O número
de mulheres vítimas de agressões sexuais e estupros em uma única praça pública
do Cairo tornou-se grande demais para ser ignorado. Por isso, islamitas
conservadores da nova elite política do Egito se enfureceram -com as mulheres.
O general
da polícia, parlamentar e islâmico conservador Adel Abdel Maqsoud Afifi
comentou: "Às vezes, uma moça contribui 100% para seu próprio
estupro".
O aumento
das agressões sexuais nos últimos dois anos e a disputa decorrente sobre a quem
deve ser atribuída a culpa estão entre os problemas que acometem o Egito no
momento em que o país procura se reinventar, depois de jogar uma ditadura por
terra.
Num
primeiro momento, a revolução egípcia prometeu reabrir o espaço público às
mulheres. Homens e mulheres protestaram lado a lado e pacificamente na praça
Tahrir durante os emocionantes 18 dias e noites que resultaram na deposição do
ditador Hosni Mubarak.
Minutos
após a saída de Mubarak, contudo, um grupo agrediu sexualmente a jornalista
Lara Logan, correspondente de uma rede de televisão americana.
Enquanto
os protestos continuam, os ataques vêm se tornando mais violentos e ousados.
Hoje o lugar que é o centro simbólico da revolução, a praça Tahrir, virou uma
zona proibida para mulheres, especialmente de noite.
No dia 25
de janeiro, quando o Egito celebrou o segundo aniversário da revolução e
manifestantes protestaram contra o novo governo liderado por islâmicos, uma
onda extraordinária de ataques sexuais -pelo menos 18 foram confirmados por
grupos de defesa dos direitos humanos- chocou o país, chamando a atenção do
presidente Mohamed Mursi e de diplomatas ocidentais.
A
jornalista Hania Moheeb, 42, foi uma das primeiras vítimas a vir a público para
denunciar o que sofreu naquele dia. Numa entrevista à televisão, contou que
vários homens a cercaram, arrancaram suas roupas e a violentaram durante 45
minutos. Todos os homens gritavam que estavam tentando salvá-la.
Seis
mulheres foram hospitalizadas naquele dia devido aos ataques sexuais. Uma delas
foi esfaqueada na área genital. Outra teve que ser submetida a uma
histerectomia. Depois disso, vítimas de outros ataques sexuais na praça Tahrir
e em seus arredores nos últimos dois anos também fizeram denúncias.
Yasmine
Al Baramawy contou que, durante uma manifestação pública em novembro passado,
ela e uma amiga foram cercadas por dois grupos diferentes de agressores. Alguns
diziam que as estavam protegendo dos outros, mas ao mesmo tempo participavam do
ataque. Eles usaram facas para cortar a maior parte das roupas de Baramawy e
então a prenderam, seminua, sobre o capô de um carro. Eles continuaram a
torturá-la durante todo o trajeto até um bairro vizinho, onde moradores
intercederam para salvá-la. "Disseram às pessoas que eu estava com uma
bomba sobre o abdome, para impedir as pessoas de virem me resgatar",
contou Baramawy.
Os
ataques chamam a atenção para o fracasso do governo do presidente Mursi, da ala
política da Irmandade Muçulmana, em restaurar a ordem social. As declarações de
seus aliados islamitas culpando as mulheres pelos ataques intensificaram o
constrangimento.
Pakynam
al-Al Sharkawy, assessora política do presidente e a mulher de mais alto
escalão no governo de Mursi, qualificou as declarações como "totalmente
inaceitáveis".Ela atribui os ataques à deterioração generalizada da
segurança, ao clima de violência crescente nas ruas e também à recusa dos
manifestantes em deixar a polícia entrar na praça, desde a revolta contra
Mubarak. "Os manifestantes insistem em impedir a entrada de seguranças na
praça, mesmo para dirigir o tráfego", disse a assessora.
Até
agora, a única medida tomada pelo governo Mursi para fazer frente ao problema
foi redigir uma lei que criminaliza o assédio sexual.
Algumas
mulheres estão encarando sua segurança como tarefa a seu próprio cargo. Numa
passeata para chamar a atenção aos ataques sexuais, várias mulheres ergueram as
mãos segurando facas. "Não se preocupem comigo", disse a advogada
Abeer Haridi, 40. "Estou armada."
Alguns
islâmicos ultraconservadores condenaram as mulheres por falarem publicamente.
"Vemos
essas mulheres falando como ogros: sem vergonha, sem educação, sem medo e sem
feminilidade", declarou o pregador Ahmed Abdullah.
Hania
Moheeb, a jornalista, considerou a declaração "escandalosa" e disse
que a resposta vista até agora por parte de parlamentares islâmicos equivale à
cumplicidade nos ataques.
"Quando
pessoas comuns falam coisas desse tipo, a ignorância pode ser uma
desculpa", disse a jornalista. "Mas, quando um parlamentar dá
declarações desse teor, está incentivando os agressores."
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