domingo, 5 de fevereiro de 2012


Quando ele olha para fora do mundo congelado no tempo da mais antiga academia confuciana privada da Coreia, Park Seok-hong vê o resto do país “se transformando em um reino de bestas”. Ele aponta para notícias recentes como evidência: jovens xingando passageiros idosos no metrô e crianças se suicidando para escapar do bullying ou da pressão da vida escolar hipercompetitiva. “Nós podemos ter desenvolvido nossa economia, mas nossa moralidade está à beira do colapso”, disse Park. “Nós temos que revitalizá-la e aqui é onde podemos encontrar uma resposta.” Park é o curador-chefe da Sosu Seowon, um complexo de 11 salas de aula confucianas e dormitórios aberto em 1543, nesta cidade a 160 quilômetros ao sudeste de Seul. Na Coreia do Sul, onde a palavra “confuciano” há muito é sinônimo de “antiquado”, pessoas como Park ganharam recentemente terreno com sua campanha para redespertar o interesse pelos ensinamentos confucianos, que acentuam a harmonia comunal, o respeito pelos idosos e a lealdade ao Estado –princípios que muitos coreanos mais velhos acreditam estarem ausentes nos jovens. Nos últimos cinco anos, um número crescente de estudantes –até 15 mil por ano– vem aqui para um curso sobre etiqueta confuciana. Em outros lugares, cerca de 150 outras seowon, ou academias confucianas, reabriram para programas extracurriculares semelhantes, disse Park Sung-jin, diretor executivo da Associação Nacional das Seowon da Coreia. "Eu vim aqui para que o vovô me repreenda menos”, explicou Kang Ku-hyun, um aluno da 6ª série de Seul. Em uma segunda-feira recente, sua mãe levou apressadamente Ku-hyun e sua irmã ao ônibus. Após três horas de viagem, o ônibus deixou 40 alunos do ensino primário aqui para uma “estada em seowon”. Por três dias, as crianças experimentaram a vida dos estudantes confucianos do passado, recebendo instruções que há muito desapareceram do currículo escolar oficial, incluindo etiqueta no jantar e à mesa de chá, assim como modos apropriados para se dirigir aos pais de alguém. “Meus joelhos estão doendo de tanto ajoelhar”, disse a irmã de Ku-hyun, Kang Chae-won, 10 anos, após praticar reverências de sua posição no chão. “Pelo menos eu aprendi como me curvar de modo correto. O vovô vai ficar satisfeito.”

A estadia na seowon faz parte de uma tendência maior que surgiu há uma década, após a crise financeira asiática, quando a Coreia do Sul sofreu reveses econômicos, um aumento do desemprego e taxas de suicídio, e muitas perceberam uma perda dos valores que acreditavam ter sustentado os coreanos mais velhos durante adversidades muito maiores, como as que se seguiram à Guerra da Coreia de 1950 a 1953. Nos últimos meses, a Coreia do Sul também tem lidado com uma autoanálise, depois que meia dúzia de alunos vítimas de bullying na escola tiraram suas próprias vidas. Uma série de suicídios de soldados também chocou o país, que depende do recrutamento militar para se proteger da Coreia do Norte. Para tratar desse mal-estar, templos budistas passaram a oferecer “estadias no templo”, onde moradores urbanos tentam meditação e equilíbrio. Os fuzileiros navais oferecem “campos de sobrevivência”, onde as crianças se arrastam em percursos de obstáculos, em um regime que visa estimular a camaradagem e a perseverança. Apesar de seus alertas, Park não chega a defender uma substituição do atual sistema escolar por academias confucianas. Mas ele acredita que ele tem muito a aprender com as seowon. Séculos atrás, meninos cuidadosamente selecionados de toda a Coreia viviam vidas reclusas neste campus cercado por pinheiros, um riacho e um lago. Eles liam os clássicos confucianos e recitavam poemas sobre a natureza. Eles iniciavam e encerravam seus dias visitando um templo onde os sábios confucianos eram venerados. Eles se ajoelhavam duas vezes, com a cabeça tocando o chão, antes de responderem as perguntas de seu professor sobre a leitura do dia. No seu auge, mais de 700 dessas academias pontilhavam a Coreia, treinando os candidatos ao funcionalismo público e servindo como guardiãs do confucionismo, que fornecia a ideologia de governo da dinastia Yi (1392-1897).
Há uma ironia no interesse renovado pelas seowon e pelo confucionismo. Por décadas, muitos coreanos lutaram para se libertar da rigidez da tradição confuciana, a culpando por coisas como a cultura corporativa rigidamente hierárquica e a preferência de séculos pelos meninos, que já levou a um excesso de abortos de fetos femininos. De fato, o famoso zelo dos pais coreanos pela educação de seus filhos –uma obsessão tanto elogiada como fonte do rápido crescimento econômico do país quanto criticada pelos males associados à alta pressão da vida escolar– teve origem nas seowon. Os velhos institutos enfatizavam a memorização dos textos clássicos em preparação para os exames do funcionalismo público e estabeleceram a tradição de associar aprendizado acadêmico com status social. As seowon eram quase exclusivamente para os meninos da classe “yangban” de elite. A corte real apoiava muitas delas, permitindo que os jovens aristocratas estudassem por anos sem se preocupar com o custo. Quando todas, com exceção de 47, foram fechadas em 1865, elas tinham se tornado ninhos da corrupção e da política facionária que enfraqueceu a dinastia, muito antes da anexação da Coreia pelo Japão em 1910. Sob o governo colonial japonês, que durou até 1945, a Coreia adotou um sistema de educação universal com um currículo influenciado pelo Ocidente. As seowon que restaram serviam principalmente como templos, onde os coreanos que se importavam com as tradições realizavam rituais em honra aos sábios confucianos. Mesmo assim, os defensores da importância das seowon na história coreana argumentam que a Coreia contemporânea tem muito a aprender com a antiga. Quando as seowon funcionavam de modo apropriado, “elas enfatizavam a formação do caráter e a harmonia com a natureza”, disse Lee Bae-yong, uma historiadora e ex-presidente da Universidade Ewha da Mulher, em Seul.
Lee, atualmente presidente do Conselho Presidencial para Imagem da Nação, cujo portfólio inclui a promoção da imagem internacional da Coreia do Sul, está liderando uma campanha do governo para que as seowon sejam adicionadas à lista do patrimônio histórico da humanidade da Unesco. Em janeiro, a Unesco concedeu a nove seowon, incluindo a Sosu, uma designação provisória. Os velhos acadêmicos confucianos em túnicas brancas e chapéus pretos altos há muito se foram da Sosu Seowon. Em vez deles, turistas espiam as salas de aula decoradas com ditados confucianos. Grande parte do programa de estadia na seowon ocorre em uma réplica vizinha, onde os aspectos de um estilo de vida mais antigo –tramar esteiras de palha de arroz, andar em carros de boi, recitar textos confucianos– são reencenados para os turistas. Park, o curador-chefe, pode passar horas falando sobre o que acha que está errado com a “educação lixo” de hoje –uma ênfase excessiva em inglês e matemática, em detrimento da ética e história. Mas até mesmo ele reconhece que pregar o confucionismo na Coreia de Sul atualmente pode ter seus limites. Nas últimas duas décadas, ele aproveitou cada oportunidade que teve para promover o aprendizado do confucionismo –para todos, de autoridades do governo a turistas visitantes. “Eles aceitam um décimo do que digo”, ele disse. “Eles olham para mim como se eu fosse louco, ultraconservador, fora de moda. Eu me sinto como um pária.”

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