Desde que o épico turco "Conquest 1453" fez sua estreia neste ano, a história da tomada de Constantinopla pelo sultão Mehmet 2°, aos 21 anos, virou o filme de maior bilheteria da história da Turquia. A produção, também lançada em 12 países do Oriente Médio, na Alemanha e nos Estados Unidos, teve um grande impacto ao intensificar o triunfalismo cultural entre os turcos.
"Conquest 1453" deu origem a um programa de televisão com o mesmo título e vem incentivando turcos a reencenar batalhas dos tempos de glória do Império Otomano. Os produtores de "Once Upon a Time Ottoman Empire Mutiny" [era uma vez um motim no Império Otomano], um seriado de televisão sobre uma insurreição contra o sultão Ahmet Khan 3°, no século 18, disseram que pretendem erguer um parque temático da era otomana.
O período otomano, especialmente nos séculos 16 e 17, foi marcado pela hegemonia geopolítica e pelo avanço cultural. O lento declínio desse império culminou na Primeira Guerra Mundial. Durante anos, esse período foi minimizado na história ensinada nas escolas, já que a República da Turquia, criada em 1923, tentou romper com um passado decadente.
Agora, no momento em que a Turquia emerge como líder no Oriente Médio, dinamizada pelo crescimento econômico forte, um novo fascínio com a história nacional vem tomando conta do país. Nas artes plásticas, exemplos enquadrados de desenhos da era otomana, conhecidos como Ebru e associados aos motivos geométricos islâmicos encontrados em mesquitas, vêm ganhando popularidade e adornam as paredes de residências.
O Museu Panorama atraiu multidões com uma imponente pintura, em 360 graus e com 14 metros de altura, do cerco de Constantinopla, acompanhada por ensurdecedores disparos de canhão.
Telenovelas de temática otomana também proliferaram. Nenhuma delas é mais popular que "The Magnificent Century" [o século magnífico], ambientado durante o reinado de 46 anos do sultão Suleiman, o Magnífico. O programa relata as intrigas da família e do harém imperiais. Foi exibido em 32 países no ano passado, incluindo Marrocos e Kosovo.
A reabilitação do império inspira sentimentos mistos entre os críticos culturais. "O 'revival' otomano faz bem ao ego nacional e captou a psique do país neste momento em que a Turquia quer ser uma potência", comentou Melis Behlil, professora de estudos cinematográficos em Istambul. Mas ela admite: "Isso me assusta, porque ego nacional em excesso não é uma coisa boa".
Faruk Aksoy, 48, é o diretor de "Conquest 1453". Ele contou que sonhava em fazer um filme sobre a conquista de Istambul desde que chegou à cidade, aos dez anos, vindo de Urfa, e ficou fascinado com sua grandiosidade imperial.
O orçamento de US$ 18,2 milhões do filme foi recorde na Turquia, mas, segundo Aksoy, esse valor já foi mais que recuperado: "Conquest 1453" já rendeu US$ 40 milhões na Turquia e na Europa. Numa sessão recente, os espectadores vibraram tanto que gritaram "Deus é grande!" quando os otomanos escalaram as muralhas proibidas de Istambul. "Os turcos sentem orgulho da conquista. Ela mudou não apenas nossa história, mas o mundo", explicou Aksoy.
Outros, contudo, avisam que há um chauvinismo cultural perigoso em ação. Burak Bekdil, colunista do "Hurriyet Daily News", escreveu que agora seria um bom momento para o lançamento de filme intitulado "Conquest 1974", que festejaria a invasão turca do Chipre, ou "Extinção 1915", para lembrar o genocídio dos armênios na Primeira Guerra Mundial. Houve ameaças de morte a Bekdil.
Aksoy se disse aborrecido porque um filme feito para entreter está sendo politizado.
Críticos culturais observaram que o argumento religioso subjacente ao filme o tornou popular num país que, cada vez mais, vem olhando para o Oriente.
Melis Behlil comentou que o surgimento de filmes e programas de TV de grande orçamento tratando da era otomana deve algo à popularidade da Turquia no mundo árabe, que está garantindo receitas novas às produtoras de filmes. No ano passado, a Turquia foi a maior exportadora europeia de telenovelas, tendo recebido US$ 70 milhões por isso.
Mas é na própria Turquia que os filmes e as séries vêm exercendo impacto profundo. Burak Temir, 24, ator alemão de origem turca que representou um príncipe em "Once Upon...", revelou que, inicialmente, sentiu-se intimidado por retratar uma era sobre a qual sabia tão pouco.
Para prepará-lo para o papel, a produção do seriado lhe deu um curso sobre usos e costumes otomanos, no qual ele teve que aprender a cavalgar e manejar uma espada. Mesmo quando não está filmando, hoje ele usa barba como a de um sultão e calças de estilo otomano. "Isso me fez sentir orgulho de ser turco", explicou.
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