segunda-feira, 13 de dezembro de 2010


Livros proibidos e leite em pó: o que eles têm em comum? Estão entre as mercadorias mais valorizadas na lista de produtos desejados por muitos milhões de turistas chineses que vêm a Hong Kong todos os anos.
Nesta antiga colônia britânica, livros considerados politicamente delicados para a China continental estão amplamente disponíveis nas livrarias. E desde que surgiram notícias, dois anos atrás, de que muitas crianças na China tinham morrido ou ficado seriamente doentes depois de beber uma fórmula local adulterada com a substância tóxica melamina [usada em resinas sintéticas], o leite em pó importado tornou-se uma compra prioritária para nossos visitantes.
Quando um escritor chinês cujos livros são proibidos na China visitou Hong Kong recentemente, perguntei se ele teria tempo para um bate-papo.
"Eu adoraria, mas tenho algo realmente importante a fazer primeiro", ele respondeu.
Pensei que provavelmente estivesse ocupado com seu novo livro, que critica ousadamente a alta liderança do país. Mas ele me surpreendeu.
"Preciso levar uma caixa de leite em pó para um amigo", ele disse. "Também preciso comprar mais para meu filho antes de ir embora. Você sabe como é o leite na China", ele disse, revirando os olhos.
A segurança alimentar foi uma questão chave que me levou a deixar Pequim dois anos atrás. Quando eu engravidei, tudo de que os moradores de Pequim se queixam - poluição do ar, ruas perigosas e, principalmente, a segurança alimentar - de repente se tornaram questões reais.
Embora isso tenha sido antes do escândalo do leite contaminado, já houvera muitos sustos alimentares: a comida infantil falsificada que matou 12 bebês em 2004, o corante alimentar cancerígeno que chegou a muitos produtos em 2005, para não falar em ovos falsificados, vacinas falsificadas e farinha contaminada com cal.
Alguns meses depois de voltarmos para Hong Kong, surgiram notícias sobre o leite misturado com melamina - mais de 300 mil bebês ficaram gravemente doentes e pelo menos seis morreram com pedras nos rins resultantes do consumo do alimento adulterado com a substância química industrial.
Por isso não é de surpreender que muitos turistas chineses procurem Hong Kong para estocar leite em pó estrangeiro. Aqui os produtos importados são mais acessíveis e menos taxados. Em uma área comercial agitada e iluminada a néons, existe até uma livraria popular entre os turistas chineses, especializada em livros proibidos na China - e leite em pó japonês.
O proprietário me disse que as vendas de leite em pó aumentaram depois do escândalo da melamina em 2008. Hoje, 90% de seus clientes são da China continental e ele vende até 1.800 unidades de leite em pó por mês - conseguindo o dobro dos lucros que obtém com os livros.
A mídia chinesa também divulgou histórias sobre pessoas que conseguem alimento estrangeiro para bebês através de diversos canais, seja suplicando às famílias que vivem no exterior para que o enviem ou pagando a portadores para trazê-lo de Hong Kong.
Minha prima, uma mãe que trabalha no sul da China, costumava fazer fila com centenas de pessoas para atravessar para Macau para comprar leite para seu bebê.
"Ninguém confia no leite local", ela afirma. "Na verdade, você nunca sabe o que é seguro ou não para comer."
A demanda por leite em pó estrangeiro é tão grande que as autoridades fiscais chinesas impuseram uma nova regra em setembro que corta drasticamente o valor em leite em pó que se pode trazer sem pagar impostos.
A vida de milhões de bebês chineses continua em risco. Este ano, o leite misturado com melamina ressurgiu no mercado, aparentemente reciclado do pó contaminado que não foi destruído no escândalo de 2008. Recentemente, houve acusações de que uma marca de leite em pó chinês causa puberdade prematura nas meninas - embora o fabricante tenha negado isso.
Os pais das crianças afetadas pelo último escândalo estão furiosos. Eles dizem que isto acontece porque as autoridades corruptas que permitem os desvios não foram punidas e seus próprios gritos de ajuda foram silenciados. Um pai que fez campanha em nome de outras famílias foi preso recentemente por dois anos e meio. Outro pai, cujo bebê de 1 ano morreu de falência do sistema urinário devido ao leite contaminado, recebeu uma pena de "reeducação pelo trabalho" este ano depois de se queixar pela internet.
Por isso talvez não seja tão surpreendente que até os autores dissidentes, que não podem levar seus próprios livros para casa, façam questão de comprar algo que podem levar de volta à China: leite em pó. Mas milhões de pais que não podem pagar a viagem para o exterior estão menos satisfeitos.
A mãe de uma garota de 3 anos que ficou com pedras nos rins por causa de beber leite tóxico me contou que as famílias pobres como a dela simplesmente não têm opção.
"As pessoas aqui não podem pagar leite importado, quanto mais ir a Hong Kong", ela disse. "Estamos desesperados, mas o que podemos fazer?"

Nenhum comentário: