As pessoas em busca de oportunidades nessa antiga cidade-oásis na região
de Xinjiang, no extremo ocidente da China, parecem ter muitas opções,
com base em uma rápida olhada em um site de empregos local: o Centro
Cultural Kashgar tem uma vaga para coreógrafo de dança experiente; o
escritório do Partido Comunista da prefeitura está contratando um
motorista, e o condado próximo de Sule precisa de um arquivista.
Mas estas e dezenas de outras vagas de emprego vêm com uma ressalva: os
uigures, muçulmanos de língua turca, que compõem cerca de 90% da
população de Kashgar, não são aceitos. Cerca de metade dos 161 cargos
anunciados no site de informações do funcionalismo público indicam que
apenas serão considerados para as vagas os chineses da etnia han ou os
que têm como língua materna o mandarim.
Tal discriminação, comum em toda a região, é uma das muitas
indignidades que os 10 milhões de uigures da China enfrentam em uma
sociedade que cada vez mais os retrata como não confiáveis e propensos
ao extremismo religioso. Os uigures estão em grande parte de fora da
expansão da indústria de gás e petróleo da região, os empregos do
aeroporto são reservados para candidatos han e os motoristas de caminhão
cujo documento declara sua etnia como uigur não podem obter as licenças
necessárias para transportar combustível, uma regra não escrita baseada
no temor de que os caminhões de petróleo e gás podem facilmente ser
transformados em armas, de acordo com várias empresas de transporte.
Apesar do nome --Região Autónoma Uigur de Xinjiang--, essa extensão
estrategicamente crucial de deserto e montanhas cobertas de neve que faz
fronteira com vários países da Ásia Central é rigidamente controlada
por Pequim. Os principais cargos do governo, bem como os cargos críticos
no aparato de segurança, são dominados por chineses han, muitos deles
recrutados na parte oriental do país.
"Em essência, os chineses não confiam em nós, e isso está tendo um
impacto corrosivo sobre a vida em Xinjiang", disse Ilham Tohti,
economista uigur proeminente em Pequim. "E, do jeito que as coisas vão,
isso vai piorar."
Depois de um verão de violência que ceifou ao menos 100 vidas,
analistas, defensores dos direitos humanos e até mesmo um punhado de
acadêmicos chineses estão soando alarmes sobre o que eles chamam de
políticas repressivas que estão alimentando a alienação e a
radicalização entre os uigures, muitos dos quais aderem a um tipo
moderado de islamismo sunita. Essas políticas foram reforçadas desde que
tumultos étnicos deixaram ao menos 200 mortos em Urumqi, a capital
regional, há quatro anos.
O governo chinês acusa agitadores de fora, entre eles membros de um
movimento separatista que teria laços com jihadistas globais. Embora
tenha havido uma série de ataques não provocados contra policiais ou
soldados chineses nos últimos anos, a maioria dos especialistas dizem
que a ameaça de militantes islâmicos é muito menos potente e organizada
do que diz Pequim.
Em agosto, não muito longe de Kashgar, policiais paramilitares atiraram
contra pelo menos 32 homens, matando uma dúzia, em uma batida contra o
que descreveram como um "centro de munições" secreto; poucos dias
depois, pelo menos uma dúzia de outros uigures foi morta enquanto orava
em uma fazenda no município de Yilkiqi, de acordo com a Radio Free Asia.
As autoridades disseram que os homens estavam participando de
"atividades religiosas ilegais" e treinando para um ataque terrorista,
mas não forneceram mais detalhes.
Outros episódios incluem um tiroteio perto de uma delegacia de polícia
em Aksu que feriu 50 e deixou três mortos, e um confronto violento em
Hotan, outro posto avançado da Rota da Seda, durante o qual dezenas de
homens foram baleados enquanto protestavam contra a detenção de um imame
local. A mídia estatal chinesa descreveu esses e outros episódios como
"ataques terroristas"; grupos de exilados dizem que eram manifestações
pacíficas que foram esmagadas com força bruta.Os moradores locais dizem que estes e outros confrontos têm sido
alimentados pelas realidades desanimadoras da vida diária local: a
discriminação no trabalho institucionalizado, as restrições que proíbem
os menores de 18 anos de entrar nas mesquitas e a dificuldade que muitos
uigures enfrentam na obtenção de passaportes. Os uigures que têm a
sorte de viajar para o exterior dizem que, ao retornar, muitas vezes são
interrogados por agentes de segurança que exigem saber se eles se
envolveram em atividades separatistas.
"O governo deve perceber que as decisões irresponsáveis e inadequadas
por parte das autoridades locais estão causando apenas mais
instabilidade", disse Yang Shu, professora de estudos da Ásia Central da
Universidade de Lanzhou, referindo-se às regras que desencorajam as
mulheres de usar lenços de cabeça e os homens de deixar a barba crescer.
Muitos uigures também estão convencidos de que Pequim está tentando
acabar com sua língua e cultura por meio de políticas de assimilação e
educação que favorecem o mandarim sobre o uigur nas escolas e nos
empregos públicos. Desde 2004, uma iniciativa de educação bilíngue
exigiu que professores em grande parte da região passassem a usar o
mandarim para quase todos os assuntos. As autoridades insistem que a
política tem como objetivo ajudar os uigures a competirem em um país
onde o mandarim é a língua franca, mas muitos pais, professores e
intelectuais uigures não estão convencidos.
"Minha filha de 17 anos fala bem o chinês, mas não consegue ler uma
obra de literatura uigur", disse um funcionário do governo em Urumqi,
que pediu para permanecer anônimo porque essa crítica pode ter
consequências graves. "Na próxima geração, temo que o nosso povo será
analfabeto funcional em uigur."
O medo e a desconfiança entre as duas etnias agravaram-se nos últimos
anos, enquanto um número crescente de imigrantes chineses da etnia han
se estabelece em enclaves fortemente vigiados, especialmente no sul de
Xinjiang, que continua a ser predominantemente uigur. Mesmo em Urumqi,
onde a etnia chinesa Han compõe 75% da população, grupos de policiais
fortemente armados ficam posicionados ao longo dos bairros uigures; à
noite, os uigures são proibidos de se sentar no banco dianteiro dos
táxis, de acordo com uma lei local que supostamente combate o crime.
Huang Xiaolin, um engenheiro han que recentemente foi atraído da
província costeira de Shandong para Hotan --com um salário generoso e
habitação subsidiada--, disse que os colegas frequentemente o advertem a
não entrar no bairro uigur da cidade. "As pessoas daqui são pouco
civilizadas e propensas à violência", disse ele, de pé perto de um
banner de propaganda que dizia: "Os han e os uigures não podem viver uns
sem os outros".
Pequim acoplou sua abordagem de segurança "mão pesada" com um
desenvolvimento econômico turbinado, mas até isso tem alimentado o
ressentimento entre os uigures, que dizem que os melhores empregos vão
para os han recém-chegados. "O governo chinês está focado em uma
compreensão muito ultrapassada de desenvolvimento macroeconómico,
dizendo que vai elevar todos ao mesmo patamar, mas claramente não está
funcionando", disse Sean R. Roberts, professor da Universidade George
Washington, que estuda o desenvolvimento na região.
Parte da reação, segundo os especialistas e moradores, foi motivada
pelas restrições cada vez mais intrusivas sobre a religião. Os
funcionários públicos podem ser demitidos por participar das orações
sexta-feira à tarde, e os estudantes universitários uigures dizem que
muitas vezes são obrigados a almoçar nas cantinas escolares durante o
mês sagrado do Ramadã, quando os muçulmanos jejuam. Nas cidades de toda a
região há sinais advertindo as pessoas contra a oração pública e há
câmeras de vídeo apontadas para as portas das mesquitas. Os moradores
também dizem que o governo mantém uma extensa rede de informantes pagos e
monitora o tráfego de internet e as conversas de celular.
Tais políticas nascem da preocupação de que o islã radical, que tem
desestabilizado o vizinho Afeganistão e o Paquistão, vai se enraizar em
Xinjiang. O medo não é totalmente infundado, dada a proximidade da
região com países sem lei que forneceram um paraíso para uma variedade
de jihadistas de todo o mundo muçulmano, incluindo alguns uigures.
Mas os especialistas dizem que a repressão às escolas religiosas não
sancionadas e outras restrições promoveram uma religiosidade ainda
maior. "Cinco anos atrás, você ficava chocado ao ver uma mulher de véu
em Urumqi, mas não mais", disse um acadêmico han na Universidade de
Xinjiang, que é crítico de políticas de Pequim na região. "Para um monte
de uigures, deixar a barba crescer e pedir à mulher para cobrir a
cabeça em público tornou-se um ato de desafio".
Apesar do crescente número de mortos, analistas dizem que é improvável
que a nova liderança da China reconsidere suas políticas radicais tão
cedo. Durante uma visita de Estado a quatro nações da Ásia Central no
mês passado, que pretendia reforçar o papel de Xinjiang como eixo de uma
Rota da Seda revitalizada, o presidente Xi Jinping prometeu continuar a
luta contra o que descreveu como as "três forças" do separatismo,
terrorismo e extremismo religioso, de acordo com a agência de notícias
oficial Xinhua.
Ao não considerar as causas do descontentamento uigur, Pequim pode
radicalizar involuntariamente uma geração de jovens, disse Nicholas
Bequelin, pesquisador da Human Rights Watch, que tem sede em Hong Kong.
"Toda a etnia uigur se sente asfixiada, tendo se tornado suspeita de
simpatizar com o extremismo", disse ele. "Xinjiang está presa em um
círculo vicioso de aumento da repressão que só leva a mais violência."
Nenhum comentário:
Postar um comentário