Quando Wang Shu -o primeiro arquiteto chinês a ter recebido o prêmio Pritzker- chega a seu estúdio aqui em Hangzhou, ele geralmente lê poesia do século 7 e, então, começa a escrever caligrafia. O ritual, diz ele, infunde calma no dia que ele terá pela frente.
A arte antiga não é a única coisa que diferencia Wang e seu trabalho da arquitetura comercial chamativa, de mármore e vidro, que domina o boom urbano chinês. Suas construções ousadas, mas refinadas, que frequentemente recordam a natureza, fundem o chinês antigo e linguagens modernas, fazendo uso de materiais pouco caros como tijolos e telhas reciclados. Não há um Macintosh em seu estúdio, o Estúdio de Arquitetura Amadora. Alguns terminais empoeirados dos anos 1990 se espalham por mesas recobertas de jornais.
Em fevereiro deste ano, quando concedeu o Prêmio Pritzker de Arquitetura a Wang, 48, o júri do prêmio chamou a atenção para um arquiteto que discorda profundamente da corrida da China para a urbanização e que encontrou uma maneira de criticá-la através de seu próprio trabalho. Wang, que cresceu na província de Xinjiang, no extremo oeste da China, é um outsider em Hangzhou, onde até agora projetou apenas um edifício residencial. Seus museus, academias, residências e um jardim de telhas antigas são todos inspirados na velha China. Mas o vice-primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, mestre da economia que produziu as cidades que Wang rejeita, abraçou o arquiteto na cerimônia de premiação do Pritzker, em Pequim, em maio.
O que desagrada a Wang é a corrida para emular o Ocidente e a insistência em rejeitar tudo que torna a China tão singular.
Queremos copiar Manhattan", disse ele durante um almoço. "Eu adoro Manhattan. É um lugar muito interessante. Mas, se você quer copiar algo que foi realizado em 200 anos, é muito difícil. Nova York não foi desenhada por arquitetos, foi desenhada pelo tempo."
Parte da crítica que ele faz é movida pelo reconhecimento de que um núcleo de funcionários governamentais e investidores ganharam quantias enormes de dinheiro demolindo moradias antigas e estradas dilapidadas para erguer em seu lugar rodovias, aeroportos, estações ferroviárias e conjuntos habitacionais. "Sessenta por cento da receita governamental vem não de impostos normais, mas da venda de terrenos", disse. Para alguns, a receita obtida com a venda de terrenos seria ainda maior.
Um dos projetos mais recentes de Wang envolve persuadir um secretário do Partido Comunista em um vilarejo perto de Hangzhou a não demolir casas, mas renová-las, usando as telhas e os tijolos originais. "As pessoas enxergam escolhas em preto e branco", disse. "Na realidade, porém, temos um potencial grande; podemos fazer coisas muito simples e ter uma vida moderna e confortável."
Para Mohsen Mostafavi, diretor da Escola de Graduação em Design de Harvard, "podemos encarar o trabalho de Wang Shu como o novo vernáculo. Na realidade, ele está profundamente enraizado no modernismo. Seu trabalho não é uma simples réplica da arquitetura chinesa ou da arquitetura ocidental. É uma fusão de sensibilidades distintas."
As obras de Wang abrangem um misto eclético de museus, universidades e espaços residenciais. O júri do Pritzker mencionou o Museu de História de Ningbo por "sua força, seu pragmatismo e suas emoções, tudo em um". Visto de longe, o museu parece uma massa grande; visto de perto, as telhas recicladas de cerâmica e os tijolos antigos em tons de cinza, laranja e azul lhe conferem um ar terroso.
Wang não faz parte da nova vertente nacionalista. Ele e sua mulher, a também arquiteta Lu Wenyu, gostam de levar seu filho de 11 anos para o exterior. Os dois lecionam na Escola de Graduação em Design de Harvard.
O júri do Pritzker chegou a cogitar lhes dar o prêmio conjuntamente. "Lu Wenyu é mais responsável pela implementação", disse Wang. Ele é a personalidade séria, ela é mais extrovertida.
Uma das obras que mais impressionaram os jurados do Pritzker foi o novo campus da Academia Chinesa de Arte, em Xiangshan. Seus seis prédios são dominados por paredes brancas que lembram as casas chinesas tradicionais retratadas em aquarelas antigas.
Wang reconheceu que os acabamentos não são perfeitos. As grades de bambu terão que ser trocadas dentro de cinco a sete anos. "É sustentável", disse. "É tudo muito fácil de repor."
Em seu discurso quando recebeu o prêmio, Wang enfrentou o establishment fazendo perguntas -um ato raro e ousado. Seria possível garantir que, ao lado "do sistema profissional, da arquitetura moderna, também fosse protegido o direito das pessoas comuns de iniciar suas próprias atividades de construção"? Existem "maneiras mais inteligentes de fazer frente aos desafios ambientais e ecológicos"?
ON-LINE: WANG SHU
Mais fotos do arquiteto e sua obra: nytimes.com/design. Busque por "Pritzker" e "China"
Nenhum comentário:
Postar um comentário