A dona de casa Parvin Namin, 60, passou anos economizando o dinheiro da família para investir num apartamento ou num pequeno comércio. Mas o projeto foi enterrado na semana passada, quando a desvalorização vertiginosa da moeda iraniana reduziu pela metade o valor do patrimônio acumulado.
Namin é vítima de um terremoto cambial que afeta a vida da maior parte da população e agrava a crise gerada por um misto de sanções ocidentais e gestão controversa dos recursos do petróleo.
A cotação do rial, moeda nacional, despencou cerca de 40% em relação ao dólar depois que o governo criou um centro nacional de câmbio para tentar controlar a circulação de divisas. Em vez de estabilizar um rial já em queda havia anos, a medida foi vista pelos mercados como prova da escassez das reservas estrangeiras.
Se US$ 1 valia cerca de 22 mil riais há duas semanas, a cotação superou 40 mil riais durante algumas horas na segunda-feira, 1º de outubro, antes de fechar em 37,5 mil riais. O governo suspendeu as operações de câmbio e pediu à população que parasse de correr atrás de dólares.
Comerciantes e doleiros protestaram em Teerã contra o presidente Mahmoud Ahmadinejad. Os influentes lojistas do mercado central da capital fecharam as portas por não conseguir fixar preços dos produtos à venda.
Em meio ao acirramento das rixas que racham o regime antes da eleição presidencial de junho, o governo impôs uma cotação padrão de 28,5 mil riais, ignorada pelos cambistas clandestinos onipresentes em Teerã.
O comércio voltou a funcionar normalmente, mas a crise cambial domina conversas entre iranianos.
O taxista Ehsan Asghar, 49, diz que o preço de algumas peças de motor dobrou, mas afirma não poder transferir esse custo para os passageiros. "Se eu cobrar mais, ninguém vai andar comigo", afirma Asghar, que culpa o Ocidente pela situação.
Já Shahin Shahrokh, 33, funcionário de uma empresa de logística, responsabiliza o governo pela desvalorização que o obrigou a cancelar férias no exterior com a mulher. "Juntei o dinheiro certinho, mas de repente esse dinheiro ficou insuficiente."
A guia de turismo Shahrzad Amiri, 41, planeja mandar de volta para casa o filho que estuda no Reino Unido.
É comum ver iranianos dizerem que a crise deixa um rastro de mau humor e irritação. "Está todo mundo sob pressão, e as pessoas andam brigando por qualquer coisinha", diz a estudante Mahsa Mohammadi, 23.
Empresários estão entre os mais afetados. Afshin Azadi, 49, teve que cancelar vários contratos nos últimos dias porque valores previamente acertados perderam sentido.
"Assino um papel, e no dia seguinte acordo e o papel perdeu metade do valor."
Mas Azadi, ecoando um sentimento generalizado, é cético em relação a eventuais protestos antigoverno em larga escala. "Não devemos repetir os erros que cometemos há três décadas", diz, em referência às manifestações que culminaram com a Revolução Islâmica de 1979.
Nami, a dona de casa, diz estar disposta a se manifestar. "Mas primeiro é preciso definir como agir e o que queremos."
Uma mulher tem um marido. Um marido tem até quatro mulheres. Essa é a realidade em alguns lares do mundo árabe, onde a poligamia é uma opção legal a mais. Nos territórios palestinos, a maioria dos homens opta por conviver com uma única mulher, mas a sharia, a lei islâmica que rege o direito da família, permite que eles se casem com até quatro mulheres. Em Hebron, a maior cidade da Cisjordânia, os matrimônios polígamos representam 10% das uniões.
Para muitas mulheres, casar-se com um homem que tem outras esposas ou aceitar que seu marido se case novamente é só uma decorrência da resignação e da falta de alternativas em uma sociedade que oferece poucas saídas para as solteiras e divorciadas. Outras estão convencidas de que a poligamia é um sistema que funciona e que respeita os preceitos islâmicos.
Um Mohamed Abu Zeinab, 39, ainda não se recuperou da decepção. Depois de 13 anos de casamento, a família de seu marido soltou a notícia. Seu marido, advogado de profissão, havia se casado novamente. Em vez de viver na parte de cima da casa da família, Um Mohamed deveria se mudar para o porão, com seus quatro filhos. O andar superior seria ocupado pela nova esposa. Um Mohamed considerou que alternativas ela tinha. Não podia voltar para a casa de seus pais, porque eles vivem na Jordânia, e lá as crianças não teriam nem passaporte, nem direito à escola pública.
Divorciar-se? “Não. Aqui o divórcio é um estigma para a mulher. Ninguém te ajuda. Por isso, pela pressão social e por meus filhos, decidi continuar casada”, relata essa mulher que ganha a vida vendendo maquiagem e lingerie que traz da Jordânia. As mulheres que se divorciam têm mais dificuldades para voltar a se casar, mas, acima de tudo, é muito provável que percam a custódia de seus filhos se o fizerem. Divorciar-se equivale a voltar para a casa dos pais. Saida Bader, diretora de um orfanato de Hebron, representa a outra face da moeda. Para ela, só há vantagens em seu marido ter mais de uma mulher. Ela é a segunda esposa do Dr. Maher Bader, um parlamentar do movimento islamita Hamas, que tem seis filhos do primeiro casamento. “Meu marido está feliz com sua primeira esposa”, afirma. E por que se casou com você? “Porque ele gosta de mudar de ambiente, de casa, de amigos... No começo, sua primeira mulher ficou brava, mas agora aceitou porque percebeu que ele consegue tratar igualmente bem as duas famílias”. O parlamentar passa uma noite na casa de Saida e a seguinte na da outra mulher. A diretora enumera as vantagens do modelo: “Se uma das mulheres adoece, a outra pode satisfazer as necessidades sexuais do homem. Ou se ela não puder ter filhos. Ou se só consegue ter meninas e não meninos...”
Nenhum desses argumentos consegue convencer Inshirah Zeitun, uma das coordenadoras do orfanato, que escuta com atenção enquanto a chefe fala. “Não quero ofender a Deus, mas a verdade é que sou a terceira mulher de meu marido e sou muito infeliz”, confessa essa mulher de 30 anos, vestida com um hijab preto. “Eu queria ter um marido só para mim. Um marido que tivesse somente uma casa”.
De um ponto de vista legal, houve grandes avanços para as palestinas. Há um ano, uma nova interpretação da lei estabeleceu que um palestino não pode se casar pela segunda vez até que a primeira esposa seja informada. O presidente do tribunal da sharia de Hebron, o xeque Abdelkadrer Idris, explica: “Agora o marido não pode agir espontaneamente. Se a primeira mulher não souber, o juiz enviará um funcionário para comunicar o fato antes de autorizar o segundo matrimônio”.
O juiz da sharia lembra que o máximo permitido legalmente são quatro esposas. “A ideia é resolver os problemas de nossa sociedade. Em Hebron, temos 37 mil solteiras com mais de 27 anos. E Deus diz aos homens: casem-se com essas mulheres para que não tenham de pecar e fazer coisas contra o matrimônio. É uma lei preventiva, que evita o pecado”.
Para Maysun Qawasmi, uma jornalista envolvida com a política de Hebron e que acaba de formar uma lista eleitoral composta exclusivamente por mulheres, as palavras do juiz parecem quase uma piada de mau gosto. Ela acredita que na prática é “impossível que nas condições econômicas nas quais vivem a maioria dos palestinos, e sob ocupação militar, os homens sejam justos e capazes de manter duas famílias como manda a sharia”.
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