segunda-feira, 2 de novembro de 2009

MIZOGUCHI UTAMARO

Utamaro e suas Cinco Mulheres de Kenji Mizoguchi é um filme sobre a beleza feminina enquanto objeto pictórico. O pintor Utamaro Kitagawa (1753-1806), na sua busca pela beleza, persegue a feminilidade, a "essência da mulher", o que não deixa de ser uma incontornável metáfora do próprio ato criador, da causa da criação artística. No o filme, mostra-se um Utamaro virtuoso, rodeado de discípulos, um artista capaz, como nenhum outro, de acrescentar vida e movimento aos seus retratos femininos. Em contraste, as pinturas de outros artistas manifestam uma completa ausência de vida, ao ponto do que é representado merecer o adjetivo "monstruoso". Por isto, o talento de Utamaro traz-lhe alguns dissabores. Um pintor de uma escola de arte rival sente-se gravemente ofendido na sua honra e desafia Utamaro para um duelo de morte. Utamaro desloca a contenda para a pintura, triunfando uma vez mais através da sua arte. Mas se Utamaro não tem adversário na arte de pintar, já o objeto da sua pintura, o feminino, constitui para ele o grande desafio, uma procura sem fim, na qual ele não deixa de se mostrar desorientado com grandes hesitações. Na busca obstinada da essência do feminino, Utamaro chega mesmo a pintar uma imagem de mulher nas costas de uma modelo, para assim, honrar a beleza das costas desnudas e tentar desesperadamente fazer coincidir a representação com o representado. Numa outra ocasião, e na tentativa de aplacar o desejo do pintor pelo feminino, os amigos de Utamaro propõem-lhe observar secretamente o banho das mulheres de um senhor aristocrata.
O pintor japonês é agora confrontado com uma paleta de mulheres cortesãs muito belas. Aqui a câmara percorre com rapidez o harém como se tratasse de uma mera série de telas. Subitamente, a imagem se fixa em uma certa mulher, Oran, "a mais bela mulher do mundo", o que faz despertar o olhar de Utamaro, que acha ter encontrado finalmente o que sempre procurou ("A mulher"). O pintor pede a Oran que se deixe representar, que se disponha a ser a matéria da futura obra-prima. Muito entusiasmado, ele observa atentamente sua modelo para melhor captar as nuances deste corpo feminino. É muito interessante a caracterização do olhar masculino por parte de Mizoguchi. Um olhar quase onipresente e que fragmenta o seu objeto, indo do todo até os detalhes. Entretanto, o pintor é condenado por excesso de ousadia na execução das suas pinturas, permanecendo cinquenta dias com as mãos amarradas, o que só fará crescer o seu desejo de pintar, de se relançar na busca da beleza feminina.
Das cinco mulheres do pintor, é Okita quem lhe abre, de modo inesperado, o acesso à essência do feminino. Okita, que antes se interrogava sobre o amor, acabou por levar o seu amor até às últimas consequências, assassinando o companheiro que a abandonou, matando a sua rival e dispondo-se a ser punida pelo seu ato criminoso. Mais tarde, Okita relata ao pintor a devastação amorosa que a levou a consumar tal ato. Nas mulheres restantes de Utamaro, esta confissão tem um efeito revelador, elas choram de empatia, identificando-se com o destino trágico de Okita, com a desventura dela. As mulheres de Utamaro afirmam que finalmente os seus olhos se abriram. O que Okita demonstrou com o seu ato foi que é no amor sem concessões que reside a natureza da feminilidade. Okita, que não foi objeto de representação, é quem revela com o seu ato violento, a essência do feminino e, por consequência, a sua beleza. Utamaro já não precisa procurar mais, a ação de Okita acaba fazendo com que ele tenha acesso à natureza do feminino. Uma natureza indissociável da desolação amorosa de cada mulher. Em seu filme, Mizoguchi associa o amor com a voracidade que alimenta o ato criador. De agora em diante, Utamaro não terá mais hesitações e não cessará de pintar a beleza singular de cada mulher, uma por uma. O filme termina com uma sequência de alguns dos seus trabalhos mais belos.





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