O boato, não confirmado, diz que estudantes na vila de Gush Halav
atualizaram a técnica milenar de trapacear nas provas escolares.
Um padre local diz à Folha que alguns alunos ali anotam informações na língua aramaica como se fossem preces cristãs. São trechos do conteúdo das aulas.
Os professores não entendem nada, já que o aramaico está em desuso há
séculos, vivo apenas em uma versão moderna, falada em pequenas
comunidades em países como a Síria e o Líbano.
A manobra é um dos efeitos colaterais dos esforços da comunidade
maronita (ramo do cristianismo) dessa vila no norte de Israel. Ela tenta
tornar comum o idioma semítico que foi uma língua franca nos tempos de
Jesus Cristo.
Líderes comunitários introduziram, com apoio do governo israelense, os
estudos de aramaico no currículo escolar local. Padres ensinam a língua
também a seus seguidores e afirmam que até 10% dos 1.600 maronitas de
Gush Halav já entendem esse idioma coloquialmente.
Diante de sua família, Carla Aisa, 11, prefere não conversar sobre a
escola. Mas ela se diz entusiasta das aulas, em que aprende "a conversar
na língua de Jesus".
Só que a questão do idioma aramaico não é, em Israel, apenas
linguística. É também uma das maneiras de essa comunidade afirmar sua
identidade, cercada pelo conflito entre o governo israelense e líderes
palestinos.
"Meus amigos me dizem que, se eu falo árabe, sou árabe", diz Carla. "Mas não sou árabe, sou arameia."
Seu avô, Labib, 79, ainda se lembra de quando, nos anos 1940,
funcionários do governo israelense vieram ao vilarejo de Gush Halav para
registrar a população.
Os moradores, segundo Labib, se declararam "arameus". Na falta dessa opção na lista, porém, eles foram marcados como "árabes".
O episódio, contado com um quê de lenda pelo ancião da vila, resume uma
ideia corrente na região, que faz fronteira com o Líbano– a de que os
cristãos maronitas de Gush Halav têm sua etnia específica, a partir da
tradição aramaica.
"Nós sempre sentimos que éramos diferentes dos árabes", afirma Carla Aisa.
A definição, ali, não é inofensiva. Ao definir sua identidade em
oposição à cultura árabe, os maronitas de Gush Halav também se opõem ao
movimento palestino e preferem, assim, aliar-se às autoridades
israelenses.
Nacionalistas palestinos consideram os maronitas "traidores" de uma causa cultural maior.
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