Folha de São Paulo
Quarta 08 de julho 2014
Corpo em crise
Bailarino japonês Min Tanaka mostra em São Paulo seu projeto 'Locus Focus', em que reinventa a dança com movimentos inspirados no butô e na história de cada lugar em que se apresenta
IARA BIDERMANDE SÃO PAULO
O bailarino japonês Min Tanaka, 69, um dos três grandes nomes do butô,
vai se apresentar pela segunda vez no Brasil, após um intervalo de quase
duas décadas.
Ele chega na semana que vem a São Paulo com seu projeto "Locus Focus"
(foco no lugar), que já levou a vários países da Ásia, da África e da
Europa. O espetáculo foi apresentado em bosques, praças, centros urbanos
e zonas rurais.
Junto com Tatsumi Hijikata (1928-86) e Kazuo Ohno (1906-2010), Tanaka
esteve nas origens do butô, movimento artístico que buscou um
entendimento novo do corpo, unindo influências das vanguardas europeias e
das tradições japonesas para reinventar a dança.
Com Hijikata, criador do "ankoku butô" --dança das trevas-- ele penetrou nesse corpo em crise que o butô tenta expressar.
"O butô aponta para as trevas humanas e para a história deste tempo de trevas", afirma Tanaka, em entrevista por e-mail à Folha.
"Esta dança diz respeito à sua gênese, que se refere à resistência do
ser humano, sua capacidade de se reinventar, pois nasceu da experiência
de destruição de um país inteiro (o bombardeio nuclear no Japão em
1945)", diz a atriz Denise Stoklos, que trabalhou em Tóquio com
discípulos de Hijikata e Ohno.
Segundo o bailarino mineiro Marcelo Gabriel, que estudou com Kazuo Ohno,
o dançarino de butô se joga em abismos interiores para entrar em
contato com a pura presença do corpo e romper seus limites --"como um
cadáver que se levanta", nas palavras de Hijikata.
Mas Tanaka não se prende ao rótulo de dançarino de butô. "Não quero um
método preestabelecido. O movimento humano não tem mais nada de novo,
tudo já foi mostrado", diz.
Ele tampouco se restringe à dança em seu trabalho artístico e é também
famoso por sua atuação no cinema. O último trabalho foi o longa "47
Ronins" (2013), em que atuou ao lado de Keanu Reeves.
Não que isso o afaste do butô, que, em suas origens, envolvia artistas
de diversas áreas. "A vanguarda incluía gente da fotografia, do cinema. O
butô era parte do contexto cultural do Japão e do mundo nos anos 1960",
diz Christine Greiner, professora de comunicação e artes do corpo da
PUC-SP.
O cinema, para Tanaka, é como o trabalho que faz na fazenda orgânica que
fundou nos anos 1970 na área rural do Japão. "É uma expressão humana,
portanto, é sobre algo que existe antes da arte'. Não quero deixar o
corpo perder o contato com o que é a própria história da humanidade".
No solo que vai apresentar em São Paulo, a inspiração é o próprio local
onde dança. "Eu não danço EM um lugar, eu danço O lugar, que tem uma
história e um tempo que não é o meu."
"Locus Focus' começa e termina com a afirmação que só o corpo vivo
existe. É impossível apenas assistir à dança de Min Tanaka. O seu corpo,
mesmo que pareça estar em um sono profundo ou mesmo morto, força o
espectador a ficar mais acordado e mais vivo do que nunca", diz Kuniichi
Uno, professor de artes do corpo e do movimento da Universidade Rikkyo
(Japão).
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