A China e a Índia costumam ser
comparadas - como gigantes asiáticos com bem mais de um bilhão de habitantes
cada, como países em rápido desenvolvimento, com alto crescimento econômico. E
em termos de estupro?
Em ambos os países, estupros
recém-cometidos por grupos de homens tiveram grande divulgação e aumentaram
drasticamente a consciência pública de um problema oculto. É claro, o estupro é
de certa forma um assunto escondido em toda parte, mesmo em sociedades com
sistemas jurídicos eficientes e atitudes liberais em relação às mulheres. Mas
na China e na Índia, assim como em outros lugares onde as noções tradicionais
podem considerar uma mulher estuprada como "estragada", existem
desincentivos especialmente fortes para se relatar o crime, segundo
especialistas.
Aqui estão as histórias dolorosas.
Em 16 de dezembro, uma estudante de 23 anos foi estuprada por um grupo em um
ônibus em Nova Déli, a capital da Índia, e morreu devido aos ferimentos duas
semanas depois.
Na China na semana passada, o filho
de 17 anos de um cantor popular e general do Exército de Libertação do Povo foi
detido com quatro outros em Pequim sob a alegação de que haviam estuprado uma
mulher, segundo reportagens difundidas pela agência estatal Xinhua e outras
mídias oficiais como o "Beijing News".
O filho, Li Tianyi, também conhecido
como Li Guanfeng, esteve no noticiário em 2011 depois que uma briga violenta em
uma rua de Pequim o levou a uma instituição correcional durante um ano. (O jornal
"South China Morning Post", de Hong Kong, relatou que seus pais
mudaram o nome dele para Guanfeng depois desse caso.) Os cinco suspeitos foram
postos em custódia nas primeiras horas de 21 de fevereiro e agora estão em
detenção investigativa em conexão com o suposto estupro, que teria ocorrido em
17 de fevereiro, segundo o China News Service. Na noite do suposto ataque, eles
estiveram ingerindo bebidas alcoólicas e comemorando o aniversário de um membro
do grupo, segundo o China News Service, que citou "oficiais de polícia
informados sobre o caso". Li, um amigo identificado apenas como Wei e os
outros três usaram ameaças e violência para levar a mulher de um bar até o
hotel Hubei, onde ela foi violentada, segundo o China News Service.
São histórias trágicas e isoladas.
Mas quão disseminados são esses crimes nos dois países? Ninguém sabe realmente,
já que os números são altamente inconfiáveis, dizem especialistas.
Na China, segundo Zhang Rongli, uma
professora de direito na Universidade das Mulheres da China, citando
estatísticas do Ministério de Segurança Pública, houve 24.495 casos
"solucionados" de estupro em 2008. Em 2009 o número subiu
ligeiramente, para 26.404, ela disse.
"O estupro é um crime
comum", disse Zhang. "Mas o índice é mais ou menos igual todos os
anos na China, sem claros aumentos ou reduções", ela disse, mostrando
desconfiança dos números.
Poucos acreditam que essa seja a
extensão total desse crime, mas o número de condenações na China é
aparentemente maior que na Índia. As mulheres na China também sofrem muito
menos assédio sexual em público, ou "provocação a Eva", como é
chamado na Índia.
Em particular, pesquisadores admitem
que não têm ideia de qual seja o verdadeiro número de estupros. Alguns estimam
que menos de um em cada dez casos é relatado. Isto poderia representar pelo
menos 250 mil por ano na China, e provavelmente muito mais. Nos EUA, com menos
de um quarto da população chinesa, os números do Departamento do Censo mostram
um índice razoavelmente coerente de "estupro forçado" (que exclui o
estupro de menores) de pouco mais de 80 mil por ano na última década.
"Com esse crime existe um
problema de números ocultos, porque algumas pessoas não desejam relatar ou
abrir um processo. Por isso é muito difícil para o Estado fazer julgamentos rápidos.
Se um caso for levado ao tribunal
rapidamente, se houver prova de um ataque (como evidências de resistência), se
não houver muitos "conflitos de interesse entre as duas partes", ela
diz, a justiça chinesa pode avançar rapidamente. "Esses casos podem ser
bastante simples e o resultado bem rápido e honesto", ela disse.
Entretanto, ela e outras feministas advertem que essas condições frequentemente
não são cumpridas.
Aqui também os dados são
problemáticos. O Departamento Nacional de Registro de Crimes indicou que 22.172
mulheres relataram estupros em 2010, segundo um relatório no site do Alto
Comissariado para Refugiados da ONU (UNHCR na sigla em inglês).
O importante jornal "The
Hindu" dá um número ligeiramente menor, 20.262, notando que o número de
relatos de estupro está aumentando mas o de condenações diminui.
De todo modo, as estatísticas são
consideradas inconfiáveis e desatualizadas, segundo o relatório no site da
UNHCR, feito pelo Conselho de Imigração e Refugiados do Canadá. Os números dos
estados individuais da Índia eram "factualmente incorretos, de modo
alarmante", diz o relatório, citando uma autoridade da Comissão Asiática
de Direitos Humanos, uma organização não-governamental sediada em Hong Kong.
Os mesmos problemas afetam os dois
gigantes asiáticos: vergonha; reputações destruídas; ameaças dos estupradores,
que podem ser pessoas poderosas, contra as vítimas.
Mas os grandes casos podem mudar as
atitudes sociais. A Índia foi abalada pelo crime terrível em dezembro. Na China
existe um alto nível de interesse pelo caso que envolve o filho do general
cantor.
Esta semana o nome de Li foi um dos
temas principais no Sina Weibo, o principal site de relacionamento social do
país, usado por milhões de pessoas. Mas muitos comentários enfocaram menos o
suposto crime do que sua situação como "astro de segunda geração",
filho de pais proeminentes e ricos na indústria de entretenimento, e
especularam se a vítima faria um acordo em troca de uma boa compensação
financeira.
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