"Aqui não há exploração como em outras fábricas têxteis. Todo o
dinheiro é dividido entre as pessoas que aqui trabalham.” A frase soa
estranha entre o ricocheteio rítmico das máquinas de costura. As
condições de trabalho no setor têxtil estão há décadas no centro das
atenções de consumidores conscientes e ativistas. Especialmente depois
que um edifício de oito andares, que abrigava várias oficinas têxteis,
desabou em abril de 2013 em Bangladesh, matando mais de 1.130
trabalhadores. A queda pôs em evidência a dantesca cadeia de produção do
setor têxtil que esquadrinha o planeta em busca dos países com mão de
obra mais barata para produzir peças de vestuário. Porém, as
funcionárias da Try Arm,
uma pequena fábrica nos arredores de Bancoc, garantem que há outro
caminho. “Todas somos donas da fábrica. Há coordenadoras, porém todas
somos iguais”, explica Jittra Cotchadet, uma das que coordenam as
operações.
A Tailândia foi, em certo momento, um desses países cobiçados pela
indústria têxtil. Nos anos 1980, o governo embarcou em um programa de
industrialização, que impulsionou a princípio setores pouco
qualificados, como o têxtil ou de alimentos. O país se encheu de
fábricas, e a Tailândia se converteu em um dos principais exportadores
de roupa para países ocidentais. No entanto o aumento de salários nos
últimos anos afugentou a indústria têxtil, que se mudou para países
vizinhos com mão de obra mais em conta, como Camboja, Mianmar ou mesmo
Bangladesh. As empresas que ficaram substituíram os trabalhadores locais
por outros procedentes desses mesmos países pobres, principalmente
Mianmar.
Foi o que aconteceu na fábrica onde trabalhavam as mulheres da Try Arm,
um jogo de palavras que vêm do nome Triumph, marca que é uma das
líderes mundiais do setor de roupa íntima e proprietária da fábrica onde
trabalhavam. “O caso da Triumph é paradigmático, porque na verdade as
condições das pessoas que lá trabalhavam eram muito boas, já que o
sindicato era muito forte. Até que a empresa decidiu se desfazer do
sindicato”, explica Jittra Cotchadet, que foi, por sinal, uma das
líderes da associação de funcionários. Cotchadet explica que em outras
fábricas os trabalhadores frequentemente fazem horas extras não
remuneradas, são castigados com reduções de salário sem motivo aparente
ou são impedidos de se organizarem. “Na Tailândia é realmente difícil
criar um sindicato. E há represálias por fazer parte deles, como
aconteceu na Triumph”, diz Patchanee Kumnak, ativista por direitos
trabalhistas da organização Thai Labour Campaign.
Essas eram as condições que a Triumph queria lhes impor quando decidiu
fechar a fábrica que tinha em Bancoc e abri-la em uma cidade remota.
“Todos fomos demitidos e nem sequer cumpriram com os dois meses de aviso
prévio”, explica Cotchadet, que foi acusada de lesar a realeza por
liderar protestos dos trabalhadores. A Tailândia tem uma das leis de
lesa-majestade mais duras do mundo, com penas que variam entre 3 e 15
anos de cadeia por insultos à monarquia, e é frequentemente utilizada
com fins políticos ou econômicos.
Após as demissões em massa, os 1.900 trabalhadores organizaram
manifestações em frente à fábrica e ao ministério do Trabalho tailandês
para pedir readmissão. Em troca receberam máquinas de costura e algum
dinheiro como recompensa. E decidiram abrir uma nova fábrica com esses
recursos. “A maioria não acreditava que fosse possível abrir uma fábrica
por nossa conta”, explica Cotchadet, que conseguiu reunir 35
trabalhadoras no projeto, organizando-se em forma de cooperativa. E a
realidade tem sido dura; apesar de até agora terem conseguido
sobreviver, há meses em que o dinheiro não chega.
Agora a fábrica é pouco maior do que uma oficina. Mobiliada com duas
dezenas de mesas brancas com suas respectivas máquinas de costura,
apenas 12 trabalhadoras continuam no projeto. “No começo foi muito
difícil. E é verdade que, inclusive com o que ganhamos agora, eu podia
cobrar mais na outra fábrica. Mas prefiro trabalhar aqui, pois tenho
mais poder de decisão”, assegura Wipa, uma mulher miúda, quase
quarentona, que trabalhou durante 17 anos para a Triumph e que tem
costurado para diferentes marcas desde os 14 anos de idade. “Aqui
sinto-me mais segura, porque depende de mim, não de alguém que queira
me demitir”, afirma. Jarupa, no entanto, preferia trabalhar na fábrica
da Triumph. “Aqui é mais difícil. Nós temos de fazer tudo. Por exemplo,
não temos técnicos para consertar as máquinas. Tivemos de aprender”,
explica ela. “Ainda que não saiba ou não seja boa nisso, tenho de
fazê-lo”, continua.
“O marketing é o mais complicado. No caso, fazer com que as pessoas
comprem o que você produz”, explica Wipa Matchachat, que, além de ajudar
com as vendas, encarrega-se de encontrar tecidos a bom preço. Na falta
de uma rede de distribuição como a da Triumph, as trabalhadoras da Try
Arm usam os contatos pessoais e as redes sociais para expor seus
produtos. “Vendemos, na maioria das vezes, pelo Facebook. Ontem mesmo
vendemos 300 peças pela rede social” diz Jittra Cotchadet, que ganhou
fama de sindicalista combativa e que tem milhares de seguidores nas
redes sociais. “No Facebook posso conversar com os clientes. É como se
fosse uma loja de verdade”, diz.
O grupo também vende seus produtos em alguns mercados e eventos
sociais. O preço é sua principal estratégia de venda. “Creio que a
maioria não compra conosco para apoiar um projeto justo, mas porque
vendemos de fato mais barato e com a mesma qualidade”, explica
Cotchadet.
Try Arm não é a única fábrica desse gênero na Tailândia. A precursora
foi Dignity Returns, outra fábrica “livre de escravidão” que também
nasceu de outra demissão massiva em 2003. A “Fábrica da Solidariedade”,
como é chamada, produz principalmente camisetas e, assim como a
argentina La Alameda e outras três cooperativas, faz parte do projeto
internacional No Chains, que promove a produção têxtil sem escravidão. A
concorrência com as grandes marcas, porém, não é fácil, e na Try Arm
até agora só conseguiram exportar a outros países através de ONGs e
organizações sociais. “Podemos vender mais barato porque não temos
intermediários, mas nossa produção tem custo maior. Não podemos competir
no mercado normal, porque o que importa é o preço”, conclui Cotchadet.
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