Os leitores chineses da biografia do líder reformista Deng Xiaoping
escrita por Ezra Vogel podem ter sentido falta de alguns detalhes que
constavam na edição inglesa original.
A versão chinesa não mencionava que os jornais chineses haviam recebido
ordens de ignorar a implosão comunista em toda a Europa Oriental no
final dos anos 1980. Nem que o secretário-geral Zhao Ziyang, expurgado
durante a repressão na praça Tiananmen, chorou ao ser colocado sob
prisão domiciliar.
Vogel, professor emérito da Universidade Harvard, disse que a decisão de
permitir que censores chineses mexessem na sua obra representou uma
barganha desagradável, mas necessária, pois graças a ela o livro pôde
alcançar leitores com os quais muitos autores ocidentais só podem
sonhar.
Seu livro, intitulado "Deng Xiaoping and the Transformation of China"
[Deng Xiaoping e a transformação da China], vendeu 30 mil exemplares nos
EUA e 650 mil na China. "Para mim a escolha foi fácil", disse ele.
"Achei melhor ter 90% do livro disponível aqui do que ter zero."
Tais concessões estão se tornando comuns. Com uma população altamente
alfabetizada e faminta por obras de escritores estrangeiros, a China é
uma fonte crescente de faturamento para as editoras americanas. No ano
passado, os lucros dos editores dos EUA com a venda de livros
eletrônicos para a China cresceram 56%, segundo a Associação Americana
de Editores. As editoras chinesas adquiriram mais de 16 mil títulos do
exterior em 2012, frente a 1.664 em 1995.
Em outubro, editores e agentes literários chineses compareceram em peso à
feira do livro de Frankfurt, dando lances para a aquisição de obras de
escritores ocidentais e oferecendo polpudos adiantamentos. A China
também pode ser uma mina de ouro para os direitos autorais. No ano
passado, J.K. Rowling recebeu US$ 2,4 milhões daqui, e Walter Isaacson,
autor da biografia "Steve Jobs", ganhou US$ 804 mil, segundo o "Diário
Metropolitano Huaxi", de Chengdu.
Escritores ocidentais que concordam em submeter seus livros ao
imprevisível regime chinês de censura dizem que a experiência pode ser
irritante.
O romancista Qiu Xiaolong, que vive no Missouri e ambienta seus romances
de mistério em Xangai, disse que os editores chineses que adquiriram os
primeiros três volumes da sua série do inspetor Chen alteraram a
identidade de personagens centrais e reescreveram trechos do enredo que
eles consideraram desabonadores para o Partido Comunista.
De forma ainda mais rude, disse ele, os editores insistiram em eliminar
quaisquer referências a Xangai, substituindo-as por alusões a uma
metrópole chinesa imaginária chamada H, porque entenderam que a
associação com crimes violentos, ainda que fictícia, poderia macular a
imagem da cidade.
Qiu, que escreve em inglês, mas foi criado na China, disse ter aceitado
relutantemente algumas das alterações, mas que outras foram incluídas
depois de ele ter aprovado as traduções que julgava serem definitivas.
"Algumas das mudanças são tão ridículas que tornaram o livro
incoerente", afirmou. Ele disse que se recusou a permitir que seu quarto
romance, "A Case of Two Cities" (Um caso de duas cidades), fosse
lançado na China.
Outros autores também já resistiram. Em 2003, Hillary Clinton determinou
que sua autobiografia, "Vivendo a História", fosse retirada das
prateleiras da China depois de ela ter descoberto que longos trechos
haviam sido eliminados da obra. James Kynge, autor de "A China Sacode o
Mundo", cancelou um contrato no ano passado porque um editor havia
exigido que um capítulo inteiro fosse cortado.
Mas posições como essa, ao que parece, estão se tornando cada vez mais
raras. Muitos autores se dizem divididos entre o seu desejo de proteger
sua obra e a necessidade de ganhar a vida numa era de adiantamentos cada
vez menores. Para outros, trata-se simplesmente de cultivar um público
no país mais populoso do mundo.
Michael Meyer, cujo livro "The Last Days of Old Beijing" (Os últimos
dias da velha Pequim), de 2008, lamenta a destruição do tecido histórico
da cidade, ficou surpreso ao ver que muitas passagens não foram
censuradas. Os editores fizeram alguns cortes previsíveis -incluindo uma
referência à repressão na praça Tiananmen-, além de uma alteração no
título a fim de apresentar o livro como uma carta de amor nostálgica
("Até Mais Ver, Velha Pequim").
Para Meyer, as mudanças mais curiosas foram feitas em relação a duas
mensagens de texto citadas no livro, que foram enviadas ao autor por um
arquiteto de Nova York que participava de uma discussão municipal de
planejamento em uma grande cidade litorânea. A primeira descrevia a
presença de uma moça de braços dados com um homem de meia-idade. A
segunda mensagem anunciava que o homem era o prefeito, e que a mulher
era a sua amante.
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