Em 26 de março, o site americano GitHub, dedicado a
programadores de software, começou a ser vítima do maior ataque de
negação de serviço de sua história. A ferramenta e a aparente motivação
da investida não merecem menos destaque: o Great Firewall,
infraestrutura que o governo chinês usa para filtrar o tráfego de
internet que chega ao país, foi utilizado. O objetivo, parece, era
convencer o GitHub a excluir de suas páginas alguns conteúdos que as
autoridades chinesas desaprovam, incluindo a edição do New York Times em
chinês. É provável que a identidade dos autores do ataque jamais seja
descoberta, mas o fato é que o conflito online com a China sofreu uma
escalada.
Como sugere o apelido, o Great Firewall (referência simultânea à Grande
Muralha da China e ao dispositivo de segurança usado em redes de
computadores) é uma muralha defensiva, destinada a bloquear conteúdos
estrangeiros que o governo chinês considera impróprios. Fora da China,
até agora os usuários da internet haviam sido pouco afetados. A coisa
mudou de figura em 17 de março, afirmam analistas de segurança, quando
hackers não identificados começaram a usar o firewall chinês para
desviar o tráfego de usuários que tentavam acessar os sites criados pelo
Greatfire.org, um grupo ativista que oferece aos chineses acesso a
conteúdos bloqueados pelo governo do país (incluindo a edição do New
York Times em chinês). O ataque lançado contra o GitHub obedeceu o mesmo
padrão. Em ambos os casos, tráfego vindo do exterior, com destino ao
Baidu, maior mecanismo de buscas da China, foi interceptado e
direcionado para os sites americanos. (Os responsáveis pelo Baidu
informam que não tiveram participação nos ataques e que estão
"determinados" a impedir que eles se repitam.)
O objetivo imediato desse tipo de ação é derrubar o site atacado,
impedindo os usuários chineses de acessar cópias de sites bloqueados
(pelo menos até que outras cópias sejam feitas). No longo prazo, o
motivo pode ser demover as empresas de internet estrangeiras de hospedar
esses "espelhos". O serviço de nuvem da Amazon, por exemplo, hospeda
sites do Greatfire.org que foram atacados. Em 27 de março, os
administradores do GitHub disseram acreditar que a intenção era
"convencê-los a remover uma categoria específica de conteúdo".
Independentemente de quem sejam os autores dos ataques, o fato é que
eles fazem parte de uma ofensiva mais ampla da China contra a ordem
online existente. Desde os anos 90, quando o país estabeleceu sua
primeira conexão com a internet, as autoridades chinesas se preocupam
com duas coisas: a influência que os Estados Unidos exercem sobre a rede
e a dificuldade em controlar o conteúdo online a que seus cidadãos têm
acesso. Os sites estrangeiros começaram a ser filtrados de forma
sistemática em 1996. Então os programadores chineses desenvolveram o
Great Firewall, cujo alcance e raio de ação vem sendo progressivamente
expandido. Faz anos que a ferramenta bloqueia o acesso a Facebook,
Twitter e YouTube, assim como aos sites de algumas empresas de
comunicação estrangeiras, em especial aquelas que andaram investigando o
patrimônio financeiro das famílias de lideranças políticas chinesas.
Depois que Xi Jinping se tornou secretário-geral do Partido Comunista,
no fim de 2012, a censura online - assim como o esforço para silenciar
vozes dissonantes no mundo real - tornou-se ainda mais pronunciada.
Este ano, foram ampliadas as tentativas de eliminar o uso das redes
privadas virtuais (VPNs, na sigla em inglês), que podem ser empregadas
para contornar firewalls. O governo chinês também vem adotando posição
mais firme em relação ao que considera ser a soberania online do país,
exigindo que ela seja respeitada pelas outras nações. O estabelecimento,
por sites estrangeiros, de rotas alternativas que permitam o acesso a
conteúdos bloqueados pode ser entendido como algo que fere essa
soberania online. Em janeiro, a Administração do Ciberespaço da China
(CAC, na sigla em inglês), declarou que o Greatfire.org é mantido por
forças estrangeiras anti-chinesas. (O site não revela quem são, nem onde
se encontram seus fundadores.)
Em 31 de março, o Greatfire.org responsabilizou a CAC pelos últimos
ataques, sustentando ser impossível que o Great Firewall tenha sido
utilizado sem aprovação da agência ou do ministro Lu Wei, a que a CAC
está subordinada. Mas isso é algo difícil de provar. Segundo Nathan
Freitas, do Berkman Center for Internet & Society, da Universidade
de Harvard, a ação não deixou rastros que comprovem o envolvimento do
governo chinês - mas as autoridades do país deveriam esclarecer como uma
infraestrutura de internet tão crítica pôde ser "comprometida por
criminosos". The Economist tentou ouvir a CAC, enviando perguntas pelo
meio de comunicação favorito da agência, o fax, mas não obteve resposta.
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