Cada vez que Muean Chimoon sai de sua casa de madeira no norte da
Tailândia, presta homenagem a um retrato do rei Bhumibol, uma figura
patriarcal e antigo símbolo da união nacional.
"Temos um rei que
ama todo mundo", disse Muean, motorista de ônibus aposentado que exala a
famosa alegria despreocupada do interior da Tailândia.
Mas
quando a conversa gira para a política o sorriso de Muean desaparece.
Ele critica a "arrogância" dos manifestantes em Bangcoc que querem
derrubar o governo, que tem apoio avassalador no norte e no nordeste do
país.
"Bangcoc sempre quis escolher seu próprio
primeiro-ministro", disse Muean. "Eles não se importam com o que as
pessoas do norte pensam - só se importam com eles mesmos."
A
Tailândia é a terra dos tais, é claro - mas também dos lanna, lao, mon,
malay, khmer e chineses, entre outros grupos étnicos que formaram o país
ao longo de séculos. Com oito anos de crise política sobre a influência
da família da primeira-ministra, algumas dessas identidades étnicas
estão voltando à superfície. As divisões políticas da Tailândia seguem
aproximadamente os contornos de antigos reinos e principados,
reacendendo antigos impulsos de maior autonomia de Bangcoc.
"Nunca vi este país tão dividido", disse Ponganand Srisai, membro do
conselho local de Baan Nong Tun, uma aldeia de cultivo de arroz no
nordeste.
Faixas penduradas sobre as estradas no norte pedindo a
secessão foram das expressões mais radicais da amargura do norte em
relação a Bangcoc. O reino de Lanna, no norte, que inclui Lamphun, foi
anexado por Bangcoc em 1899, e durante décadas sua população falou um
dialeto diferente do tailandês oficial, promovido pelo governo central.
Na época da anexação, a região tinha sua própria língua escrita, que
usava um alfabeto diferente do tailandês.
Houve propostas menos radicais de devolução dos poderes centralizados pelo governo.
Um grupo de estudiosos e associações do governo local, a Rede do Povo
para uma Administração Autogovernante, apresentou um projeto ao
Parlamento no ano passado pedindo a administração mais autônoma das
províncias.
"Propomos que o poder seja reestruturado", disse o
grupo em um comunicado no mês passado. Entre as propostas, que ainda não
foram analisadas pelo Parlamento, os governadores de províncias seriam
eleitos diretamente e mais impostos seriam coletados e gastos
localmente. O grupo diz que Bangcoc "não tem conhecimento ou despreza as
diferenças das identidades locais".
Tanet Charoenmuang, um
proeminente comentarista e defensor da maior autonomia do norte da
Tailândia, diz que os setentrionais percebem as instituições do governo
como favoráveis à capital, às custas das províncias.
"A
injustiça ajudou a fertilizar a localização", disse Tanet. "A Tailândia
tem sido um Estado supercentralizado, e uma sensação de localismo está
ressurgindo silenciosamente."
Grande parte da atração da primeira-ministra Yingluck Shinawatra e
sua família no norte é que eles vêm tentando reenfocar os recursos e a
atenção do governo para as áreas rurais nos últimos anos, cimentando a
lealdade dos aldeões. Esse impulso começou sob a liderança de seu irmão,
Thaksin Shinawatra, primeiro-ministro que foi deposto em um golpe
apoiado pelas elites de Bangcoc, o antecedente para o atual impasse.
Os defensores do governo dizem que o discurso secessionista é uma
medida de seus sentimentos de frustração, mas muito poucos o estão
levando a sério nesta altura. Mas a ideia de separação parece ter sido
levada muito a sério pelo exército, que prometeu investigar e processar
qualquer pessoa que defenda a divisão da Tailândia.
A construção
da Tailândia moderna foi um processo doloroso e às vezes sangrento, que
levou séculos, mas se acelerou no último século.
As línguas e
os dialetos locais foram proibidos nas escolas. Líderes autoritários
mudaram o nome do país de Sião para Tailândia e criaram o que hoje são
ícones como uma espécie de cola nacionalista para o país. O macarrão
frito "pad thai", tão comum nos restaurantes tailandeses, foi
introduzido pelas autoridades como prato nacional. O governo também
promoveu o uso de uma saudação, "sawasdee", que é usada em todo o país.
Decisões sobre tudo, desde a nomeação do clero budista até a arquitetura
dos tempos tailandeses, foram transferidas das províncias para Bangcoc.
Mas talvez o mais importante para a formação de uma identidade
tailandesa tenha sido o longo reinado de Bhumibol, que foi coroado em
1950. O rei hoje está idoso e sua ausência da vida cívica - ele não
comenta publicamente as tensões políticas há vários anos - aumenta a
sensação de que o país perdeu o leme.
Três governos apoiados por
eleitores do norte e do nordeste foram destituídos desde 2006, um deles
- o de Thaksin - por um golpe militar e dois em julgamentos em
tribunais altamente politizados. Nos últimos cinco meses, manifestantes
em Bangcoc exigiram a derrubada do governo e uma redução da influência
do clã Shinawatra, que é da cidade de Chiang Mai, no norte.
A
perspectiva de que um quarto governo eleito democraticamente possa ser
removido pelos tribunais nas próximas semanas foi vista com uma ira
fervilhante em aldeias em todo o norte e nordeste. Líderes de protestos
chamam os apoiadores do governo de "búfalos", insulto que conota a
ignorância do interior.
Ponganand, membro do conselho local do
nordeste, descreve os sulinos, que em certos dias constituem o grosso
dos manifestantes em Bangcoc, de "extremistas".
Boontham
Kaewkard, um entalhador de madeira, disse que está pronto para enfrentar
as forças antigoverno se removerem a primeira-ministra. Mas riu ao
falar em secessão. "É uma ideia maluca", disse. "A Tailândia deve
continuar sendo a Tailândia."
Mas de um ponto de vista político o
mapa eleitoral tailandês já mostra duas Tailândias: o norte votou
constantemente no partido do governo nas últimas eleições, enquanto o
sul votou contra o partido ou obstruiu as eleições, como fizeram
manifestantes em fevereiro. Os dois lados advertem sobre a guerra civil
se as tensões aumentarem.
Seguidores do governo dizem que uma
sensação de solidariedade surgiu entre o norte da Tailândia e o vasto
planalto de Isaan, no nordeste, onde a língua materna, uma forma de lao,
é semelhante à língua lanna do norte.
Chalida Chusirithanakit,
uma farmacêutica do nordeste, diz que a atual rodada de protestos
instigou "um verdadeiro sentido de orgulho de pertencer ao povo isaan",
especialmente entre os defensores do governo, chamados de
camisas-vermelhas.
"Eles sentem que lutaram e foram oprimidos
por muito tempo", disse Chalida, que se mudou do norte da Tailândia para
Isaan há quase 40 anos.
O apoio a Yingluck e seu partido é tão
forte na província de Maha Sarakham que "até um cachorro de camisa
vermelha poderia disputar uma eleição e ganhar", disse ela.
Os camisas-vermelhas realizaram diversas manifestações nas últimas
semanas, no que consideram uma mensagem para o "establishment" de
Bangcoc, mostrando a força de seus números - e sua disposição a lutar se
o governo for derrubado.
Em uma reunião em Chiang Mai no mês
passado, um líder dos camisas-vermelhas, Nisit Sinthupai, falou sobre um
monge budista que é considerado o santo patrono do norte da Tailândia,
Kru Ba Srivichai. O monge, que morreu há 80 anos, é venerado por sua
piedade e devoção a seus seguidores.
Mas Nisit enfatizou um lado
da vida do monge que não é citado nos livros escolares tailandeses: sua
longa e desafiadora luta para usar a língua lanna do norte e sua recusa
a ceder às autoridades de Bangcoc, que desejavam restringir sua
autonomia - e o prenderam quatro vezes.
Esse desafio era seu
"poder", disse Nisit, acrescentando que o norte e o nordeste juntos têm
força renovada. "As duas regiões são as principais bases de poder da
democracia", disse ele. "Somos a maioria."
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