segunda-feira, 18 de março de 2013


Xiao Bin é gay, mas está casado com uma mulher há sete anos. Seu destino não é diferente de até 90% dos gays na China. A sociedade está mudando lentamente, mas as pressões sobre os casais de mesmo sexo continuam enormes.
Enquanto a mulher de Xiao estava no banheiro tomando banho e se maquiando, o amante de Xiao, Lian, entrou debaixo das cobertas com ele. Xiao puxou Lian para perto, abraçou-o e beijou-o. Depois de alguns minutos, Lian saiu novamente. Oficialmente, Lian é um funcionário do restaurante de Xiao, um pequeno estabelecimento localizado diretamente abaixo do apartamento de Xiao, na cidade de Tianjin.
Xiao achava que a mulher dele nunca descobriria sobre seu amante secreto. Então, um dia, ela disse: "Você parece muito mais feliz quando aquele homem está sob nossas cobertas do que quando eu estou".
Xiao Bin, 42, é homossexual e está casado com uma mulher há sete anos. Ele é pequeno e magro e está vestindo uma camisa branca e uma jaqueta de couro gasta. Seu rosto tem uma pele suave, mas muitas rugas. Ele concordou em contar sua história desde que todos os nomes fossem mudados.
Os acadêmicos da Universidade de Quingdao que estudam a sexualidade estimam em 30 milhões o número de homossexuais, homens e mulheres, na China continental, e que 90% deles estariam em casamentos de conveniência. Alguns têm filhos. A maior parte também continua a dormir com seus parceiros de mesmo sexo.
Quando Xiao casou-se com a bela e pequenina Hong Zhao, ele estava tentando fazer o que a sociedade esperava dele e deixar seus pais felizes. Ele não percebeu como essa decisão tornaria difícil a vida de todos.


Xiao lembra-se claramente do dia em que assumiu sua sexualidade. Ele acabara de romper com a namorada e seu pai foi ao quarto dele, querendo saber por que o relacionamento terminara. Xiao respondeu que simplesmente não amava a namorada, mas o pai não se satisfez e quis saber qual era o problema, por que o filho nunca parecia conseguir fazer as coisas funcionarem com as mulheres. Eles discutiram e, eventualmente, Xiao perdeu a paciência.
"Sou gay", disse Xiao. "Não gosto de mulheres".
"Não tente me enrolar", respondeu o pai. "não fique encontrando desculpas".
"A menina com quem eu estava saindo há quatro anos, nunca toquei nas mãos dela", rebateu Xiao.
Com isso, o pai gritou: "Para fora! Saia da minha casa".
Xiao achava que sua família nunca voltaria a falar com ele. Ele queria esquecer a ira do pai, as lágrimas da mãe. Ele sentia emoções conflitantes: raiva, tristeza, libertação. Ele não planejava voltar.
Em muitos países, são as pressões religiosas que tornam a vida difícil para os homossexuais; na China, é a família. Casar-se e ter filhos, especialmente filhos homens, estão entre os principais deveres dos homens. Desta forma, o homem assegura que sua família terá seu sustento –algo que o fraco sistema de segurança social do país não garante. Assim, os homens que só têm amantes homens parecem estar fracassando em seus deveres para com a família –e se sentem traidores.
Depois de deixar a família, algumas vezes, Xiao apreciava sua nova liberdade. Ele passeava nos parques onde os homossexuais se encontravam e explorava a noite gay de Pequim. Ele nunca foi do tipo de aventuras de uma noite, mas certa vez deixou que alguém o levasse para casa. Era doloroso, mas estava feliz.


Também houve vezes em que Xiao quis mudar. Por um tempo, ele trabalhou como pregador de uma igreja. Ele acreditava que Deus poderia "curá-lo". Mas então, ele conheceu um homem em uma missa e eles formaram um casal. Passando os dias no púlpito e as noites nos braços do amante, Xiao se sentia moralmente inferior, sentia que estava sujando o nome de Deus.
Xiao apertou um elástico no pulso e puxava-o toda vez que se via desejando homens. Ele queria ficar viajando, queria se encontrar, mas ficou sem dinheiro.
Durante os seis meses que passou fora, Xiao teve três parceiros sexuais. Quando voltou para casa, o pai grelhou frutos do mar. Xiao achava que os pais nunca mais falariam com ele, mas em vez disso, eles serviram seu prato predileto. O gesto o comoveu.
"Posso mudar", ele disse baixinho.
Os homossexuais sofreram muitos horrores desde que a República do Povo foi fundada, em 1949. Eles foram perseguidos, presos e até executados durante a Revolução Cultural. As relações entre parceiros do mesmo sexo eram consideradas crime na China até 1997, e a homossexualidade era considerada uma doença mental até 2001. Até hoje, há pais que tentam espancar os filhos para tirar sua homossexualidade e médicos que "tratam" o desejo homossexual com purgantes e eletrochoques. E há homossexuais que tiram suas próprias vidas por desespero.


Quando Xiao e Hong se casaram, há sete anos, os dois estavam cheios de esperança. Hong esperava começar uma família com sua paixão da infância. Xiao esperava que seu casamento o curasse da homossexualidade. Por um tempo, os dois foram felizes.
O casamento foi pragmático desde o início. Xiao morava em cima do restaurante e Hong com os pais –para ficar mais perto do trabalho dela, diziam os dois. Uma vez por semana, Hong ficava com Xiao, em seu quarto decorado com cortinas de renda.
Em sete anos de casamento, o casal fez sexo cinco vezes. Hong poderia ter reclamado. Ela também poderia ter dito algo sobre os consolos que encontrou certa tarde. Em vez disso, ela os limpou e os colocou de volta na prateleira do marido, bem organizados por tamanho. O casal nunca trocou uma palavra sobre o assunto.
Quatro anos atrás, Xiao conheceu Lian, um homem com um grande gosto pela vida, mais alto e forte do que Xiao. Lian tornou-se o grande amor de Xiao. Eles se conheceram por causa de um acidente de motocicleta –Lian caiu e se machucou. Xiao segurou-o nos braços e chorou. Lian riu e disse: "Tudo bem, não é nada". Logo, começaram a dormir no quarto de Xiao em cima do restaurante. Os dois sonhavam com o dia em que não teriam mais que se esconder.
Há indicações que a tolerância na China está aumentando. Em outubro de 2012, dois homens se casaram pela primeira vez na cidade de Ningde, no Sul, e milhares de curiosos foram vê-los se beijar. Há uma parada de orgulho gay anual em Xangai e um número crescente de organizações e grupos de autoajuda para lutar por direitos gays.
Mas a sociedade continua profundamente dividida. Mesmo no bar gay de Pequim Destination, um dos locais mais liberais do país, é comum encontrar homens com 20 e poucos anos que usam sites como o Chinagayles.com para procurar parceiras para casamentos de conveniência, para que suas famílias os deixem em paz. "Vai demorar décadas para esta sociedade abrir de verdade", diz Stephen Leonelli do Centro de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros de Pequim.
Para Xiao, será tarde demais.
Quando Hong disse a ele "você parece muito mais feliz quando aquele homem está debaixo das nossas cobertas do que quando eu estou", Xiao achou que ela ia deixá-lo. Ele se sentiu aliviado. Mas então ela disse: "Você não é gay, você é emocionalmente imaturo. Vou esperar até você estar pronto para nós".
Então Xiao pensou sobre como a família de Hong reagiria a um divórcio. Na China, as mulheres divorciadas são tratadas como acabadas e raramente encontram novos maridos. Elas arriscam ficar velhas solitárias e pobres.
"Você pode dormir com outros homens, se quiser", ofereceu Xiao à esposa.
"Não importa como você me trata, não vou tratar você da mesma forma", ela respondeu.
Ele não teve coragem de pôr fim ao casamento.
Pouco depois, o desejo de Hong de ter um filho aumentou. Por ela, Xiao foi a uma clínica para descobrir as possibilidades de inseminação artificial. Mas aí ele pensou: "E se nos separarmos? O que acontecerá com a criança?" Ele decidiu não ter um filho.
Poucas semanas depois, Xiao descobriu que tinha Aids. Seu primeiro pensamento foi em Hong. E se ele a tivesse infectado?
A incidência de Aids entre homossexuais na China está acima da média, 5%, de acordo com estimativas do Ministério da Saúde Chinês. O índice é 88 vezes mais alto do que entre a população do país em geral, uma disparidade que resulta primariamente do tabu em torno do relacionamentos do mesmo sexo.
Por sorte, Hong estava saudável. Ela ainda vai uma vez por semana ao restaurante de Xiao, sobe as escadas, fecha as cortinas de renda deita ao lado do marido –que também ainda está com Lian. Algumas vezes, Xiao se vê desejando que Hong o odiasse, só para não ter que se sentir tão culpado.



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