segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A prioridade dada pelas autoridades de Pequim às novas tecnologias e ao crescimento das marcas locais está as levando a acentuar o combate ao "shanzhai", a cultura da falsificação que tanto assusta as indústrias ocidentais. Como aconteceu anteriormente com seus vizinhos, os tigres asiáticos, é o fim da imitação que se anuncia. Na torre ainda metade vazia de uma zona industrial de Shenzhen, no sudeste da China, os escritórios da Visture não têm nada de Vale do Silício. As janelas dão para as gruas do porto comercial. Estamos bem longe de Cupertino e da sede da Apple. Tampouco se aproximam dos 70 mil funcionários da empresa da maçã em todo o mundo. A Visture emprega seis engenheiros e dez gerentes de vendas. Mas aqui também se fazem tablets, em um cenário mais sóbrio e em condições modestas. A Visture é o exemplo típico dessas empresas que copiam descaradamente as grandes marcas. Na China, isso se encontra todos os setores, desde o telefone mais moderno até o whisky. Recentemente, a Visture percebeu que alguma hora ela precisará se tornar uma marca para durar. Seus tablets lembram muito os da Apple, mas o grupo está tentando firmar seu próprio nome e valorizar as características técnicas de seus produtos, que agora não ficariam nada a dever aos concorrentes mais respeitáveis. A Visture nem tem o mesmo cliente-alvo, que seria mais o consumidor emergente, aquele que ainda só entra na loja da Apple para olhar. A sociedade de consumo também alimenta nele seus desejos. Só falta oferecer um produto que corresponda à sua renda. "Os menos ricos também querem gastar. Quando Steve Jobs morreu, eles ouviram falar em tablets o tempo todo na televisão, e foi ali que decidiram que também precisavam de um", se justifica Lencho Lee, um dos jovens gerentes da empresa. Com esse sonho por produtos que permanecem inacessíveis para a maioria, o risco era deixar que outros preenchessem esse vazio, fazendo cópias. O alvo da Visture são os chineses de renda intermediária. Em comparação com o resto do país, eles não são nem ricos, nem pobres: "O operário migrante não pode comprar nosso tablet, é metade de sua renda mensal", garante Lencho Lee. Eles são funcionários de escritório ou estudantes. A linha da Apple está sempre fora de alcance para esse nível de salário, mas por que não se o preço for menos da metade? É o que a Visture vem fazendo, com um produto que não deve ultrapassar os US$ 200 (cerca de R$400). Os custos de pesquisa e de desenvolvimento são mínimos. Enquanto a Samsung e sua grande concorrente brigam para determinar que patente pertence a quem, os gerentes da Visture pinçam nas ideias dos outros, em total impunidade, na China. De qualquer forma, a equipe acredita ser pequena demais para que os advogados da gigante californiana gastem suas energias implicando com eles.
O último modelo tem um aspecto muito parecido com o da Apple e no website também anunciam o produto "V4 is here", como se o tablet da Visture também causasse uma comoção mundial. A versão V2 era disponível em preto e branco. Os botões ficam no mesmo lugar. A operação não é cara, 200 mil yuans (R$ 65.250) pelo desenvolvimento do produto, 60% no "soft" e no "hardware" e 40% para fabricar o molde. Nem cogitam construir fábricas, uma vez que a montagem será feita de forma terceirizada e as peças são disponibilizadas pelo intermediário de toda uma cadeia de abastecimento presente na região, sobretudo em Dongguan, uma cidade-fábrica a algumas dezenas de quilômetros de lá.
"É claro, ele lembra o iPad, é preciso se inspirar nos concorrentes", reconhece abertamente Lencho Lee. No entanto, o tablet não traz o logo da maçã, o que o distingue da falsificação pura e simples, e funciona com o Android, o sistema operacional do Google. De qualquer forma, é o registro menos definido juridicamente do shanzhai - literalmente "forte na montanha" - uma maneira de essa indústria e a subcamada de consumidores ignorados pelas grandes multinacionais à qual ela se destina se colocar em oposição ao sistema. Ela também inova, à sua maneira. A ideia não é criar um produto absolutamente inédito, o que seria impossível financeiramente, mas sim dar esses pequenos toques de novidade a essa zona cinzenta. Pensando, sobretudo, nas expectativas desse consumidor não exatamente rico: alto-falantes integrados para o operário migrante que quiser ouvir música em seu dormitório após uma longa jornada de trabalho ou entrada para dois chips, um pessoal, outro profissional. "As grandes marcas não fazem isso, pois têm contrato com as operadoras. As independentes podem se permitir isso", explica Lee. Alguns, como Sean Kao, pesquisador no Instituto de Informação sobre a Indústria em Taiwan, chegam a identificar um modelo de inovação das empresas shanzhai. Isso porque a inovação não vem somente de cima. Mesmo essa subcasta de consumidores deve ser satisfeita da melhor forma possível - à altura daquilo que pagaram - em um ambiente hipercompetitivo onda cada centavo conta. Essas empresas se colocam mais perto do cliente para entendê-lo, respondem ao mercado de maneira extremamente fluida e encontram um nicho lançando testes, uma vez que os custos de desenvolvimento são baixos. Elas conseguem reduzir os gastos em todas as frentes, seja na qualidade dos materiais, no marketing, na certificação ou nos impostos. Elas sabem se integrar à cadeia industrial pré-existente com uma surpreendente flexibilidade, praticam uma espécie de guerrilha selvagem, onde as multinacionais são exércitos bem organizados, dando assim lugar a uma guerra industrial assimétrica. No entanto, a China sabe perfeitamente que não é seguindo o rebanho que se tornará a primeira, e está em discussão essa tendência de se inspirar em pesquisas efetuadas por outros. Entre as metas estabelecidas pelo governo central em março de 2011 em seu plano de ação para os cinco próximos anos, se encontram a pesquisa e a elevação da escala de valor industrial. Até 2016, Pequim promete ter 3,3 patentes para cada 10 mil chineses. Muitas empresas chinesas estão tentando passar por um ponto de virada, com elas mesmas inovando. A Lenovo ou a Huawei ambicionam, com o tempo, concorrer com a sul-coreana Samsung usando seus próprios nomes. Será preciso proteger esses novos competidores. A China, portanto, será forçada a acabar com esses métodos um tanto casuais. Tanto que as imitações de bolsas Louis Vuitton são somente a parte mais visível do problema, que tem atingido cada vez mais as empresas chinesas. Boa parte dos produtos falsificados na China afetam marcas locais, como a cerveja Tsingtao, e muitas vezes representam uma ameaça em termos de saúde pública. Ademais, o enriquecimento do consumidor chinês e a complexização dos produtos que lhe são apresentados atiram na direção da qualidade, como se constata na Visture. Assim tem andado o mercado de celulares, no qual os produtos shanzhai já estão em recuo. Segundo certas estimativas, o mercado do celular em 2012 teria diminuído 30% em relação a 2011, com a chegada do smartphone e do 3G. Fazer uma ligação com um telefone falso não era exatamente problemático, em compensação navegar na internet é mais desagradável quando o teclado é lento e o aparelho falha. Ao mesmo tempo, as marcas legítimas estão se voltando para esses consumidores emergentes, percebendo, com razão, que agora na China até os menos ricos têm alguma coisinha para gastar. Ao contratar um plano na China Mobile, maior operadora do mundo, o cliente poderá comprar um smartphone de qualidade e de marca por 500 yuans (R$ 156), menos que a imitação de um iPhone. “As fabricantes chinesas têm uma política de preço muito agressiva”, constata Sabrina Ren, analista de escolhas de consumidores nas telecomunicações da GFK. Então alguns copiadores estão tentando passar para o lado legítimo. É o caso da Gionee, uma empresa que por um tempo produziu telefones shanzhai e desde então conseguiu se reciclar, impondo sua marca e chegando ao top 20 do mercado chinês. Se lhes é oferecida qualidade, os chineses agora estão dispostos a comprar produtos chineses, sendo que durante muito tempo eles não deram nenhum crédito às indústrias locais. Assim, em setembro de 2011 eles correram para comprar o primeiro modelo do Xiaomi, cujo fundador, Lei Jun, pretende vender a um preço razoável um smartphone que não teria do que se envergonhar frente aos concorrentes projetados na Coreia do Sul ou nos Estados Unidos. Idem para o setor automobilístico, complexo o bastante para que as marcas chinesas por muito tempo tenham se contentado em fazer “engenharia reversa” como pesquisa e desenvolvimento: desmontar o veículo para ver como é feito, e depois tentar copiá-lo. Lançado em 2003, o Cherry QQ tinha uma infeliz semelhança com o Chevrolet Spark, exceto pelos resultados no teste de impacto. Tanto que a General Motors na época demonstrou que as portas eram intercambiáveis. Quase uma década depois, os automóveis chineses ainda estão bem atrás de seus concorrentes americanos ou alemães na mente do consumidor, mas a indústria agora entende que é melhor desenvolver seus próprios modelos e progredir na segurança do que falsificar. Outros permanecem no território da cópia, mas estão pensando no futuro. “As marcas shanzhai têm hoje um desejo de construir suas próprias estratégias de inovação”, diz Sabrina Ren. “Os tempos estão mudando, o consumidor pode se informar sobre a qualidade do produto olhando o que dizem nos fóruns de discussão na internet, antes de comprar”. As empresas estão percebendo que somente os produtos que proporcionam uma experiência de uso satisfatória ao cliente podem sobreviver. “Mesmo com o shanzhai é preciso melhorar a qualidade, senão o cliente não volta”, constata Lencho Lee, da Visture. É por isso que o jovem profetiza o fim da imitação. “As pessoas agora querem qualidade. Em breve será o fim da cópia. Para as roupas, para os carros, para tudo”, diz Lencho Lee. Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço... O website de sua empresa é quase idêntico ao da Apple, e traz a insolente menção “Todos os direitos reservados”.

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