À medida que conquistou mais territórios no Afeganistão neste ano, o
Taleban juntou sua ofensiva militar a uma ofensiva publicitária. Seu
argumento é mais ou menos o seguinte: aprendemos as lições de quando
estivemos no poder e estamos preparados para ser mais moderados.
Nas conferências internacionais, delegados do Taleban -famoso por
proibir as meninas de irem à escola durante o seu regime, que durou de
1994 a 2001- salientaram sua disposição em se reunir com autoridades do
sexo feminino. As posições linha-dura foram se suavizando.
No entanto, para entender como o Taleban governaria, é preciso
considerar o caso do distrito de Baghran, na província de Helmand. Lá,
onde os talebans nunca deixaram o poder, as velhas políticas rigorosas
dos anos 1990 ainda estão em pleno vigor.
Homens são presos se rasparem a barba, e há controles policiais para
verificar se algum corte de cabelo extravagante se esconde sob
turbantes. As mulheres não têm liberdade para viajar.
"Em Baghran, você se sente como se estivesse em um miniemirado do Taleban", disse o comerciante Esmatullah Baghrani, 45.
O celular não funciona em Baghran, refletindo os desejos do Taleban. Em
vez disso, as pessoas se comunicam com o resto do mundo em alguns
"escritórios de chamadas públicas" -telefones em lojas perto do bazar.
Em mais de uma dúzia de entrevistas com os homens que atenderam a esses
telefones e também com homens que estavam por perto, um raro esboço da
vida no reduto mais protegido do Taleban começou a surgir. O "The New
York Times" também entrevistou pessoalmente moradores de Baghran em
Lashkar Gah, a capital provincial.
Provavelmente não há nenhum outro lugar no Afeganistão mais submetido ao
regime do Taleban do que Baghran. "Você tem que obedecer às regras",
disse o comerciante Omar Khan, 35. "Você precisa viver da maneira que o
Taleban quer que você viva: precisa vestir a roupa adequada e um
turbante, deixar crescer a barba, fazer suas preces numa mesquita cinco
vezes por dia, evitar ouvir música e evitar conversas desnecessárias com
as pessoas."
Ainda assim, o governo taleban tem se mostrado atraente, ou pelo menos
tolerável, para muitos camponeses afegãos que vivenciaram décadas de
guerra. Moradores de outras partes de Helmand têm procurado a relativa
segurança de Baghran, migrando para lá.
As execuções públicas foram interrompidas em Baghran em 2007, após um
ataque aéreo americano que matou um grande número de talebans e
moradores que se reuniam para assistir a uma delas, conforme lembraram
alguns entrevistados. Mas, na maioria dos aspectos, as restrições
sociais que fizeram o Taleban se tornar um pária internacional durante o
seu regime foram ressuscitadas na íntegra em Baghran.
As mulheres só saem de casa com seus maridos ou familiares do sexo
masculino, e mesmo assim só para irem ao médico ou a alguns outros
destinos autorizados. Não há escolas para meninas -a educação se limita
ao sexo masculino. O Taleban transformou escolas em madrassas (escolas
corânicas), que os meninos geralmente frequentam por três anos antes de
voltarem às lavouras das suas famílias.
O Ministério para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício, outrora
famoso por espancar mulheres que saíam de casa e homens que tocavam
música, retomou as patrulhas em Baghran. Agentes de prevenção do vício
costumam andar com tesouras para eliminar cortes de cabelo considerados
excessivamente vaidosos.
Apesar das regras, muitos moradores de Baghran assumem os riscos e
continuam a se reunir para jogar baralho. Os rádios são onipresentes e
tolerados, apesar das novas emissoras, como a BBC Pashto, a rádio Mashal
e até a Voz da América. "Não deveríamos ouvir música, mas, às vezes,
quando os talebans estão todos recolhidos, nós escutamos", disse um
homem. Ainda assim, a principal prisão de Baghran costuma ter entre 100 e
200 detidos por infrações desse tipo, como é o caso de Nazir Ahmad, 19,
que passou três dias preso por causa dos seus cabelos cacheados.
O Taleban, que tem um robusto braço de propaganda, raramente fala sobre
Baghran. Isso pode ser em parte por causa da importância da região no
lucrativo negócio de narcóticos da insurgência.
Algumas autoridades do Taleban sugerem que o movimento se tornou mais
moderado. Por exemplo, o grupo não se empenha tanto em combater a
televisão e a música, agora que os celulares estão por toda parte.
Ringtones com temas alusivos ao Taleban se tornaram comuns. O próprio
departamento de propaganda do Taleban, que fornece vídeos e fotos de
comandantes insurgentes e de militantes suicidas no campo de batalha,
zomba da antiga proibição da fotografia.
"Os talebans perceberam que impor leis islâmicas pela força não vai
fazer as pessoas nos admirarem", disse um comandante do Taleban chamado
Fazlullah, que opera no extremo noroeste do Afeganistão. "É o bom
governo que irá conquistar os corações e as mentes das pessoas."
Apesar de as formas mais severas terem prevalecido em Baghran, as
queixas dos moradores muitas vezes têm a ver com privações presentes em
todo o país: a falta de bons médicos e a necessidade de viajar a outros
distritos para comprar alimentos básicos.
Alguns se disseram tristes pela falta de oportunidades para seus filhos,
muitos dos quais trabalham nas plantações de ópio. Muitos moradores
disseram que em geral estão satisfeitos com o governo do Taleban. "Eu
acho que eu gosto do jeito do Taleban", disse Baghrani. "Você vive de
forma simples, do jeito que foi criado."
Nem todos, no entanto, conseguem viver com tamanha simplicidade. Nos
últimos anos, a minoria étnica hazara pôde passar por Baghran com
relativa segurança. Mas, há um mês, isso mudou: anciões hazaras e outros
disseram que o comandante distrital do Taleban, o mulá Ghulam Hazrat
Shahidmal, advertiu que os hazaras já não poderão mais passar.
O único elo que resta entre o governo de Cabul e Baghran é simbólico: o
governo ainda nomeia autoridades para o distrito de Baghran. Todos eles
servem no exílio. "Eu nunca fui até lá", disse o governador do distrito
de Baghran, Salim Rodi, que vive em Lashkar Gah. "Este trabalho é uma
piada."
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