Primeiro a polícia levou embora o designer gráfico do "think tank"
(instituto de estudos), depois o rapaz que organizava seminários e, por
fim, o fundador da organização. Outro funcionário abandonou a capital
chinesa, temendo ser forçado a testemunhar contra seus colegas em
julgamentos manipulados.
"A ansiedade é avassaladora", comentou o funcionário, Yang Zili,
pesquisador no Instituto Transição de Pesquisas Sociais e Econômicas, de
Pequim, que vive na clandestinidade desde novembro. "É assustador. A
polícia não está agindo em conformidade com a lei. Ela faz o que quer."
Estes são tempos perigosos para as organizações civis independentes na
China, especialmente as que atuam com causas politicamente delicadas,
como os direitos de trabalhadores, a defesa jurídica e a discriminação
contra pessoas com Aids.
Sob o presidente Xi Jinping, o Partido Comunista estreitou fortemente os
limites das atividades aceitas, desencadeando o medo de que os bolsões
de abertura na paisagem política chinesa, de modo geral restritiva,
possam estar com os dias contados.
Nos últimos meses, o governo reprimiu vários grupos, incluindo um que
combate a discriminação às pessoas com hepatite B e até uma rede
voluntária de 22 bibliotecas rurais. "As pressões sobre as organizações
de base nunca foram tão intensas", comentou Zhang Zhiru, diretor de um
grupo de defesa dos direitos trabalhistas na cidade de Shenzhen, na
província de Guangdong.
Nos últimos 12 meses, seu carro foi depredado e o assédio policial
obrigou seu grupo a mudar sua sede de lugar mais de dez vezes. Seus
últimos cinco funcionários se demitiram em dezembro.
Normas que entraram em vigor recentemente em Guangzhou, cidade do sul da
China, intensificaram o controle de entidades sem fins lucrativos que
recebem doações do exterior. O governo central propôs a intensificação
do controle sobre ONGs (organizações não governamentais) estrangeiras.
Com os filantropos chineses receosos de desagradar às autoridades, o
financiamento recebido pela entidade de Zhang, o Centro de Disputas
Trabalhistas Shenzhen Chunfeng, desapareceu. Até mesmo sites de
financiamento coletivo chineses se negam a incluir a organização em suas
listas.
A campanha também se volta contra grupos vistos como santuários de
dissensão. O Instituto Transição defendia um misto de economia de livre
mercado e apoio aos oprimidos, realizando pesquisas sobre a exploração
de taxistas, sobre políticas de ensino que prejudicam os estudantes da
zona rural e sobre os custos ambientais da enorme barragem de Três
Gargantas, no rio Yangtsé. Mas o instituto também atraiu proponentes de
reformas democráticas, alguns dos quais tinham tido desentendimentos com
as autoridades.
"Sempre esperávamos conseguir sobreviver sob circunstâncias inóspitas",
comentou Yang, 43, o pesquisador agora na clandestinidade. Ele já passou
oito anos na prisão por promover debates informais com amigos sobre
eleições pluripartidárias e uma imprensa livre. "Mas as ONGs mais
independentes, especialmente as que criticam a política governamental ou
não promovem a imagem do governo, têm se deparado com uma política de
contenção e destruição."
O Partido Comunista diz que entidades filantrópicas e outras
organizações de base podem prestar serviços sociais importantes em um
país onerado pela pobreza e pela urbanização, e o número dessas
organizações vem crescendo. Mas o partido também desconfia de qualquer
ativismo cidadão que não tenha como controlar. Para serem registrados
como organizações sem fins lucrativos, os grupos precisam primeiramente
ter o patrocínio de uma entidade estatal. Como muitas outras entidades, o
Instituto Transição optou em vez disso por se cadastrar como empresa.
Anthony J. Spires, professor-associado da Universidade Chinesa de Hong
Kong, estimou que existam entre 2.500 e 3.000 ONGs na China. "Elas
ajudam a preencher uma lacuna na sociedade chinesa, lacuna que o governo
reconhece", disse. Mas, acrescentou, essa tolerância do governo "pode
acabar de uma hora para outra".
O Instituto Transição era especialmente vulnerável, pois grande parte de
seu orçamento anual, de entre US$ 480 mil e US$ 650 mil, vinha de
fundações estrangeiras, segundo ex-funcionários.
Com seus colegas no Instituto Transição desaparecendo um a um, Yang
decidiu partir para a clandestinidade. Ele deixou uma mensagem na
internet para sua esposa, desligou seu celular e fugiu. Num encontro com
um repórter em um local a várias horas de distância de Pequim, ele
disse que sente saudades de sua mulher e seu filho de quatro anos.
Visivelmente nervoso, falou do medo de ser levado de volta à prisão.
Yang disse que se entregará à polícia se for emitido um mandado de
prisão contra ele, mas que não está interessado em cooperar com o que
descreve como a perseguição extralegal de seus colegas.
"Ainda não entendo o que fizemos de errado", queixou-se. "Estávamos apenas tentando ajudar a melhorar o país."
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