Um dos irmãos aderiu à jihad global contra o Ocidente, sob o pseudônimo de Abu Yahya al Libi. Ele ascendeu ao estrelato dentro da Al Qaeda, até ser morto há quatro meses no Paquistão por um bombardeio americano.
Já o irmão mais velho, Abdel Wahab Mohamed Qaid, foi o primeiro dos dois a se tornar um militante islâmico, mas agora é um deputado moderado no novo Parlamento líbio.
Qaid diz que os caminhos divergentes dos dois irmãos ilustram uma lição oportuna sobre os perigos de tratar as muitas vertentes do islamismo político como uma só ameaça radical.
O apoio de Abu Yahya à Al Qaeda, disse Qaid, começou depois de ele passar anos como prisioneiro na Base Aérea de Bagram, no Afeganistão -versão amparada por analistas ocidentais.
Os dois irmãos haviam rejeitado Osama bin Laden e a causa da jihad global, por considerá-la irrelevante diante da sua prioridade, que era derrubar o regime de Muammar Gaddafi na Líbia. Mas, depois dos atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos e da invasão americana no Afeganistão, os EUA começaram a deter militantes islâmicos, independentemente da sua ideologia ou agenda política.
Foi asssim que Abu Yahya foi capturado no Paquistão e encarcerado.
Ao fugir, em 2005, Abu Yahya, originalmente conhecido como Mohamed Hassan Qaid, se tornou um influente teólogo, propagandista e comandante militar da guerra santa islâmica contra o Ocidente, o que o afastou da luta pela democracia líbia.
Abdel Qaid, 45, argumentou, falando publicamente pela primeira vez, que Abu Yahya foi atraído para a batalha contra os EUA principalmente porque os militares americanos o haviam tratado como um inimigo. A vasta maioria dos jovens líbios, inclusive muitos militantes islâmicos armados, atualmente tem simpatia pelos EUA por causa do seu apoio contra Gaddafi, segundo Qaid, e o impulso de autoridades americanas e de liberais líbios em associar todos eles à Al Qaeda pode acabar empurrando esses jovens para mais perto do grupo terrorista.
"Esse seria o maior presente que você poderia dar à Al Qaeda", disse Qaid.
Militantes islâmicos líbios que se refugiaram de Gaddafi no Paquistão ou no Afeganistão, então sob controle do Taleban, contaram histórias semelhantes, atestando terem sido injustamente presos e maltratados pelos EUA devido a suspeitas de ligação com a Al Qaeda, embora sua única luta fosse contra o ditador líbio. Em setembro, a ONG Human Rights Watch documentou mais de 15 casos desse tipo, inclusive dois que disseram ter sido submetidos ao "waterboarding" (ameaça de afogamento), uma tática de interrogatório que o governo Obama proibiu, equiparando-a à tortura.
É "altamente especulativo" falar nas causas que podem ter moldado a psicologia de Abu Yahya ou de qualquer outro militante, diz Brain Fishman, pesquisador da Fundação Nova América, que estuda movimentos terroristas. Mas "é absolutamente verdade que fracassamos em distinguir entre a Al Qaeda e uma variedade de grupos militantes islâmicos que estavam operando no Afeganistão. Essa distinção deveria ter sido feita, pois nem todos eles haviam aceitado a visão de mundo da Al Qaeda".
Qaid disse que ele e seu irmão não eram terroristas nem inimigos do Ocidente. Ambos foram atraídos para a política pelo movimento estudantil líbio, em meados da década de 1980.
Qaid disse ter ficado chocado com o uso da tortura e dos enforcamentos públicos pelo governo de Gaddafi como formas de reprimir dissidências. Em 1989, Qaid já havia fugido para Tunísia, Paquistão e outros lugares, e Abu Yahya, dois anos mais jovem, o seguiu.
Em 1995, Qaid foi capturado por agentes de Gaddafi e sentenciado à morte. "Cresci na prisão", disse.
Qaid relatou que ele e muitos outros presos de tendência islâmica decidiram que nunca tentariam impor suas opiniões aos outros. Novos presos traziam notícias de Abu Yahya, que havia se estabelecido entre exilados islâmicos no Paquistão e depois no Afeganistão. "A Al Qaeda estava em todo lugar", disse Qaid, mas os exilados líbios rejeitaram esse rumo.
Analistas ocidentais confirmam que o grupo líbio era hostil à Al Qaeda. Jarrett Brachman, consultor de contraterrorismo do governo americano, disse que muitos dos seus membros desconfiavam de Bin Laden e do seu adjunto, Ayman Zawahri. Nos escritos de Abu Yahya, "tudo era Líbia o tempo todo", disse Brachman.
Mas, quando Abu Yahya fugiu, ele descobriu que quase todos os seus camaradas líbios haviam ido embora, sido detidos pelos EUA ou devolvidos às prisões de Gaddafi.
"Em vez de encontrar os líbios que poderiam ter absorvido sua raiva, Abu Yahya encontrou Bin Laden", disse Qaid.
Abu Yahya rapidamente ascendeu na hierarquia da Al Qaeda, até ficar abaixo apenas de Zawahri após a morte de Bin Laden.
"Sua combinação de conhecimento acadêmico, respeito das ruas e carisma fizeram dele um verdadeiro peso pesado", disse Brachman.
Qaid foi libertado com outros presos políticos no dia seguinte ao início da rebelião líbia, em fevereiro de 2011, num esforço de Gaddafi para aplacar a revolta. Ele rapidamente aderiu à luta.
Na entrevista, Qaid disse que não guardava mágoa pelo bombardeio teleguiado que matou seu irmão. Qaid estava em campanha eleitoral na época.
"Se tivesse ocorrido eleições quando éramos estudantes", disse, "talvez não tivéssemos abandonado a escola e a vida que tínhamos".
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