Ele levantou seu copo de chá. "Eles enchem o copo, depois o deixam cair e quebrar", disse.
As seguintes crianças morreram de frio em janeiro, em campos de refugiados de Cabul onde viviam com suas famílias:
Mirwais, filho de Hayatullah Haideri. Tinha um ano e meio e havia acabado de aprender a andar, amparando-se nas estacas da barraca familiar.
Naghma e Nazia, filhas gêmeas de Musa Jan. Tinham apenas 3 meses de idade.
Ismail, filho de Juma Gul. "Ele nunca ficou aquecido em toda a sua vida", disse Gul. "Nem uma só vez."Foi uma vida curta, durou apenas 30 dias.
Essas crianças estão entre as 22 que morreram no mês passado, período de nevascas e frio excepcionais. As autoridades dizem duvidar do frio como causa, mas as mortes geraram questionamentos entre trabalhadores humanitários em Cabul.
Após dez anos de uma grande presença internacional, o que inclui 2.000 ONGs, pelo menos US$ 3,5 bilhões de dólares em ajuda humanitária e US$ 58 bilhões em assistência ao desenvolvimento, como é possível que haja crianças morrendo de algo tão contornável quanto o frio?
"O fato de todo ano haver inverno não deveria ser uma surpresa", afirmou Federico Motka, da ONG alemã Welthungerhilfe, uma das poucas a atuarem nesses acampamentos.
As mortes ocorreram em dois campos: Charahi Qambar (oito mortes atribuídas ao frio) e Nasaji Bagrami (14 mortes). Algumas pessoas vivem lá há sete anos.
"Há 35 mil pessoas nesses acampamentos no meio de Cabul, sem calefação nem eletricidade no meio do inverno; isso é uma crise humanitária", disse Michael Keating, coordenador humanitário da ONU no Afeganistão.
Os acampamentos não têm direito a receber a ajuda ao desenvolvimento porque são considerados instalações temporárias - e muitas autoridades afegãs se opõem à sua existência. Por outro lado, como eles estão numa situação de "emergência crônica", a maioria dos doadores considera que não representam mais uma crise humanitária.
A taxa de mortalidade entre crianças menores de cinco anos nos acampamentos é de 144 por 1.000, disse Julie Bara, da ONG francesa Solidarités International, que mantém um programa de saneamento e ajuda alimentar emergencial nesses lugares.
Moradores disseram que as distribuições feitas pelo Programa Mundial de Alimentos pararam no ano passado. Uma porta-voz disse que o programa fornece alimentos apenas para grupos vulneráveis, como viúvas e deficientes físicos.
Nos acampamentos mais atingidos, os homens, mesmo quando arrumam trabalho como vendedores ambulantes, têm renda tão limitada que precisam escolher entre comprar comida ou lenha. "A gente não morre de fome, mas morre de frio", afirmou um pai.
Mas crianças subnutridas ficam muito mais propensas a sucumbirem à hipotermia.
Em 15 e 22 de janeiro, Cabul sofreu duas fortes nevascas. A combinação de frio e umidade foi letal. O pai de Mirwais, Haideri, foi acordado às 5h do dia 15 pelo chamado à oração no campo de Charahi Qambar, e encontrou seu filho duro como uma tábua. "A cor dele estava escura, como uma folha congelada", contou.
No campo de Nasaji Bagrami, as gêmeas univitelinas Naghma e Nazia morreram naquela mesma noite de 15 para 16 de janeiro.
Essas crianças estavam sob cobertores, dormindo com parentes. Mas moradores do acampamento explicaram que crianças muito pequenas geralmente não têm condições físicas de manter os cobertores bem presos junto ao corpo, nem de pedir ajuda.
Mohammad Ismail também perdeu um casal de filhos -Fawzia, 3, na primeira nevasca, e Janan, 5, na segunda. Sobraram dois: um bebê e Tila, 7.
"Eles choram a noite toda por causa do frio", disse Ismail. Os dois irmãos dela estão enterrados sem lápides num terreno baldio que se tornou o cemitério do campo de Nasaji Bagrami. Tila conhece o lugar. "Ela vai lá todo dia para visitar seu irmão", contou o pai.
Nenhum comentário:
Postar um comentário