que José Falcón. Zarparam rumo a Alicante, Espanha, a 290 quilômetros de Orã. Regressava à terra de seus antepassados porque, embora tivessem adquirido a nacionalidade francesa, os Ambros eram de origem valenciana. Hoje reside junto com sua irmã em pleno centro de Alicante, que segundo Sylvie "tem muito em comum com Orã, embora seja mais seco e um pouco mais quente". Para José Falcón, a independência da Argélia representou um segundo e doloroso exílio. Para Sylvie Abros, a volta ao país de seus ancestrais, embora perdendo boa parte de seu patrimônio. Para a Espanha, a descolonização da Argélia teve consequências migratórias e políticas porque boa parte dos 1,2 milhão de europeus que ali residiam eram espanhóis ou de origem espanhola. Em Orã, eram inclusive a maioria (65%), e a rua falava espanhol, e em Argel eram hegemônicos no populoso bairro de Bab el Oued. Desde que a França iniciou a conquista da Argélia, em 1830, valencianos, murcianos e almerienses começaram a se expatriar em busca de trabalho e não demoravam a obter a nacionalidade francesa que Paris lhes concedia para aumentar o peso demográfico dos europeus diante da maioria de muçulmanos argelinos. A última grande onda de imigrantes espanhóis chegou coincidindo com o final da Guerra Civil, quando o carvoeiro Stanbrook zarpou de Alicante, em 28 de março de 1939, lotado com 2.638 passageiros. Enquanto isso, os últimos aviões da república voavam para o oeste da Argélia. No total, mais de 7 mil espanhóis se exilaram na colônia ao acabar a disputa. Nem sempre a adaptação foi fácil.
"Tive um choque ao ver os mouros preparando chá no barco que me transportou de Marselha a Orã" no verão de 1939, lembra José Falcón, que tinha ouvido falar nas matanças cometidas pelos soldados do Rif a soldo de Franco durante a Guerra Civil. "Esperava ver ali a savana africana e seus leões, mas aquilo se parecia mais com a rua de Pelayo em Barcelona", acrescenta. Seu último golpe emocional foi proporcionado, 25 anos depois, pela gendarmeria, quando, ao instalar-se na França, tirou a função de mecânico do corpo. "Ocupar esse lugar representava trabalhar para aqueles que custodiaram os campos nos quais estive com meus companheiros no sul da França", explica Falcón. Ele superou suas hesitações e guarda uma grata recordação de seu último emprego. "Eu me impressionava com os fantasmas das ruas de Argel", lembra Antonio Asensio, 73, referindo-se às mulheres vestidas com longas túnicas brancas que lhes cobriam a cabeça e só deixavam o rosto descoberto. Quando tinha 11 anos, Asensio voou de Valência para Argel para se reunir com seu pai ali exilado. "A bordo, os passageiros se despediram de sua terra cantando El Emigrante", afirma. Os exilados republicanos se transferiram em 1962 para a metrópole, mas dezenas de milhares de "pieds-noirs" (franceses nascidos na Argélia), e espanhóis que tinham adquirido a nacionalidade francesa e outros emigrantes valencianos que ainda não a tinham embarcaram em lanchas, cargueiros, barcos de recreio e até em veleiros rumo a Santa Pola, Jávea, Águilas, Cartagena e, sobretudo, Alicante. "Dois mil e duzentos espanhóis chegaram de Orã", era a manchete de 1º de julho de 1962 no jornal "Información" de Alicante. A véspera foi o dia do maior desembarque, mas entre abril e agosto de 1962 chegaram ao sudeste da península 50 mil imigrantes procedentes da Argélia, 70% a Alicante, segundo o jornalista francês Leo Palacio, autor de um livro sobre os "pieds-noirs". Dessa enxurrada, a imprensa espanhola quase não falou. É verdade que para alguns a Espanha só foi um país de passagem. Em junho, quando o gotejar de pesqueiros abarrotados de franceses se acentuou, o prefeito falangista de Alicante, Agatángelo Soler, chamou o ministro das Relações Exteriores, Fernando Castiella. Pediu-lhe que a Espanha facilitasse a saída dos milhares de espanhóis que se amontoavam no porto de Orã. Ele o fez esperar 20 minutos e anunciou "que saíam para a Argélia dois transbordadores escoltados por barcos de guerra para trazer aquela gente", declarou o prefeito ao "Información". A ordem foi dada pelo próprio general Franco, mas outro general, Charles de Gaulle, demorou três dias para autorizar a atracação do Virgen de África e do Victoria em Orã. Quando os navios voltaram à Espanha, seus passageiros desembarcaram dando vivas a Franco. Não demorariam a ter ainda mais motivos de agradecimento ao ditador. As autoridades os documentaram e ajudaram a encontrar alojamento; a Cruz Vermelha atendeu os doentes e a imprensa local publicou seus nomes para ajudar as famílias separadas a se encontrar. Muitos haviam chegado com a roupa do corpo a Alicante e "os bancos lhes concederam facilidades de crédito das quais os espanhóis nunca se beneficiaram", afirma Leo Palacio. Com esses créditos abriram supermercados, bares, restaurantes, discotecas, lavanderias, joalherias, pastelarias, etc. Vinte por cento dos locais de lazer de Alicante "estão nas mãos de nossos compatriotas", estimava em 1970 o cônsul da França na cidade, Petiot de Laluisant, em um relatório dirigido a seu embaixador em Madri. Robert Tabarot, que foi a figura mais célebre do exílio francês no Levante, inaugurou então uma pizzaria em Benidorm. A prefeitura lhe concedeu uma autorização excepcional para que permanecesse aberta até as 6 da manhã, "enquanto todos os seus concorrentes espanhóis deviam fechar muito antes", prossegue Palacio. Três anos antes, o carvoeiro Stanbrook havia permanecido 72 horas diante do porto de Orã, apesar da superlotação de seus passageiros republicanos e a escassez de víveres para alimentá-los. Quando finalmente desembarcaram, as mulheres e crianças foram transferidas para uma prisão que seria desmantelada e muitos homens válidos foram enviados à força para construir a ferrovia transaariana. O contraste entre a recepção que a Espanha deu aos imigrantes da Argélia e da França e aos exilados republicanos é perturbador. Por algum motivo "Le Courier du Soleil", semanário fundado pelos franceses em Alicante, descrevia Franco como o "Moisés dos tempos modernos" e traduzia para o francês os editoriais de "Arriba", o órgão do Movimento Nacional, esse partido único que o próprio ditador encabeçava. O fervor franquista dos "pieds-noirs" os levou a fazer campanha pelo sim no referendo de dezembro de 1966, que representou uma atualização do regime de Franco. Caravanas de carros com cartazes pregados ao capô nos quais se podia ler "Sim", ou manifestantes portando rótulos que elogiavam Franco percorreram as ruas de Alicante. Agatángelo Soler, o prefeito, contava que um punhado de migrantes procedentes da Argélia foi à prefeitura "rasgar seus passaportes" franceses. Eram os mais radicais, aqueles que renegavam uma pátria que os havia traído ao conceder a independência à terra em que haviam nascido. Boa parte dos chefes da Organização do Exército Secreto (OAS na sigla em francês), que deixou 2.200 mortos em sua luta contra a independência, acabou em Alicante ou pelo menos passou por lá. "Aqui estavam fora do alcance da justiça francesa e nenhum deles foi extraditado pelas autoridades espanholas", salienta Juan David Sempere Souvannavong, professor da Universidade de Alicante que pesquisou a fundo o exílio dos "pieds-noirs" na Espanha. "No princípio devia ir diariamente assinar na delegacia de El Campello (Alicante)", indica François Andugar, 75, filho de pais espanhóis emigrantes a Argel, ex-páraquedista francês e depois agente da OAS com diversos golpes em seu histórico. "Ao pessoal da OAS a polícia espanhola não perdia de vista", acrescenta. Mesmo assim, ele e cerca de 500 homens de ação da OAS se reagruparam no final de 1962 em Vallfogona (Lleida), em um campo de treinamento. "Pretendíamos atacar bancos porque a prioridade era obter fundos para reconstituir a organização na França e algum dia atentar contra De Gaulle", prossegue. O projeto fracassou. Andugar confirma assim um rumor, captado então pela imprensa francesa, sobre a existência da Espanha de campos da OAS, mas sem dar provas. "Houve outro recinto de treinamento efêmero perto de Vistahermosa", junto de Alicante, revela Jean Leonard Decouty, 81, outro membro da OAS, mas que nunca esteve na Argélia. "Lutei da metrópole", explica, e para livrar-se da justiça fugiu para Alicante, onde abriu um restaurante. Decouty evoca com nostalgia a passagem por Alicante dos líderes da OAS como Joseph Ortiz ou Pierre Lagaillarde, ex-deputado de Argel, que conseguiu um emprego no colégio francês que os "pieds-noirs" abriram em 1962, depois de fazer uma coleta. A mulher de Lagaillarde dava aulas de física. "Que dúvida cabe que no princípio o colégio tinha um cheiro de OAS", reconhece Manuel García, 77, filho de imigrantes alicantinos em Argel, que foi diretor do estabelecimento nos anos 1980. "O Ministério da Educação [francês] o observava com receio" e depois de sua fundação demorou uma década para lhe dar seu reconhecimento. Para aqueles capitais da OAS, a Espanha não era uma terra estranha. Sua organização foi fundada em Madri, no hotel Princesa, em dezembro de 1960, pelo general Raoul Salan ajudado por Ramón Serrano Suñer, o cunhado de Franco. A marca da OAS ainda persiste, meio século depois, entre a colônia francesa em Alicante. O candidato da Frente Nacional nas legislativas francesas de junho para a circunscrição da península ibérica foi um "pied-noir", Alain Lavarde, 66, filho de um agente daquele exército secreto que tantos atentados cometeu. Está orgulhoso de seu resultado: "Obtive 22,8% dos votos em Alicante, porcentagem que é o triplo da minha média na Espanha".

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