A maioria dos participantes era de mulheres. Mil delas, vindas de Fukushima, voltaram a se manifestar no dia 29 de outubro nas ruas de Tóquio para exigir medidas de proteção de seus filhos, protestar contra o conluio entre o governo e os interesses privados para minimizar um risco mal avaliado, e lembrar os valores que o Estado deveria defender, a começar pela proteção da população.
A divulgação dos mapas de depósitos de material radioativo e de preocupantes medições de radiação realizadas mais ou menos oficialmente, informações como a leucemia aguda contraída por Norikazu Otsuka, apresentador de TV que consumia ao vivo produtos da província de Fukushima, alimentam a desconfiança das mães japonesas que muitas vezes têm somente um desejo: se mudar.
"Não confio nem um pouco no que o governo diz", conta Kozue Nogami, cuja filha cursa o ensino primário em Tóquio. "Nem na mídia, que só repete o discurso oficial." O que as prende: o emprego do marido, o empréstimo da casa própria.
Obrigadas a se virar, essas mães criam blogs para trocar informações ou fazem compras pela internet, onde encontram produtos vindos do oeste do Japão, supostamente mais seguros. A sra. Nogami, cujo orçamento alimentar aumentou em 15 mil ienes (R$ 355) ao mês, obriga sua filha a levar uma garrafa de água para a escola. Ela gostaria que sua filha também pudesse levar seu bentô [marmita] para não ter de comer na cantina, mas o diretor é contra.
Esses gestos simples muitas vezes se deparam com as convenções sociais japonesas, muito normativas. O ministério da Educação veicula a ideia de que nada prova o impacto direto das radiações sobre a saúde. "Está tudo bem, não se preocupem" é o discurso martelado pelas autoridades e pela mídia, que as mães não querem ouvir.
A mobilização delas lhes permitiu que obtivessem concessões, como a indicação da origem dos alimentos – a maior parte vem do leste e do norte – e das medições de radiação nas escolas.
Entre as que seguem o discurso oficial, a maioria, não é necessário muito para surgir o temor. "Não temos nenhuma informação", diz uma moradora do distrito de Nakano, próximo ao de Setagaya, onde altos níveis de radiação foram detectados. "Meus filhos comem na escola, mas estou preocupada."
As iniciativas das mães de Tóquio adquirem outra dimensão entre as da província de Fukushima. Lá, várias delas relatam sintomas preocupantes entre os filhos: sangramento nasal, diarreia, inflamação da tireoide. Sachiko Sato, mãe de quatro filhos, ativista da Rede para salvar as crianças das radiações e ambientalista que pratica agricultura orgânica em Kawamata, a 35 quilômetros da usina acidentada, chama atenção para o "abismo entre aqueles que deixaram a região e aqueles que ficaram". Que é seu caso: ela enviou seus filhos para outra cidade, mas não deixou sua casa. "A região de Fukushima é um campo de batalha entre aqueles que são loucos de pensar que podem dominar a natureza e aqueles que a adoram", ela diz.
A sra. Sato considera insuficientes as medidas de monitoramento periódico das crianças por uma ultrassonografia da tireoide. Como muitos japoneses, ela acusa o Estado de utilizar os 2 milhões de habitantes do departamento de Fukushima como cobaias para coletar dados, ao mesmo tempo em que afirmam que não existe perigo. Os dosímetros dados às crianças não são específicos. Os dados reunidos servem para estabelecer índices médios para a região.
As vítimas do desastre nuclear se sentem como as vítimas dos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki em 1945, diz Mari Takenouchi, membro da associação que reúne vítimas de acidentes nucleares desde Hiroshima até Fukushima.
Até o tratado de San Francisco de 1952, que devolveu a soberania ao Japão "conforme as ordens do general MacArthur, comandante das forças de ocupação", o destino das vítimas "permaneceu um segredo militar" e "os médicos japoneses eram proibidos de examiná-las", lembra o Dr. Shuntaro Hida, 94, que era médico do hospital militar de Hiroshima e sobreviveu, milagrosamente. "Após o acidente de Fukushima", ele diz, "centenas de pais vieram me consultar, alarmados com os sangramentos de nariz ou com os inchaços da tireoide de seus filhos. Eu não sabia o que lhes dizer."
Para além da política, as exigências das japonesas levam o debate para o terreno emocional mais fundamental do direito à vida, analisa o antropólogo David Slater, da Universidade Sophia em Tóquio. Era nesse terreno que já se posicionava Michiko Ishimire, professora em Minamata, vítima nos anos 1950-1960 de uma intoxicação por mercúrio despejado no mar que resultou em milhares de mortos e crianças deficientes. Através de seus livros, que misturam romance, poesia e diário pessoal, ela contribuiu para uma lenta conscientização dessa trágica poluição industrial. "Em Minamata, colidiram-se dois mundos: o dos pescadores, que viviam em simbiose com a natureza, e um outro para o qual a natureza era somente um objeto a ser dominado", ela disse.
Meio século mais tarde, com a imagem do "campo de batalha" que se tornou a bela região de Fukushima (provavelmente varrida do mapa por décadas), Sachiko Sato faz a mesma triste constatação. Nenhuma lição foi aprendida com uma tragédia que revelou os riscos aos quais a corrida pelo lucro submete um povo.
A maioria dos participantes era de mulheres. Mil delas, vindas de Fukushima, voltaram a se manifestar no dia 29 de outubro nas ruas de Tóquio para exigir medidas de proteção de seus filhos, protestar contra o conluio entre o governo e os interesses privados para minimizar um risco mal avaliado, e lembrar os valores que o Estado deveria defender, a começar pela proteção da população.
A divulgação dos mapas de depósitos de material radioativo e de preocupantes medições de radiação realizadas mais ou menos oficialmente, informações como a leucemia aguda contraída por Norikazu Otsuka, apresentador de TV que consumia ao vivo produtos da província de Fukushima, alimentam a desconfiança das mães japonesas que muitas vezes têm somente um desejo: se mudar.
"Não confio nem um pouco no que o governo diz", conta Kozue Nogami, cuja filha cursa o ensino primário em Tóquio. "Nem na mídia, que só repete o discurso oficial." O que as prende: o emprego do marido, o empréstimo da casa própria.
Obrigadas a se virar, essas mães criam blogs para trocar informações ou fazem compras pela internet, onde encontram produtos vindos do oeste do Japão, supostamente mais seguros. A sra. Nogami, cujo orçamento alimentar aumentou em 15 mil ienes (R$ 355) ao mês, obriga sua filha a levar uma garrafa de água para a escola. Ela gostaria que sua filha também pudesse levar seu bentô [marmita] para não ter de comer na cantina, mas o diretor é contra.
Esses gestos simples muitas vezes se deparam com as convenções sociais japonesas, muito normativas. O ministério da Educação veicula a ideia de que nada prova o impacto direto das radiações sobre a saúde. "Está tudo bem, não se preocupem" é o discurso martelado pelas autoridades e pela mídia, que as mães não querem ouvir.
A mobilização delas lhes permitiu que obtivessem concessões, como a indicação da origem dos alimentos – a maior parte vem do leste e do norte – e das medições de radiação nas escolas.
Entre as que seguem o discurso oficial, a maioria, não é necessário muito para surgir o temor. "Não temos nenhuma informação", diz uma moradora do distrito de Nakano, próximo ao de Setagaya, onde altos níveis de radiação foram detectados. "Meus filhos comem na escola, mas estou preocupada."
As iniciativas das mães de Tóquio adquirem outra dimensão entre as da província de Fukushima. Lá, várias delas relatam sintomas preocupantes entre os filhos: sangramento nasal, diarreia, inflamação da tireoide. Sachiko Sato, mãe de quatro filhos, ativista da Rede para salvar as crianças das radiações e ambientalista que pratica agricultura orgânica em Kawamata, a 35 quilômetros da usina acidentada, chama atenção para o "abismo entre aqueles que deixaram a região e aqueles que ficaram". Que é seu caso: ela enviou seus filhos para outra cidade, mas não deixou sua casa. "A região de Fukushima é um campo de batalha entre aqueles que são loucos de pensar que podem dominar a natureza e aqueles que a adoram", ela diz.
A sra. Sato considera insuficientes as medidas de monitoramento periódico das crianças por uma ultrassonografia da tireoide. Como muitos japoneses, ela acusa o Estado de utilizar os 2 milhões de habitantes do departamento de Fukushima como cobaias para coletar dados, ao mesmo tempo em que afirmam que não existe perigo. Os dosímetros dados às crianças não são específicos. Os dados reunidos servem para estabelecer índices médios para a região.
As vítimas do desastre nuclear se sentem como as vítimas dos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki em 1945, diz Mari Takenouchi, membro da associação que reúne vítimas de acidentes nucleares desde Hiroshima até Fukushima.
Até o tratado de San Francisco de 1952, que devolveu a soberania ao Japão "conforme as ordens do general MacArthur, comandante das forças de ocupação", o destino das vítimas "permaneceu um segredo militar" e "os médicos japoneses eram proibidos de examiná-las", lembra o Dr. Shuntaro Hida, 94, que era médico do hospital militar de Hiroshima e sobreviveu, milagrosamente. "Após o acidente de Fukushima", ele diz, "centenas de pais vieram me consultar, alarmados com os sangramentos de nariz ou com os inchaços da tireoide de seus filhos. Eu não sabia o que lhes dizer."
Para além da política, as exigências das japonesas levam o debate para o terreno emocional mais fundamental do direito à vida, analisa o antropólogo David Slater, da Universidade Sophia em Tóquio. Era nesse terreno que já se posicionava Michiko Ishimire, professora em Minamata, vítima nos anos 1950-1960 de uma intoxicação por mercúrio despejado no mar que resultou em milhares de mortos e crianças deficientes. Através de seus livros, que misturam romance, poesia e diário pessoal, ela contribuiu para uma lenta conscientização dessa trágica poluição industrial. "Em Minamata, colidiram-se dois mundos: o dos pescadores, que viviam em simbiose com a natureza, e um outro para o qual a natureza era somente um objeto a ser dominado", ela disse.
Meio século mais tarde, com a imagem do "campo de batalha" que se tornou a bela região de Fukushima (provavelmente varrida do mapa por décadas), Sachiko Sato faz a mesma triste constatação. Nenhuma lição foi aprendida com uma tragédia que revelou os riscos aos quais a corrida pelo lucro submete um povo.
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