Pairando sobre uma loja de medicina chinesa que vende pênis
desidratados de cervos (para a virilidade) e fezes de morcego (para a
visão), há um monólito de vidro escuro e aço cinzento, com 40 andares: o
escritório do Partido Comunista Chinês em Hong Kong.
Para Wu Beihan, que vende os medicamentos tradicionais, os engravatados
funcionários do prédio vizinho se tornaram uma inesperada fonte de renda
extra nos últimos meses, arrematando remédios contra a ansiedade. "Eles
têm corações preocupados e estão vindo aqui com mais frequência",
afirmou.
A ansiedade é compreensível no Escritório Central de Ligação,
subordinado ao Partido Comunista Chinês (PCC). As disputas entre facções
em Pequim chegaram a Hong Kong com a remoção de um antigo diretor e de
um subdiretor, além da transferência ou aposentadoria de outros
assessores.
A turbulência no escritório de ligação coincide com -e possivelmente
alimentou- crescentes atritos entre Hong Kong e a China continental.
Dezenas de milhares de pessoas já saíram às ruas aqui em protesto contra
o governo local apoiado por Pequim, houve brigas entre residentes
locais e visitantes do resto da China e surgiram planos para uma grande
campanha de desobediência civil.
O governo local reagiu com uma série de iniciativas para acalmar os moradores.
Isso incluiu uma pesada taxação sobre a compra de imóveis por quem não
seja residente permanente, especialmente chineses continentais, a
proibição de que chinesas grávidas visitem o território, já que elas
vinham lotando as maternidades locais para garantir o direito de
residência para sua prole, e o arquivamento de um plano para que as
escolas instituíssem uma disciplina de educação patriótica para exaltar o
PCC.
Mas os partidários do governo também têm organizado contrademonstrações
ruidosas, embora pacíficas. Segundo a imprensa local, eles pagam até US$
25 a cada manifestante.
Poucos preveem que Pequim reagirá às dificuldades políticas daqui
concedendo mais democracia. O novo membro do Comitê Permanente do
Politburo, que provavelmente supervisionará as políticas para Hong Kong
nos próximos anos, é Zhang Dejiang, um radical que estudou na Coreia do
Norte e pertence à chamada Facção de Xangai da política chinesa,
comandada pelo ex-presidente Jiang Zemin.
Zhang e Yu Zhengsheng, outro membro do Comitê Permanente, fizeram
incisivos alertas ao Congresso Nacional do Povo, no começo de março, de
que os residentes de Hong Kong têm o dever de salvaguardar a segurança
nacional -uma ameaça velada contra a adoção de conceitos ocidentais como
a democracia. Wang Guangya, diretor do Departamento para Assuntos de
Hong Kong e Macau, em Pequim, foi além, ao declarar que os inimigos da
China veem Hong Kong como uma cabeça "para subverter o sistema
socialista".
Willy Lam, especialista em política chinesa, disse que a nova cúpula
chinesa se uniu em sua hostilidade contra um maior pluralismo político
em Hong Kong. Eles também partilham de uma profunda desconfiança de que
os ativistas pró-democracia estão sendo manipulados pelos Estados Unidos
para criar problemas no quintal da China, num momento de tensões
geopolíticas na região, quando a China assevera suas reivindicações
territoriais nos mares do Sul e do Leste da China.
"Não há diferença no topo com relação ao Tibete, a Hong Kong e Taiwan. Não há liberais", disse Lam.
Desde que o Reino Unido devolveu Hong Kong à China, em 1997, a
influência da China continental sobre a região foi dividida entre o
Departamento para Assuntos de Hong Kong e Macau, que é uma secretaria do
governo chinês com status ministerial, e o Escritório Central de
Ligação, controlado pelo PCC.
O maior problema quanto a Hong Kong a longo prazo é que a maioria da
população quer mais democracia do que Pequim toleraria. A China disse em
2010 que "pode" permitir eleições diretas para o Executivo local em
2017, em vez de restringi-la aos 1.200 membros do Comitê Eleitoral do
território, dos quais quase três quartos seguem estritamente as
instruções do governo chinês.
A questão é quem poderá concorrer. Uma pesquisa do grupo acadêmico
Projeto Transição Hong Kong mostrou que a opção mais popular, apoiada
por 81% dos entrevistados, é que haja uma eleição direta, aberta a todos
os candidatos e com segundo turno entre os dois mais votados.
Mas o assessor de Pequim para Hong Kong disse que isso seria inaceitável
para o PCC e que é necessária alguma triagem dos candidatos, de modo
que críticos de Pequim possam fazer campanha, mas sem aparecerem na
cédula final.
É provável que haja mais protestos, e a imponente vista a partir do
arranha-céu do Escritório de Ligação parece não servir de consolo para
seus ocupantes.
"Até os chefes do departamento vizinho vêm me ver, pois não estão se sentindo bem", disse o curandeiro Wu.
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