Um pouco depois das 7h, chova ou faça sol, Grace Chan, 65, sobe e desce por uma das muitas trilhas de montanha nesta metrópole subtropical que é Hong Kong.
À mesma hora todos os dias, Tang Shuet Pik, 75, pratica a arte marcial chinesa tai chi em Victoria Park, um santuário em um dos distritos comerciais mais movimentados de Hong Kong. Já Tang Yuet Lin, de 80 anos, é vista fazendo alongamentos antes de mergulhar nas águas da praia de Silverstrand, para sua sessão diária de natação.
Apesar da poluição e da cozinha cantonesa que muitas vezes é oleosa, as mulheres em Hong Kong são as que mais vivem entre as populações do mundo, e isso se devem em parte a uma tradição de exercícios ao nascer do sol que deixa muitos filhos, filhas e os outros de nós envergonhados.
A expectativa de vida média das mulheres aqui é de 86,7 anos, de acordo com as estatísticas do governo publicadas no mês passado. Para os homens é de 80,5 anos. Isso já representa um aumento dos 78,5 anos para mulheres e 72,3 anos para homens de 30 anos atrás. O estudo atribuiu o aumento na longevidade à melhoria do atendimento médico e à maior consciência em relação à saúde.
Lugares como Mônaco, Andorra e Japão também estão consistentemente entre os mais altos em expectativa de vida (enquanto Suazilândia e Zâmbia estão entre os piores). O “South China Morning Post”, jornal na língua inglesa daqui, publicou no mês passado que as mulheres em Hong Kong hoje têm a maior expectativa de vida no mundo, superando o Japão pela primeira vez.
Isso, é claro, depende de como você aborda os números, mas uma coisa é certa: as mulheres mais velhas de Hong Kong estão em plena atividade nos recantos mais sossegados da cidade toda manhã e o exercício está contribuindo para a qualidade e duração de suas vidas.
Chan aposentou-se quando tinha 50 anos, após trabalhar em escritórios e criar um filho nada atlético, segundo ela. A caminhada é atualmente sua principal ocupação.
Às 6h se levanta e, depois de uma tigela de mingau de aveia, começa sua subida de três quilômetros pela rua Monte Parker. Com calça cinza e camiseta verde e uma sacola preta com água e um guarda-chuva, Chan marcha a uma velocidade que deixaria muitas pessoas sem ar. Mas ela fala fluidamente como se estivesse sentada com uma xícara de chá.
Ela aponta para o local onde há pouco tempo um gato encontrou-se com uma cobra venenosa verde bambu, de 30 cm. A escaramuça terminou em empate, porque um observador próximo espantou as duas criaturas, que se afastaram uma da outra. Mas ela estava apostando no gato.
As árvores em toda volta têm cipós grossos chamados Birdwood`s Mucuna. Ela explica que, em abril, as flores dão feijões que podem ser usados para sopa. E ali, naquele mesmo lugar onde hoje tem uma placa, havia uma árvore grande que foi arrancada por um tufão.
Chan está em boa companhia. Naquela manhã, como em todas as manhãs, o caminho está cheio de indivíduos que pensam como ela. “Ela tem 80 anos; ele tem 88”, diz ela apontando para os outros.
Ela conhece todos. Uma mulher perto dos 70 anos passa sua frente na subida, correndo para encher de água uma garrafa grande vazia que carrega nas costas. Chan explica que a montanhista prefere a água do alto do morro do que a da torneira lá em baixo.
Um homem sorridente e sem camisa, com bíceps definidos, subitamente surge descendo a ladeira. Chan o cumprimenta e coloca um doce na mão dele. Ele tem 92 anos.
Chan joga água no rosto, em uma pequena fonte ao longo da estrada. Logo acima, em meio aos arbustos crescidos, há um cemitério pequeno e esquecido por todos, menos por sua geração.
Ela atribui a longevidade das mulheres de Hong Kong em parte à boa nutrição. Depois das caminhadas matinais, ela vai ao mercado comprar peixe para fazer no vapor e legumes para ferver ou refogar.
Outra coisa que afeta positivamente sua saúde, segundo ela, é o prazer que tem de se socializar com outros na trilha. Acima de tudo, o exercício é o maior fator. Ela jura que se recupera mais rápido de gripes e resfriados do que quando era mais jovem e sedentária.
Poucos quilômetros a oeste e ao nível do mar, fica Victoria Park, o maior no antigo território britânico, construído em terras devolutas nos anos 50.
Nenhuma parte do parque fica vazia pela manhã. Grupos de dançarinos, corredores e praticantes de tai chi lutam por espaço. Tang Shuet Pik vem ao mesmo lugar há 10 anos para fazer seu tai chi.
Em certa manhã, ela lentamente transfere o equilíbrio de um pé ao outro, com sapatos cor de rosa, e os braços se movendo em sincronia com outros no grupo. Em uma pequena caixa de som, ouve-se música tradicional.
Em uma pausa, Tang diz que foi dona de casa quando era jovem, mas costurava para fora para ajudar a criar os cinco filhos. Quando eles e os seis netos cresceram, ela procurou no parque uma fonte de exercícios e companhia.
Ela diz que o tai chi a ajuda a andar com mais firmeza. “Algumas vezes, eu tropeço, mas consigo recuperar o equilíbrio rapidamente”, diz ela. Outro benefício: a camaradaria no parque e o café da manhã em grupo depois da sessão. “E estar fora de casa. Naturalmente deixa você mais feliz”.
No porto de Hong Kong, no continente, Tang Yuet Lin, doméstica e caixa aposentada, nada na mesma praia há 40 anos. Mas para chegar até a água todos os dias, ela anda 20 minutos de casa e desce 180 degraus até a praia. E se alonga por 20 minutos.
Tang atribui a longevidade de seus pares primariamente ao exercício e também à dieta. Ela evita comer mangas e lichias demais, alimentos que muitos aqui acreditam tirar o corpo de equilíbrio. E quando suas pernas ficam doídas, ela bebe um chá de ervas de um médico chinês. “Ajuda o corpo a se realinhar”, diz ela.
Só mais uma pergunta, já que Tang parece estar ansiosa para continuar sua rotina de exercícios: qual estilo de nado ela prefere? Ela ri. O filho dela chama de “nado da cobra”, diz ela. Ela puxa um visor sobre o rosto para evitar que a pele se queime com o sol e entra na agua.
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