Quando o líder norte-coreano, Kim Jong-il, viajou para a China em trem blindado no início de maio, sua visita foi tão envolvida em segredo que a mídia doméstica e internacional foi forçada a especular sobre sua duração, seu propósito –e até mesmo se estava de fato ocorrendo.
Por contraste, a turnê chinesa da Companhia de Ópera Mar de Sangue da Coreia do Norte, que Kim Jong-il ajudou a montar e dirigir, foi recebida com um verdadeiro alvoroço da mídia.
Fotografias da chegada do Mar de Sangue no dia 2 de maio na cidade de Dandong, na fronteira chinesa, foram amplamente transmitidas e se tornaram uma sensação na Internet. A imprensa chinesa acompanhou a companhia em estilo quase paparazzi, falando sobre o jeito de seus artistas (“alegres e amigáveis”), suas comidas prediletas (porco, sopa de macarrão e frutas frescas) e fazendo críticas elogiosas a sua produção do romance chinês clássico “Sonho da Câmara Vermelha” (“o maior sucesso desde ‘Avatar’”).
O público ficou igualmente entusiasmado. Os ingressos para a temporada inicial de quatro dias na ópera em Pequim (que coincidiu com a visita de Kim Jong-il) foram vendidos tão rapidamente que uma segunda temporada foi marcada para o início de julho, desta vez na ópera do centro Nacional de Artes Performáticas. Enquanto isso, os 198 membros do Mar de Sangue viajaram pelo país, enchendo os teatros de Hohhot, na Mongólia, até Fuzhou, Fujian, com as apresentações em muitas cidades esgotadas semanas antes. Inicialmente marcada para durar um mês, a turnê durou dois e meio e foi concluída na cidade de Dalian, no nordeste, no dia 18 de julho.
Quando perguntaram a razão de seu sucesso, durante uma discussão com fãs e jornalistas no centro de artes em Pequim, os artistas do Mar de Sangue deram uma resposta simples: “Somos orientados e recebemos as sugestões de nosso Querido Líder”, disseram, referindo-se a Kim Jong-il.
De fato, foi Kim Jong-il quem decidiu recriar a ópera em 2009 para comemorar o 60º aniversário dos laços diplomáticos entre a China e a Coreia do Norte. (A produção original foi concebida pelo pai dele, Kim Il-sung, em 1961). O líder teria assistido a quatro apresentações em Pyongyang antes de a companhia sair em turnê, inclusive uma com o primeiro-ministro da China Wen Jiabao.
O papel de empresário de ópera não é novo para Kim Jong-il. “Mar de Sangue”, de fato, é nome de uma ópera revolucionária que ele ajudou a criar em 1971. A ópera –baseada em um romance atribuído ao seu pai sobre a brutal ocupação japonesa da península- teria feito tanto sucesso que se tornou nome da companhia e do estilo de ópera revolucionária que inaugurou.
As óperas de estilo Mar de Sangue tinham a intenção de “quebrar o velho padrão da ópera” e “deixar mais humildes” aqueles que a praticavam, afirmaram os participantes na época. Elas incorporam melodias e danças coreanas tradicionais com elementos “revolucionários” para tornar a ópera mais acessível. Os libretos são escritos em verso, para que possam ser facilmente lembrados e cantados e não há recitativos. A orquestra é segue a ideia de “juche”, ou auto-suficiência, significando que há uma mistura de instrumentos coreanos e ocidentais. Um coro “pangchang” marca os estados ideológicos e emocionais dos personagens principais.
Recentemente, atribui-se a Kim Jong-il a declaração que o povo coreano “deveria ter uma compreensão maior da cultura mundial”. Assim, além do retorno do “Sonho da Câmara Vermelha” –que teria sido apresentado 50 vezes para quase 100.000 pessoas em Pyongyang- ele também supervisionou a produção da ópera russa “Eugene Onegin”. O clássico de Tchaikovsky, apresentado pela última vez em Pyongyang nos anos 50, foi encenado no último verão e novamente em fevereiro para celebrar o 10º aniversário do tratado de amizade e cooperação bilateral entre a Rússia e a Coreia do Norte.
Além das possíveis contribuições de Kim Jong-il, o sucesso da ópera na China começa com o próprio “Sonho da Câmara Vermelha”. Escrito por Cao Xueqin, o romance do século 18 é um marco da cultura chinesa; mesmo quem não leu o livro –ou assistiu a versão para TV com 83 episódios- conhece o conto de amor frustrado entre Jia Baoyu e Lin Daiyu, como os ocidentais conhecem Romeu e Julieta. Outro fator é a popularidade da ópera norte-coreana na China, que vem desde a Revolução Cultural de 1966-76, quando as formas teatrais tradicionais da própria China foram proibidas.
Apesar das cinco óperas revolucionárias da Coreia do Norte (agora conhecidas como “obras-primas musicais mundiais”) quase certamente terem se baseado nas “óperas revolucionárias modelo” da China, elas foram ligeiramente menos radicais. O amor romântico era permitido (as óperas modelo chinesas só admitiam o amor entre classes, não entre indivíduos), assim como a fantasia e a mágica (proibidas como superstição na China) e a luta de classes perdeu a ênfase. A mais popular das óperas norte-coreanas foi a “Vendedora de Flores” –apresentada pela Companhia de Ópera Mar de Sangue e assistida na China em sua versão para cinema no início dos anos 70.
Contudo, se esses fatores históricos deram um empurrão à versão do Mar de Sangue para o “Sonho da Câmara Vermelha”, foi de fato a qualidade da produção que fez as plateias do país saírem para ouvir um clássico chinês cantado em coreano. O estilo de ópera Mar de Sangue é um gosto adquirido, mas a produção reproduziu fielmente a história de amor trágica com alta qualidade lírica, dança impecável, roupas e cenários luxuosos (em grande parte fornecidos pelo Ministério da Cultura chinês). A maioria dos artistas se graduaram pelo Conservatório Kim Won Gyun, em Pyongyang, e a orquestra –sob a batuta de Seong In-duk- conhecia a música da ópera de três horas tão bem que seus membros não usavam luzes nos tripés de partitura e tocavam de memória toda vez que o teatro escurecia.
O impacto político da turnê do Mar de Sangue de 2010 não está claro. Kim Jong-il deveria acompanhar o presidente Hu Jintao da China em uma apresentação em Pequim, mas não o fez, o que levou alguns a especularem que Kim Jong-il não estava satisfeito com a visita. O jornal Partido Comunista chinês Diário do Povo, disse que Kim Jong-il tinha deixado Pequim e voltado para casa sem assistir a ópera porque “sua visita tinha atingido plenamente seus objetivos”.
Como intercâmbio cultural, porém, a visita aparentemente foi um sucesso tremendo – que levou os chineses a um auto-questionamento. Nas páginas do Diário de Pequim, o crítico cultural Li Hongyan lamentou o fato que foi preciso uma companhia de ópera norte-coreana para remontar uma importante produção de um clássico chinês. “Se nossos principais diretores não podem ficar famosos mundialmente com a ópera Ocidental ‘Turandot’, por que nenhum deles consegue fazer uma boa ópera de ‘Sonho da Câmara Vermelha’? Será porque ignoram nossa tradição cultural ou porque simplesmente não têm talento?”
Os artistas do Mar de Sangue, porém, não têm planos de descansar em seus louros. Em vez disso, voltam a Pyongyang para ensaiar uma nova produção de outro clássico chinês, “Os amantes de Borboletas”, que sem dúvida será levado a uma turnê pela China assim que estiver pronto.
Por contraste, a turnê chinesa da Companhia de Ópera Mar de Sangue da Coreia do Norte, que Kim Jong-il ajudou a montar e dirigir, foi recebida com um verdadeiro alvoroço da mídia.
Fotografias da chegada do Mar de Sangue no dia 2 de maio na cidade de Dandong, na fronteira chinesa, foram amplamente transmitidas e se tornaram uma sensação na Internet. A imprensa chinesa acompanhou a companhia em estilo quase paparazzi, falando sobre o jeito de seus artistas (“alegres e amigáveis”), suas comidas prediletas (porco, sopa de macarrão e frutas frescas) e fazendo críticas elogiosas a sua produção do romance chinês clássico “Sonho da Câmara Vermelha” (“o maior sucesso desde ‘Avatar’”).
O público ficou igualmente entusiasmado. Os ingressos para a temporada inicial de quatro dias na ópera em Pequim (que coincidiu com a visita de Kim Jong-il) foram vendidos tão rapidamente que uma segunda temporada foi marcada para o início de julho, desta vez na ópera do centro Nacional de Artes Performáticas. Enquanto isso, os 198 membros do Mar de Sangue viajaram pelo país, enchendo os teatros de Hohhot, na Mongólia, até Fuzhou, Fujian, com as apresentações em muitas cidades esgotadas semanas antes. Inicialmente marcada para durar um mês, a turnê durou dois e meio e foi concluída na cidade de Dalian, no nordeste, no dia 18 de julho.
Quando perguntaram a razão de seu sucesso, durante uma discussão com fãs e jornalistas no centro de artes em Pequim, os artistas do Mar de Sangue deram uma resposta simples: “Somos orientados e recebemos as sugestões de nosso Querido Líder”, disseram, referindo-se a Kim Jong-il.
De fato, foi Kim Jong-il quem decidiu recriar a ópera em 2009 para comemorar o 60º aniversário dos laços diplomáticos entre a China e a Coreia do Norte. (A produção original foi concebida pelo pai dele, Kim Il-sung, em 1961). O líder teria assistido a quatro apresentações em Pyongyang antes de a companhia sair em turnê, inclusive uma com o primeiro-ministro da China Wen Jiabao.
O papel de empresário de ópera não é novo para Kim Jong-il. “Mar de Sangue”, de fato, é nome de uma ópera revolucionária que ele ajudou a criar em 1971. A ópera –baseada em um romance atribuído ao seu pai sobre a brutal ocupação japonesa da península- teria feito tanto sucesso que se tornou nome da companhia e do estilo de ópera revolucionária que inaugurou.
As óperas de estilo Mar de Sangue tinham a intenção de “quebrar o velho padrão da ópera” e “deixar mais humildes” aqueles que a praticavam, afirmaram os participantes na época. Elas incorporam melodias e danças coreanas tradicionais com elementos “revolucionários” para tornar a ópera mais acessível. Os libretos são escritos em verso, para que possam ser facilmente lembrados e cantados e não há recitativos. A orquestra é segue a ideia de “juche”, ou auto-suficiência, significando que há uma mistura de instrumentos coreanos e ocidentais. Um coro “pangchang” marca os estados ideológicos e emocionais dos personagens principais.
Recentemente, atribui-se a Kim Jong-il a declaração que o povo coreano “deveria ter uma compreensão maior da cultura mundial”. Assim, além do retorno do “Sonho da Câmara Vermelha” –que teria sido apresentado 50 vezes para quase 100.000 pessoas em Pyongyang- ele também supervisionou a produção da ópera russa “Eugene Onegin”. O clássico de Tchaikovsky, apresentado pela última vez em Pyongyang nos anos 50, foi encenado no último verão e novamente em fevereiro para celebrar o 10º aniversário do tratado de amizade e cooperação bilateral entre a Rússia e a Coreia do Norte.
Além das possíveis contribuições de Kim Jong-il, o sucesso da ópera na China começa com o próprio “Sonho da Câmara Vermelha”. Escrito por Cao Xueqin, o romance do século 18 é um marco da cultura chinesa; mesmo quem não leu o livro –ou assistiu a versão para TV com 83 episódios- conhece o conto de amor frustrado entre Jia Baoyu e Lin Daiyu, como os ocidentais conhecem Romeu e Julieta. Outro fator é a popularidade da ópera norte-coreana na China, que vem desde a Revolução Cultural de 1966-76, quando as formas teatrais tradicionais da própria China foram proibidas.
Apesar das cinco óperas revolucionárias da Coreia do Norte (agora conhecidas como “obras-primas musicais mundiais”) quase certamente terem se baseado nas “óperas revolucionárias modelo” da China, elas foram ligeiramente menos radicais. O amor romântico era permitido (as óperas modelo chinesas só admitiam o amor entre classes, não entre indivíduos), assim como a fantasia e a mágica (proibidas como superstição na China) e a luta de classes perdeu a ênfase. A mais popular das óperas norte-coreanas foi a “Vendedora de Flores” –apresentada pela Companhia de Ópera Mar de Sangue e assistida na China em sua versão para cinema no início dos anos 70.
Contudo, se esses fatores históricos deram um empurrão à versão do Mar de Sangue para o “Sonho da Câmara Vermelha”, foi de fato a qualidade da produção que fez as plateias do país saírem para ouvir um clássico chinês cantado em coreano. O estilo de ópera Mar de Sangue é um gosto adquirido, mas a produção reproduziu fielmente a história de amor trágica com alta qualidade lírica, dança impecável, roupas e cenários luxuosos (em grande parte fornecidos pelo Ministério da Cultura chinês). A maioria dos artistas se graduaram pelo Conservatório Kim Won Gyun, em Pyongyang, e a orquestra –sob a batuta de Seong In-duk- conhecia a música da ópera de três horas tão bem que seus membros não usavam luzes nos tripés de partitura e tocavam de memória toda vez que o teatro escurecia.
O impacto político da turnê do Mar de Sangue de 2010 não está claro. Kim Jong-il deveria acompanhar o presidente Hu Jintao da China em uma apresentação em Pequim, mas não o fez, o que levou alguns a especularem que Kim Jong-il não estava satisfeito com a visita. O jornal Partido Comunista chinês Diário do Povo, disse que Kim Jong-il tinha deixado Pequim e voltado para casa sem assistir a ópera porque “sua visita tinha atingido plenamente seus objetivos”.
Como intercâmbio cultural, porém, a visita aparentemente foi um sucesso tremendo – que levou os chineses a um auto-questionamento. Nas páginas do Diário de Pequim, o crítico cultural Li Hongyan lamentou o fato que foi preciso uma companhia de ópera norte-coreana para remontar uma importante produção de um clássico chinês. “Se nossos principais diretores não podem ficar famosos mundialmente com a ópera Ocidental ‘Turandot’, por que nenhum deles consegue fazer uma boa ópera de ‘Sonho da Câmara Vermelha’? Será porque ignoram nossa tradição cultural ou porque simplesmente não têm talento?”
Os artistas do Mar de Sangue, porém, não têm planos de descansar em seus louros. Em vez disso, voltam a Pyongyang para ensaiar uma nova produção de outro clássico chinês, “Os amantes de Borboletas”, que sem dúvida será levado a uma turnê pela China assim que estiver pronto.
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