"Se qualquer um pudesse ser um fuzileiro naval, eu jamais teria entrado." Esse é o lema do Corpo de Fuzileiros Navais da Coreia do Sul, revelador do sentimento dessa força sobre sua posição de elite; é uma afirmação corajosa em um país onde a maioria dos homens capazes presta serviço militar obrigatório.
Hoje em dia, porém, esse tipo de orgulho dos fuzileiros e a disciplina dos militares sul-coreanos em geral estão sendo analisados sob um ângulo desfavorável.
Em junho passado, alguns fuzileiros dispararam seus rifles contra um avião de passageiros que se aproximava do aeroporto de Seul, confundindo-o com uma aeronave norte-coreana, em um episódio que levantou dúvidas sobre o treinamento e o preparo dos fuzileiros (eles não atingiram o avião).
Mas episódios muito diferentes se revelaram ainda mais perturbadores para os sul-coreanos.
Em 4 de julho, um cabo dos fuzileiros, que, segundo investigadores foi vítima de prepotência em seu quartel, saiu disparando, matou quatro fuzileiros e feriu um quinto. Em 10 de julho, um fuzileiro se enforcou. Foram encontrados hematomas em seu peito, possivelmente de uma surra anterior. Quatro dias depois, um sargento também se matou.
Esses episódios e outros semelhantes no Exército amplificaram um problema que atinge os 650 mil militares da Coreia do Sul, uma força que se destina a deter agressões da Coreia do Norte. Cada vez mais, as fileiras militares estão cheias de jovens que não experimentaram a guerra e não consideram mais seu serviço obrigatório de 21 meses um "dever sagrado", como faziam seus pais, mas uma interrupção inconveniente de suas vidas e carreiras civis.
Muitos jovens soldados e fuzileiros não estão dispostos a aceitar o tratamento duro há muito tempo tolerado e até incentivado como uma maneira de enrijecer os homens para a batalha.
O Ministério da Defesa anunciou uma repressão às agressões e aos outros abusos. O sistema é especialmente duro no Corpo de Fuzileiros Navais, cujos membros respeitam uma ordem hierárquica baseada no tempo de serviço -uma nova classe chega a cada duas semanas.
Muitos ex-fuzileiros lembram com temor do cabo de picareta de 2 quilos usado por fuzileiros mais velhos como instrumento de correção preferido.
"Você obedece os fuzileiros de uma classe anterior como se fossem deuses", disse Kim Jong-ryeol, um ex-fuzileiro de 51 anos, em Seul. "É isso que faz os fuzileiros passarem por uma chuva de balas na guerra. O que estão tentando fazer é matar a alma dos fuzileiros".
A iniciativa para modificar a vida militar tem implicações mais amplas. Como quase todos são veteranos, o código de ética que praticam nos serviços tende a influenciar a vida civil. Empresas e instituições da Coreia do Sul realizam projetos com rapidez e eficiência, segundo muitos, por causa do sistema de não questionar ordens e respeitar os superiores.
Mas analistas também culparam essa cultura por sufocar a iniciativa individual, incentivar a tolerância à violência física na escola e em casa e encorajar as pessoas nas empresas ou no governo a ignorar a corrupção.
Para o soldado Chung Joon-hyok, que sentiu essa atração, a decisão se mostrou trágica. O jovem interrompeu seus estudos e começou a se exercitar meses antes de se alistar, para garantir que se qualificaria para fuzileiro naval, disse seu pai.
Agora, ele está preso, acusado de conspirar com o cabo acusado do tiroteio de 4 de julho para se vingar de fuzileiros que, segundo eles, os assediaram.
"Sinto muito pelos rapazes que foram mortos", disse a mãe do soldado Chung, Lee Myong-soon, 45. "Mas acho que meu filho também é uma vítima. Espero que seja uma oportunidade para os militares porem fim a suas práticas malignas."
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