domingo, 5 de fevereiro de 2012


Quando Kim Jong-un fez sua estreia como aparente herdeiro norte-coreano em setembro de 2010, ele se parecia muito com seu avô, o mais próximo que os norte-coreanos tinham de um deus, a ponto das autoridades de inteligência sul-coreanas terem notado que muitos norte-coreanos, ao verem o jovem pela primeira vez na televisão, caíram em lágrimas. “O regime deseja que seu povo veja Kim Jong-un como o Grande Líder Kim Il-sung reencarnado”, disse Kim Kwang-in, chefe do Centro de Estratégia para a Coreia do Norte, uma organização de pesquisa com sede em Seul, que reúne informação a partir de fontes dentro da Coreia do Norte. “Eles o engordaram e lhe deram um amplo treinamento –e também cirurgia plástica, alguns até mesmo diriam– para torná-lo igual ao seu avô.” Independente de a demonstração de júbilo em 2010 ter sido genuína ou uma propaganda orquestrada pelo Estado, ela marcou o início do que Kim e outros analistas daqui chamam de “política de avatar” na Coreia do Norte. Desde sua elevação à liderança após a morte de seu pai, Kim Jong-il, em dezembro, Kim Jong-un tem se apresentado como uma quase réplica de seu avô, Kim Il-sung –na forma como bate palmas, caminha com os ombros jogados para trás e exibe barriga, costeleta, queixo duplo e bochechas semelhantes. A embalagem de Kim como personificação do ainda amplamente reverenciado presidente fundador da Coreia do Norte sugere uma máquina bem lubrificada em funcionamento para criar um novo líder. Que tipo de líder ele será –figurativo, outro Kim Jong-il ou um Deng Xiaoping norte-coreano– permanece tema de especulação febril em Seul. Por ora, a estratégia de Kim de assumir a personalidade de seu avô e explorar a nostalgia pelo “Grande Líder” para justificar e consolidar sua sucessão dinástica reflete a magreza de seu próprio currículo, assim como a extensão das sombras de seu avô e pai, sob as quais ele deve governar. “Quando os norte-coreanos veem Kim Jong-un, eles pensam em Kim Il-jung quando tinha 33 anos”, disse An Chan-il, um ex-oficial do exército norte-coreano. An, 57 anos, se referia a quando Kim Il-sung, um líder guerrilheiro que lutava pela independência coreana, entrou em Pyongyang no final do domínio colonial japonês em 1945, se apresentando como um libertador sorridente. Na verdade, foram os americanos e os soviéticos que libertaram a Coreia do Japão e a dividiram entre eles.
“Após as dificuldades dos últimos anos, os norte-coreanos anseiam por outro libertador”, disse An, que desertou para a Coreia do Sul em 1979 e trabalhou como analista do governo em Seul até abrir seu próprio grupo de pesquisa, o Instituto Mundial para Estudos da Coreia do Norte, em 2010. Kim Jong-il foi um mestre da propaganda que dirigiu vários filmes. Sua última obra pode ter sido escolher Kim Jong-un como um sucessor que herdou a política de seu pai, mas a face de seu avô. Kim Jong-il sabia que, diferente de Kim Il-sung, ele e sua aparência simples, em forma de pera, eram detestados por muitos norte-coreanos (ele já chamou a si mesmo de “um anão feio”, segundo sul-coreanos que o conheceram). Desde a morte de Kim Jong-il, a imprensa estatal norte-coreana jurou que Kim Jong-un seguirá fielmente o lema de seu pai, a política dos “militares em primeiro lugar”. Essa abordagem dá prioridade máxima à alocação de recursos para as forças armadas, o elemento central dos esforços do pai, e agora do filho, para manter a unidade interna. Mas os 17 anos de governo de Kim Jong-il foram marcados por inundações, secas, fome em massa e aprofundamento das sanções internacionais em resposta ao seu programa de armas nucleares. Em público, ele frequentemente parecia rígido e distante. Generais servis mantinham uma distância deferente dele. Poucos norte-coreanos comuns alguma vez o ouviram falar. Em comparação, Kim Jong-un exibe uma postura confiante que lembra a de seu avô, que é frequentemente descrito nos livros escolares norte-coreanos e murais como um líder cercado por crianças e trabalhadores. A fisionomia jovem de Kim como novo construtor de nação surge enquanto o regime prometia ao seu povo há muito sofredor “uma nação forte e próspera”. Sorrindo, provando sopa na cozinha da escola, dando braços aos trabalhadores, subindo em um tanque com soldados, abraçando os jovens pilotos correndo na direção de seu peito em lágrimas e aproximando generais experientes do exército para lhes dar alguns conselhos, Kim Jong-un parece em casa em seu novo papel como “eobeoi” nacional, ou “pai”, como seu avô e os antigos reis coreanos eram tratados pelos seus súditos.
Mas as coisas em Pyongyang podem não estar transcorrendo tão bem quanto parece. Lee Han-woo, um editor do jornal sul-coreano de circulação em massa, “Chosun Ilbo”, e que escreveu livros sobre os antigos reis coreanos, disse que a Coreia do Norte compartilha semelhanças com a dinastia Yi, que governou a Coreia por cinco séculos, até o Japão anexar o país em 1910. Doze dos 27 reis da monarquia assumiram o trono quando ainda eram adolescentes e quatro na faixa dos 20 anos. Os reis jovens dependiam de regentes ou ministros mais velhos até consolidarem sua própria autoridade ou serem vítimas de golpes palacianos. O tio de um jovem rei usurpou o trono, o meio-irmão de outro rei foi suspeito de envenená-lo para tomar o poder, e vassalos destronaram um rei tirano e colocaram em seu lugar um de seus meio-irmãos. Essas histórias ajudam a instigar a queda dos sul-coreanos por fofocas palacianas cercando Kim Jong-un, que se acredita que tenha pouco menos de 30 anos e possui um tio influente, Jang Song-taek. Jang serve como mentor de Kim, mas suas ambições fora isso estão envoltas em mistério. Kim também tem um meio-irmão, Kim Jong-nam, que vive em um semiexílio na China e conversa regularmente com jornalistas do Japão, o inimigo jurado da Coreia do Norte, para prever a ruína do governo de seu meio-irmão. Suas críticas ousadas a Kim Jong-un alimentaram a especulação de que a China e certos generais em Pyongyang possam estar protegendo ele como uma opção, caso as coisas deem errado na sucessão de Kim Jong-un. Oficialmente, Pequim expressou apoio a Kim Jong-un. Cheong Seong-chang, um analista do Instituto Sejong, disse acreditar que Kim Jong-un já tinha se estabelecido solidamente como sucessor antes da morte de seu pai. Os generais que sua mãe, Ko Young-hee, ajudou a promover antes de sua morte em 2004 o apoiaram, disse Cheong. Mas outros acreditam que Kim é pouco mais que uma figura decorativa, com o verdadeiro poder pertencendo ao seu tio, Jang. Por ora, Kim parece ser uma figura representativa de seu avô e pai mortos, dizem muitos analistas. Na dinastia híbrida stalinista-confuciana criada por seu avô e pai, ele é apresentado como tendo o direito divino de governar devido aos seus laços de sangue com Kim Il-sung. Isso também significa que ele pode colocar em risco sua própria legitimidade como líder se rejeitar as políticas de seu pai e tentar introduzir mudanças radicais. Esse mesmo temor assombra a elite, cujos interesses, enraizados em seus laços com a família Kim, também são conferidos pela hereditariedade. “Independente de qual possa ser a agenda pessoal dos elementos-chave, Kim Jong-un e a nomenclatura de Pyongyang estão no mesmo barco, com seu destino atado pelo senso mútuo de crise”, disse Kim Kwang-in.
A coesão interna da Coreia do Norte começou a enfraquecer durante a fome dos anos 90, quando o Estado fracassou em fornecer rações e deixou que as famílias se virassem por conta própria. O regime não perdeu tempo com o jovem Kim. Desde o funeral de seu pai, ele tem visitado uma unidade militar a cada quatro ou cinco dias, se apresentando como um comandante competente e que se importa, acentuando aquela que talvez seja sua qualificação mais importante como líder, que ele mais se parece com seu avô do que com seu pai impopular. “Parece que o DNA saltou do avô para o neto, pulando o pai”, disse Lee Yun-keol, o biólogo norte-coreano que desertou para a Coreia do Sul em 2006 e agora lidera o Centro de Serviço de Informações Estratégicas sobre a Coreia do Norte, uma organização de pesquisa privada. “Então agora temos um novo líder que se parece com seu avô. Mas isso não muda muita coisa no Norte.”

Nenhum comentário: