Pouco depois de conhecer Charlene Lee, a sua namorada, Wu Zheng a chocou ao beijá-la em uma rua de Pequim. "Eu disse: 'O quê, vocês fazem isso aqui?'", lembra-se Lee, 30. "Eu sou de Cingapura, e nós somos conservadores. Há esse medo constante."
"Senti que não tinha problema", disse Wu, 30, natural de Pequim, sorrindo para Lee.
As lésbicas vivem sob notável liberdade hoje em dia na China como resultado de profundas mudanças sociais ao longo das últimas três décadas de acelerado crescimento econômico e de ser mulher numa sociedade que valoriza muito mais os homens do que as mulheres. A invisibilidade garante às lésbicas espaço para que vivam e amem em meio ao anonimato das megacidades chinesas, com seus milhões de habitantes.
"Acho que as pessoas são mais tolerantes com homossexuais mulheres do que com homossexuais homens", disse a socióloga Li Yinhe. "A China é uma sociedade muito patriarcal. As pessoas consideram realmente vergonhoso se um homem for gay." "A sociedade tradicional basicamente ignora as mulheres sob alguns aspectos, e há uma certa liberdade nisso", afirmou ela. "Mas esse espaço livre não é necessariamente de poder."
Como homossexuais masculinos, os casais de lésbicas não podem se casar ou constituir legalmente uma família. Os parentes muitas vezes também se opõem.
"Os chineses conseguem aceitar que as pessoas sejam gays e lésbicas, mas não dentro da sua família", afirmou Wu, que planeja criar uma loja virtual de brinquedos sexuais.
"Na China, é muito esquisito", disse Ming Ming, uma documentarista lésbica. "Se você não falar a respeito, não existe. Mas, na verdade, não é nada fácil. A pressão para se casar é enorme." Tradicionalmente, espera-se que os homens prossigam a linhagem familiar. Mas, na prática, "é uma enorme vergonha para uma família quando uma filha não se casa", disse Ming.
Além disso, a política chinesa do filho único aumentou a pressão sobre filhas lésbicas para que gerem descendência. O lesbianismo foi oficialmente tabu até 1997. Hoje, a maioria das grandes cidades na China tem bares para lésbicas. Em Pequim e Xangai, há eventos do orgulho gay que são realizados reservadamente para evitar proibições.
A mídia estatal discute o lesbianismo, e o estatal "Diário Jurídico" chegou a noticiar uma pesquisa mostrando que cerca de metade das lésbicas já sofreu violência por parte de parentes e parceiras.
"A mudança está chegando cada vez mais rápido", disse An Ke, organizadora do Salão Lala, um evento semanal de palestras e discussões em um bar de Pequim. "Há mulheres de 70 anos que já vieram", afirmou.
Ming e sua companheira, Shi Tou, estão fazendo um documentário sobre lésbicas chinesas, "Doce Deserto", a ser lançado em 2012. Funcionárias lésbicas do governo e do Partido Comunista recusaram-se a ser filmadas. Ser abertamente gay no governo é um suicídio para a carreira, segundo Shi. "Há pouquíssima coisa a respeito das 'lalas' na China", disse ela, usando a gíria que designa as lésbicas chinesas.
No entanto, o interesse por seus direitos vem crescendo. Uma pesquisa feita em março pela internet sugeriu que um em cada quatro chineses pode apoiar o casamento homossexual. Embora a pesquisa não tenha validade científica, Li disse que ela reflete as suas próprias conclusões.
A lei é um empecilho, mas o mesmo se aplica às atitudes das famílias, que são mais conservadoras nas zonas rurais. Wu Zi, 34, pertence à etnia muçulmana hui, da região de Xinjiang (oeste), e trabalha como cozinheira em Pequim. Ela saiu de casa aos 17 anos. "Percebi que teria de casar se continuasse por lá", disse.
Em Urumqi, capital regional, ela viveu com uma mulher por oito anos até que sua parceira sucumbisse à pressão familiar e se casasse com um homem. Wu disse que seus pais também a pressionavam a se casar. "Então, teve um ano em que eu fui para casa e disse à minha mãe: 'OK, vou me casar -com uma mulher'."
Sua mãe aceitou bem. "Talvez porque ela tenha outros sete filhos", disse Wu.
Muitas lésbicas se casam, segundo ela. "Cerca de 80%. E então todas elas têm casos entre si. A cena lésbica é muito caótica." Xue Lian, 35, da província rural de Hubei, no sudoeste, vive com seu pai de 65 anos em uma pequena aldeia. "Eu realmente não conheço uma só outra lésbica em Lichuan", disse ela. "Aposto que todas elas suprimem isso e se casam. Eu não conseguiria. Para mim, seria como um estupro."
Ela, certa vez, cogitou uma operação para mudar de sexo, pois assim "teria liberdade para ter uma namorada aqui em casa", mas mudou de ideia depois de navegar na internet em 2006. "Eu li sobre lésbicas em Nanjing, que costumavam se reunir perto de uma ponte", disse ela. "Senti que havia encontrado um nome para mim."
Naquele verão, ela criou um blog, chamado "Pessoa Periférica". Ela não quer deixar seu pai, viúvo, mas disse: "Ou meu pai vai ser infeliz, ou eu vou ser infeliz".
Em recente almoço na casa dela, o pai disse: "Ela é uma boa filha, mas desobediente; ela não se casa". Depois, em lágrimas, Xue afirmou: "Eu não me acho uma pessoa egoísta, mas o amor é egoísta". Ela contou que gostaria de se mudar para Pequim.
Wu, de Pequim, quer voltar para Cingapura. Lá é ainda mais aberto, disse ela. "Quando eu morava lá, era totalmente assumida. Aqui, eu não sou."
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