domingo, 5 de abril de 2015



Quando os terroristas do Estado Islâmico cortam cabeças, queimam prisioneiros vivos e destroem ruínas arqueológicas na Síria e no Iraque, dizem agir em nome do islã --a fé de quase um quarto da população mundial.
Mas, a despeito das manifestações de autoridades islâmicas insistindo que a barbárie do EI não representa essa fé, uma pergunta antiga voltou ao debate: o que há no islã que poderia ser pretexto para justificar as atrocidades dessa milícia radical?
O EI cita trechos do Alcorão, livro sagrado do islã, para justificar algumas de suas ações. Por exemplo, ao decapitar um inimigo, aponta a passagem que pede a um muçulmano "golpear o pescoço" dos que "renegam a fé".
Em outros casos, o EI busca justificar sua violência em tradições medievais e, em parte, num uso seletivo de interpretações do que é o islã.
Um trecho do Alcorão diz que "a bondade" é de quem "concede a riqueza [...] aos escravos", mas o EI se beneficia da opinião de juristas islâmicos para sujeitar minorias, como os yazidis, cujas mulheres se tornam escravas sexuais dos militantes.
No Ocidente, o debate político em torno do EI tem sido feito na linha de "eles não são muçulmanos" e "isso não é o islã", como visto em algumas declarações do presidente dos EUA, Barack Obama. Especialistas sugerem, porém, que essa linha de pensamento é improdutiva.
Para Jonathan Berkey, autor de "The Formation of Islam", de fato o EI não representa o islã e a grande maioria dos muçulmanos desaprova essas ações violentas. No entanto, afirma: "Os membros do EI fazem uma interpretação do islã. É marginal, porém plausível, e isso lhes dá força. Há base em tradições específicas."
Uma das questões problemáticas, diz, é que não há no islã uma autoridade institucional que decida quais interpretações são válidas. Assim, não é possível afirmar o que é "o islã". Tradições conflitantes coexistiram por séculos entre juristas e sábios. Há inúmeros "islãs".
Em diversas de suas posições radicais, o EI se baseia nos estudos do jurista medieval Ibn Taymiya (1263-1328), citado por um de seus líderes intelectuais, Turki al-Binali.
"Se negamos a credibilidade do EI, não estamos lidando com a realidade. Muitos muçulmanos acreditam que o islã é uma 'religião de paz', mas essa é uma generalização que não vale para o islã, o cristianismo ou o judaísmo", afirma Berkey.
Assim como outras religiões, o islã foi repensado em diversos momentos por seus seguidores. No fim do século 19, foram famosas as propostas de Jamal al-Din al-Afghani (1838-1897), que pedia uma modernização da religião em relação à ciência.
Mas, como outros grupos radicais, o EI descarta os debates teológicos ocorridos nos séculos recentes, rejeitando o que enxerga como "inovações".
A linha comum a organizações como o EI e a Al Qaeda passa pelo militante radical egípcio Said Qutb (1906-1966), que influenciou Osama bin Laden. "Há muitas pessoas que dizem que o islã é uma religião da paz e outros que afirmam que é o puro mal", diz à Folha Bernard Haykel, professor da Universidade de Princeton (EUA) e uma das autoridades nos estudos islâmicos. "Mas quem é que decide o que é o islã?"

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