Antes de eles se casarem, em 2009, Tan Yong admitiu a Li Yan que espancava suas três ex-esposas. Ele prometeu mudar.
As promessas não duraram, disse Li Dehuai, irmão de Li Yan. Logo após o casamento, Tan começou a abusar fisicamente de sua esposa.
"Ele apagava cigarros no rosto e nas pernas dela. Ele segurava seu cabelo e batia a cabeça dela contra a parede. Ele a trancou na varanda por horas durante o inverno", disse Li Dehuai em entrevista por telefone de Chongqing, no sudoeste da China. O abuso se prolongou por mais de um ano.
Hoje, Tan está morto: ele foi espancado até a morte por Li Yan com o cano de sua pistola de ar durante uma discussão, em novembro de 2010, e Li Dehuai tenta salvar a vida de sua irmã enquanto ela aguarda, em uma prisão na província de Sichuan, o cumprimento de sua pena de morte pelo crime de assassinato.
O caso causou revolta entre juristas e feministas chineses, para quem a condenação de Li ressalta as sentenças severas demais que geralmente são impostas às mulheres que revidam e ferem ou matam maridos abusivos.
"O caso de Li Yan diz às pessoas que tragédias extremas ocorrerão caso as mulheres agredidas não consigam obter ajuda efetiva nos comitês de bairro, na federação das mulheres e na polícia", disse Feng Yuan, funcionária da Rede Contra a Violência Doméstica, sediada em Pequim.
"Enquanto aqueles que detêm o poder não conseguirem fazer justiça, as mulheres abusadas encontrarão sua própria maneira de obter a justiça, de uma maneira infeliz e equivocada", disse Feng.
A lei chinesa exige que o histórico de violência doméstica seja considerado em casos como esses. Li foi especialmente macabra: depois de matar o marido (crime que ela confessou inicialmente, ao pedir para um vizinho que ligasse para a polícia), ela o desmembrou e ferveu algumas partes do corpo. Se esse comportamento é difícil de desculpar, pense no seguinte, disse Feng: ela não estava em seu juízo perfeito.
"Há uma coisa chamada síndrome das mulheres abusadas, e ela tinha essa condição. Uma mulher como essa pode perder a razão e perder o controle", disse Feng, uma das centenas de pessoas que enviaram petições aos tribunais para que Li seja julgada novamente – desta vez, com a devida consideração ao abuso sofrido por ela. O abuso sofrido por Li não foi considerado em seu primeiro julgamento, o que transformou seu caso em um erro da justiça, dizem eles.
Entre outras pessoas que se juntaram à causa de Li pela realização de um novo julgamento estão advogados, deputados da Assembleia Nacional Popular e pessoas que atuam na Anistia Internacional, organização que, na semana passada, emitiu uma pedido urgente para que as autoridades chinesas não executassem Li. A sentença pode ser cumprida a qualquer momento, dizem os ativistas, provavelmente antes da véspera do Ano Novo Lunar, em 9 de fevereiro próximo.
As penitenciárias femininas estão cheias de mulheres que feriram ou mataram maridos abusivos, de acordo com a Rede Contra a Violência Doméstica, que cita estudos realizados por federações de mulheres locais e por estudiosos. Elas respondem por 60% das detentas em uma prisão de Anshan, na província de Liaoning, e por 80% das mulheres que cumprem penas longas em uma prisão de Fuzhou, na província de Fujian.
Em um estudo realizado por Xing Hongmei, da Universidade Feminina da China, de 121 detentas que cumpriam pena por atacar ou matar parceiros violentos em uma prisão de Sichuan, 71 foram inicialmente condenadas à prisão perpétua ou à pena de morte (às vezes, comutada, adiada ou anulada após apresentação de recurso), e outras 28 foram condenadas a penas de pelo menos 10 anos. Isso significa que mais de 80% dessas mulheres receberam as sentenças mais longas possíveis por homicídio ou lesão corporal, segundo o estudo.
Antes de matar Tan, Li procurou a ajuda das autoridades do condado de Anyue, na província de Sichuan – onde eles viviam –, durante meses, disse o irmão dela.
"Se bem me lembro, ela ligou para a polícia em maio de 2010, depois de uma surra, mas eles disseram que era um caso que deveria ser resolvido entre marido e mulher, e desligaram", disse ele.
Então, ela foi até o comitê de seu bairro. "Eles a aconselharam a ir até a associação de mulheres. A associação de mulheres disse que ela deveria ir à polícia. A polícia lhe disse para ir ao comitê de seu bairro", e assim por diante, disse ele. "Ela foi enviada de um lugar para outro e não sabia o que fazer".
Funcionários do departamento de justiça local, aos quais ela perguntou sobre a possibilidade de divórcio, lhe disseram que a menos que Tan concordasse, ela poderia ser deixada na miséria. Segundo eles, ela ficaria melhor se continuasse tolerando o abuso.
Há alguns registros da violência sofrida por Li, incluindo fotografias das lesões tiradas pela polícia e um relatório médico preenchido após tratamento hospitalar, disse o irmão de Li. Mas tanto o Tribunal de Sichuan, que a condenou, quanto o Supremo Tribunal de Pequim, que revisa todas as sentenças de pena de morte, não levaram essas evidências em consideração ao condenar Li, disse seu irmão. Na semana passada, ele e alguns ativistas disseram que o Supremo Tribunal manteve a sentença de pena de morte para Li.
"Todos esperávamos que o tribunal reconhecesse a tortura que ela sofreu durante esses anos", disse ele. "Mas isso não aconteceu".
"Eu sei que o que minha irmã fez foi errado, mas desde que isso aconteceu, eu estudei muitos casos de violência doméstica, e eu sei que a situação dela não é incomum", disse ele.
Ele ainda não conseguiu contar a sua mãe nem à filha de Li, que tem 18 anos de idade e é fruto de um casamento anterior, que ela poderá ser executada a qualquer momento.
"Eu acho que, de alguma forma, a minha sobrinha sabe", disse ele. "Mas minha mãe não conseguiria suportar a verdade".
O pai deles, que morreu no ano passado, trabalhou na mesma fábrica de seda que Li e Tan, e não gostou do homem desde o início, disse o irmão de Li.
"Meu pai ficou tão deprimido com a situação de Li", disse ele. "Eu acredito que ele morreu de desgosto".
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