TRIVANDRUM, Índia Antes de entrar no ringue, as mulheres curvaram as cabeças até o chão, como se estivessem entrando em um tempo. Então, a filha do dono de uma loja de doces soltou um gancho de direita. A garota baixinha de Calcutá saltou e se abaixou, como um gafanhoto movido a anfetaminas; ela deixara de ir ao casamento de sua irmã para poder lutar. O som de luva chocando-se com luva ecoou entre as paredes da academia.Num país onde as mulheres enfrentam muitos obstáculos, algumas jovens se preparam para dar socos num palco ilustre. O Comitê Olímpico Internacional acrescentou o boxe feminino aos Jogos de Londres de 2012, após intensa campanha da Índia."É meu sonho que está se realizando", disse Mangte Chungneijang Merykom, 27, mais conhecida como Mary Kom. Ela é a pugilista mais aclamada da Índia e a maior esperança indiana no esporte. Desde 2001, quando a Associação Internacional do Boxe lançou os campeonatos mundiais femininos, ela detém o recorde, com quatro medalhas de ouro.Contando com relativamente pouco apoio do governo, as indianas vêm apresentando desempenho surpreendente nos campeonatos mundiais. A maior concorrente da Índia é a China.Para as mulheres que treinam numa academia patrocinada pelo governo na extremidade sul da Índia, o boxe representa um novo tipo de liberdade.Hema Yogesh, 16, filha de um plantador de especiarias, fugiu de casa para participar de seu primeiro acampamento de boxe. Inicialmente, seu pai ficou furioso. Mas ela não demorou a levar para casa sua primeira medalha de ouro de uma competição estadual. Hema conta que seu pai chorou. Hoje, ele quer que ela compita internacionalmente. O boxe lhe ensinou a ter coragem e ambição, disse Hema. Como a maioria das garotas da academia, Hema vê o boxe como o bilhete de ingresso numa vida de classe média. O governo indiano recompensa atletas com cobiçados empregos no funcionalismo público, geralmente na polícia ou nas ferrovias.Perguntaram a Hema como seria sua vida sem o boxe. Fazendo careta, ela respondeu que teria sido obrigada a ficar em casa, cuidando das vacas de sua família.A ascensão do boxe feminino se dá em meio a grandes mudanças na vida das indianas comuns. Preeti Beniwal, 22, pugilista de Hisar, no norte do país, constatou as mudanças em sua própria família. No tempo de sua mãe, para que pudessem ter chances de um bom casamento, as mulheres precisavam saber tricotar e cozinhar. Hoje, disse ela, a mulher mais cobiçada é aquela que é capaz de ganhar a vida sozinha.Beniwal vê o boxe como o caminho para sua independência. Ela sabe o que a espera no caso de não fazer sucesso no esporte. "Se a gente fracassar neste campo, precisa saber fazer o trabalho primeiro da mulher", disse ela. Ou seja: ser esposa e mãe.Mary Kom está entre as atletas mais valorizadas da Índia atualmente. Ela tem um emprego vitalício na polícia e já recebeu uma série de troféus e honras lucrativos, incluindo o maior prêmio esportivo do país, o Rajiv Gandhi Khel Ratna, que veio acompanhado de quase US$ 15 mil.Para chegar a isso, ela teve que travar várias lutas pessoais. Kom saiu de casa aos 17 anos para frequentar um centro de treinamento esportivo do governo. Ela suplicou ao treinador de boxe que lhe deixasse entrar no ringue."Ela era tão pequena que eu disse 'não'", contou o treinador, L. Ibomcha Singh. Lágrimas rolaram pelo rosto de Mary Kom. O treinador cedeu.Kom manteve o boxe em segredo, sem deixar sua família saber -até ganhar um campeonato estadual, em 2000, e todo o mundo, incluindo seus pais, descobrir o que ela vinha fazendo. Seu pai lhe pediu que desistisse, dizendo a ela que o boxe era perigoso demais. Os membros de seu clã desaprovavam. Os rapazes de sua cidade zombavam dela. Mas Kom aguentou firme. Ela se recorda de ter pensado: "Um dia vou mostrar a vocês quem eu sou".Uma medalha se seguiu a outra. Depois veio o casamento e, então, mais pressões para desistir de lutar."Meu pai me falou: 'Ok, agora você deixa o boxe. Você já está casada'." Ela resistiu. Seu marido, K. Onkholer, ex-jogador de futebol, ficou do lado dela.Hoje, o casal administra uma academia esportiva improvisada em sua própria casa, em Manipur, em parte como meio de manter os adolescentes locais longe de problemas. Situada nas montanhas que fazem fronteira com Mianmar, Manipur é conhecida pelo tráfico de drogas e a insurgência armada; crianças e adolescentes são atraídos para as duas coisas.O próximo desafio de Mary Kom será chegar às Olimpíadas de 2012. Pesando no máximo 45 quilos, ela vem lutando na categoria mosca ligeiro. Para competir nas Olimpíadas pela precisa pesar no mínimo 48 quilos, a mais baixa das três categorias de peso fixadas para mulheres."Vou rezar a Deus para manter meu corpo em forma", disse ela. "Se meu corpo estiver em forma, poderei fazer qualquer coisa."
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