Se você quer se atirar, em chinês, você "dá um passo à frente". Foi
assim que o título do manifesto feminista contemporâneo de Sheryl
Sandberg, "Lean In: Women, Work and the Will to Lead" [algo como
"Atire-se: Mulheres, Trabalho e a Vontade de Liderar"], foi traduzido
para o chinês.
E isso se faz com muito prazer, a julgar pelas reações de cerca de mil
estudantes e empresários em dois eventos em Pequim na semana passada,
onde Sandberg, diretora de operações do Facebook, divulgou a nova versão
em chinês de seu livro.
"As pessoas estavam sedentas por isso", disse Allison Ye, cofundadora
de um "círculo Lean In" em Pequim – um pequeno grupo de colegas que se
reúnem para falar sobre a mensagem do livro – sobre a resposta ao ponto
principal de Sandberg: superar suas barreiras internas para o sucesso e
chegar à mesa de negociação.
O entusiasmo sugere uma possibilidade intrigante: enquanto o governo
chinês ataca novamente a liberdade de expressão, prendendo até ativistas
da democracia moderados, defensores da sociedade civil e populares
líderes da opinião pública, será que poderá haver uma revolução
feminista na China antes de uma revolução democrática?
Nas últimas semanas, círculos de Lean In foram criados em meia dúzia de
universidades da capital, entre elas a Universidade Tsinghua,
Universidade de Pequim e a Universidade de Comunicação da China,
disseram integrantes em entrevistas.
"Sinto que esta é uma nova fase para nós", disse Ye, 27, que trabalha
para uma empresa chinesa. "Não posso falar por todas, mas eu sinto que
apesar das diferenças culturais entre os Estados Unidos e a China, o
método é universal. Sinto que é verdade que você pode assumir a
responsabilidade por si mesmo, isso é uma coisa boa, e então você pode
mudar a sua situação."
Claro, o feminismo na China antecede o livro de Sandberg. Mas ganhou
novo foco com a chegada do movimento no país. A conversão de Ye começou
em março, quando ela viu por acaso na internet uma palestra dada por
Sandberg ao TED em 2010 intitulada "Por que temos poucas mulheres na
liderança." Ela foi fisgada.
"Fui sacudida", disse ela. "Disse a mim mesma: quem é ela? Tudo o que
ela diz, uau! Tão verdadeiro. Assisti três vezes num dia. Então comprei
uma edição do livro dela em ingles."
"Com uma amiga, pensamos: por que não criar um círculo do Lean In?
Queremos apoiar as mulheres chinesas e ajudá-las a estabelecer seus
próprios círculos."
A notícia se espalhou, inclusive para Carrie Huang, de 21 anos. Duas
semanas atrás , Huang criou um círculo na prestigiada Universidade
Renmin da China, onde ela estuda finanças. "Minhas amigas e eu, todas
sentimos que fazemos isso – nós nos subestimamos", disse ela numa
entrevista. "Tem a ver com a nossa educação e cultura. Nossos pais nos
dizem, 'vocês são meninas, consiga uma vida estável e não tenha muita
ambição'".
Muitas jovens chinesas, especialmente nas cidades, são altamente
qualificados e estão começando a superar os homens em alguns cursos na
faculdade – Huang disse que havia 16 mulheres e 7 homens em sua aula de
finanças – mas mensagens culturais profundas as contêm.
"Tememos não ser boas o bastante. Falta-nos confiança", disse Huang,
acrescentando que muitas mulheres na China priorizam as metas de seus
namorados ou maridos. "O que precisamos é ter a coragem de experimentar
coisas diferentes", disse ela. "Trata-se de descobrir o que você quer
fazer. Os pais têm expectativas para nós, e é difícil mudar."
Em suas reuniões semanais, diz Huang, ela e sua meia-dúzia de colegas,
entre eles alguns homens, planejam levantar questões específicas.
"Queremos falar de 'mulheres fortes' e como os homens as veem –
agressivas ou autoritárias?"
Nem todo mundo gosta da tradução chinesa do impactante título em inglês
do livro. Alguns zombam que ele parece a mensagem encontrada nos
urinóis masculinos "por favor, dê um passo à frente".
Huang diz que ele não chega a capturar a natureza psicológica da
mensagem de Sandberg. "Faz parecer que é sobre superar obstáculos
externos, dar um passo para a frente", disse ela. "Mas, na verdade, este
livro é sobre superar os obstáculos internos."
De qualquer maneira, feministas chinesas experientes o receberam bem.
"Eu acho que a sua mensagem é definitivamente de poder, chamando mais
mulheres à mesa de negociação", disse Feng Yuan, ativista pelos direitos
e igualdade de gêneros.
Ainda assim, é apenas uma resposta às assustadoras barreiras culturais e
institucionais enfrentadas pelas mulheres na China, disse Feng.
"Eu não acho que a abordagem pessoal possa mudar estruturas de gênero
fundamentalmente desiguais", disse ela. "Mas em termos da situação
individual de uma mulher, é útil porque muitas mulheres temem o
feminismo, esse tipo de apelo coletivo. Uma mensagem pessoal é viável."
Ele pode não funcionar para as mulheres sem instrução, pobres ou
rurais, disse Feng, ecoando as críticas que o livro recebeu no Ocidente.
"Seu público-alvo é de mulheres ambiciosas e com boa escolaridade, e
essas mulheres são capazes de mobilizar recursos para atingir seus
objetivos", diz ela.
"Mas não devemos ser tão críticos", disse ela. "Você não pode esperar
que ela tivesse uma fórmula para todos os direitos das mulheres. Até as
de melhor escolaridade precisam disso, e elas devem poder usufruir
disso."
Huang e Ye dizem que a China está pronta para o "Lean In", independentemente da tensa atmosfera política.
"Acho que tudo o que fazemos no círculo Lean In é positivo", disse
Huang. "Nós não estamos desrespeitando nada, então não deve haver nenhum
problema."
Ye disse: "eu pensei nisso porque sou muito cautelosa. Eu acho que se o
governo permitiu que Sheryl Sandberg divulgasse seu livro, então o
governo apoia o conteúdo do livro." Acrescentando um pouco de ironia à
situação, o Facebook está proibido na internet censurada da China.
"Muito do que ela diz que se encaixa com a mensagem do governo chinês",
disse Ye. "Acho que desde que fiquemos dentro do círculo, não é nenhuma
ameaça."
Nenhum comentário:
Postar um comentário