Enquanto as integrantes da banda Pussy Riot eram condenadas à prisão na Rússia, em agosto, por protestos contra o governo, seus vizinhos chineses se mostravam bem mais comportados no 9º Festival Punk de Pequim.
O evento reuniu 20 bandas durante dois dias na tradicional casa de espetáculos Mao Live House, que, sinal dos tempos, brinca com o nome do Grande Timoneiro. Reduto do circuito alternativo, o lugar abriga com conforto centenas de fãs numa fábrica desativada.
Apesar de a China viver um regime autoritário, o movimento punk local, surgido nos anos 1990, não protagonizou nenhum maior enfrentamento com o Estado -algo bem diferente do que se vê entre escritores, artistas e outros com potencial dissidente.
No palco, bandas mais políticas, como Trash Cat, professam uma raiva difusa, no estilo "tô nem aí", evidente em canções como "Fuck V.I.P." e "Shit Country". "Não temos liberdade de expressão", disse o vocalista da Anarchy Jerks, Shen Yue, numa entrevista. "Nossa forma de contestar é não ligar e fazer só o que gostamos de fazer."
Pouco combativo na política, o punk local parece também imune à xenofobia, comum em alguns subgêneros e tristemente em voga na China. Um dos destaques do festival foi a japonesa The Erections, que se apresentou tranquilamente no mesmo final de semana em que milhares de chineses protestavam contra o Japão devido a uma disputa por ilhas no Pacífico.
Dotado de aguçado senso histórico, Li Zhensheng, 72, arriscou a vida escondendo sob o assoalho de sua casa negativos de fotos que tirou durante a ultraviolenta Revolução Cultural (1966-76) para o jornal local de Harbin, cidade gelada próxima da fronteira com a Rússia.
"Nós, fotojornalistas, tínhamos um ditado na época: há dois tipos de fotos, as 'úteis' e as 'inúteis', contou Li ao "New York Times". As úteis, publicáveis, mostravam principalmente multidões "com os punhos para o ar e bocas abertas". As inúteis, com execuções e castigos físicos contra o povo, foram salvas da destruição por Li.
Ele começou a exibir suas fotos em 1988, mas a coleção continua proibida na China. No exterior, tem aparecido em livro ("Red-Color News Soldier"), exposições (há uma na galeria londrina Barbican) e na internet (nyti.ms/SCoIzr).
A censura chinesa tem sido intransigente com a realidade retratada por Li, mas tolera a ficção.
Há bons filmes sobre aqueles anos, do épico "Adeus, Minha Concubina" a produções mais recentes, como "11 Flores". Até na estatal CCTV há telenovelas ambientadas no período.
O escritor Yu Hua talvez seja quem melhor resume essa ambivalência. Seu romance histórico "Irmãos", publicado no Brasil pela Companhia das Letras, foi um best-seller na China. Já o recente livro de memórias "China in Ten Words" (China em dez palavras) foi censurado no país. Ambos retratam a Revolução Cultural criticamente -o que muda é o gênero.
Para explicar as duas medidas, Yu lembra a criação do 35 de Maio na internet chinesa como referência oblíqua ao 4 de junho de 1989, data em que soldados massacraram estudantes na praça da Paz Celestial. "'Irmãos' é o 35 de Maio, diz. "E 'China in Ten Words' é mais como o 4 de Junho."
"O Filho Eterno" (Record), de Cristovão Tezza, já publicado em seis países, terá edição em mandarim. A tradução fica pronta em 2013. Sai pela importante editora estatal Literatura Popular.
Antes, em novembro, Tezza visita Pequim a convite do Itamaraty, para participar de atividades com estudantes chineses de português. De lá, segue para Tóquio.
Nas prateleiras chinesas, Tezza terá a companhia de uma lista eclética de brasileiros disponíveis em mandarim, segundo levantamento do jornalista Jayme Martins, que viveu na China entre as décadas de 1960 e 1980.
Com cerca de 30 títulos, a biblioteca vai de Euclides da Cunha a Paulo Coelho, sendo o comunista Jorge Amado o mais traduzido. O livro de maior sucesso foi "Escrava Isaura", de Bernardo Guimarães, na esteira da novela com Lucélia Santos. Só uma edição do romance, publicado no Brasil em 1875, vendeu cerca de 300 mil cópias.
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