segunda-feira, 12 de novembro de 2012

No aclamado romance "Irmãos", do escritor Yu Hua, dois meninos do interior da China sobrevivem unidos aos horrores da Revolução Cultural (1966-1976). Os laços da infância, porém, se desfazem à medida que avança a abertura econômica: enquanto um fica bilionário a ponto de viajar ao espaço a turismo, o outro definha entre trabalhos temporários insalubres e mal pagos. O épico, best-seller na China e já publicado no Brasil (ed. Companhia das Letras), ilustra um dos principais efeitos colaterais do crescimento anual médio de 9,9% nas últimas três décadas. De uma sociedade quase homogênea e nivelada pela pobreza, até o início dos anos 1980, a uma desigualdade de renda que já está entre as piores da Ásia. Deve ser um dos principais desafios para a nova liderança política chinesa, a ser definida no Congresso do Partido Comunista, que começa em 8 de novembro. O coeficiente Gini, medida internacional para calcular disparidade de renda, estava em 0,47 em 2009, segundo o dado mais recente do Banco Mundial, que considera um índice maior do que 0,4 uma ameaça à estabilidade social. Pelo cálculo Gini, zero representaria igualdade perfeita, enquanto 1 significaria que apenas uma pessoa controlaria a riqueza do país. Um levantamento divulgado neste mês pela Pesquisa Financeira Domiciliar da China revela um panorama mais sombrio. Pela pesquisa, em que foram entrevistadas 8.438 famílias, os 10% dos domicílios chineses mais ricos têm 57% da renda e 85% de toda a riqueza do país. Trata-se de uma concentração alta em comparação até com o Brasil: segundo o Censo do IBGE de 2010, os 10% mais ricos ficaram com 44,5% do rendimento total do país. O principal abismo chinês divide a área urbana da rural, onde ainda vive pouco menos de metade dos habitantes -680 milhões, ou quase 10% da população mundial. A renda rural é, em média, cerca de um terço da urbana. A disparidade fica bastante evidente na posse de bens. Enquanto 10,9% dos domicílios urbanos possuíam carro em 2009, essa taxa cai para mero 0,7% na área rural, segundo o Escritório Nacional de Estatísticas da China. Distâncias significativas entre o mundo urbano e rural se repetem em outros bens, como computadores (65,7% versus 7,5%), máquinas de lavar (96% versus 53,1%) e geladeiras (95,3% versus 37,1%). A desigualdade está entre as principais preocupações da opinião pública. É considerada "um problema muito grande" para 48%, ante 41% há quatro anos, segundo pesquisa do Pew Research Center. Fica atrás apenas de inflação (60%) e empata tecnicamente com corrupção (50%). O problema recebe cada vez mais atenção do governo, que nos últimos dois anos vem promovendo aumentos dos salários mínimos regionais acima da inflação.

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