Kaveh Golestan tinha 52 anos quando morreu em um campo minado no
norte do Iraque em 2003, enquanto trabalhava como cinegrafista para a
BBC.
Muitos jornalistas conheceram Golestan ao longo de sua longa carreira
como fotógrafo e cinegrafista, cobrindo conflitos. Ele foi um dos
maiores cronistas da revolução islâmica em 1979 que derrubou o xá da
Irã, da guerra de quase oito ano entre Irã e Iraque e da matança por gás
de 5.000 civis curdos empreendida por Saddam Hussein. Suas fotos da
revolução lhe valeram a Medalha de Ouro Robert Capa.
O que poucos sabem é que nos anos anteriores à revolução, quando o Irã,
seu país natal, ainda era uma monarquia ocidentalizada, Golestan
registrou vividamente em preto e branco a vida cotidiana dos desvalidos
do país.
Uma exposição de um de seus temas mais dramáticos -prostitutas
confinadas no bairro de Teerã conhecido como Cidadela de Shahr-e No (ou
Cidade Nova)- está em cartaz no Foam, o Museu de Fotografia de Amsterdã,
até 4 de maio. A coleção completa de 61 imagens fará parte de uma
grande exposição de fotos, pinturas e filmes do Irã, intitulada
"História Não Editada: Irã 1960-2014", no Museu de Arte Moderna de
Paris, de 16 de maio a 24 de agosto deste ano.
A Cidadela era um velho bairro de becos imundos criado nos anos 1920
para abrigar legiões de prostitutas. Nas décadas de 1930 e 1940, foi um
antro florescente de sexo e elevada criminalidade. Prostitutas andavam
seminuas pelas ruas.
Após o golpe arquitetado pela CIA em 1953 que reconduziu o xá ao poder,
as autoridades isolaram a área com muros, transformando-a em um gueto
cujos habitantes eram quase exclusivamente prostitutas e seus filhos.
Para entrar lá, homens eram obrigados a passar por um portão de ferro.
Nos anos 1970, cerca de 1.500 prostitutas trabalhavam na Cidadela e, em
sua maioria, moravam lá. Era comum suas filhas seguirem a mesma
profissão e seus filhos se envolverem com drogas. Homens vinham
eventualmente atrás de sexo ou para beber, consumir drogas, ver filmes
ou apenas passear no local.
No gueto havia um posto de saúde e outro de assistência social, uma
delegacia de polícia e uma escola tosca de alfabetização para mulheres e
seus filhos. Mas as mulheres sofriam com a pobreza, a violência e a
exclusão social.
O trabalho de Golestan, única documentação fotográfica existente da
Cidadela, foi mostrado inicialmente no jornal diário "Ayandegan" em
1977. Algumas fotos foram incluídas em um livro com suas fotos do Irã,
"Kaveh Golestan 1950-2003: Recording the Truth in Iran" [Kaveh Golestan
1950-2003: Registros da Verdade no Irã], publicado após sua morte.
Golestan tomava notas de tudo o que fotografava e, além das fotos, a
exposição no FOAM incluirá excertos de seus diários, recortes de jornais
e entrevistas em áudio que ele fez na área e a respeito dela. A
Cidadela, segundo ele escreveu, "confina algumas das prostitutas de
Teerã dentro de seus muros, como um centro de detenção com celas
minúsculas que parecem uma colmeia". E acrescentou: "A vida dos
moradores decaiu aos níveis mais baixos da existência humana".
Ele fez amizade com muitas daquelas mulheres, fotografando-as
regularmente entre 1975 e 1977. Veem-se vazamentos no teto, colchões
puídos, gesso e pintura descascando. O lugar parece exalar um odor de
decomposição.
Durante a revolução, multidões incendiaram lugares que consideravam símbolos da decadência, incluindo a Cidadela.
Acredita-se que a maioria das mulheres escapou. Algumas foram presas e
executadas por esquadrões de fuzilamento; outras foram detidas e
"remoldadas" conforme os princípios revolucionários islâmicos. Toda a
Cidadela foi destruída por máquinas de terraplenagem como medida de
purificação cultural e, em seu lugar, foi construído um parque com um
lago.
"Ao olhar essas fotos com as mulheres a encará-lo, você se sente íntimo
delas", comentou Kim Knoppers, curadora da exposição no Foam. "Você
perde a noção de tempo e lugar. As fotos tornam-se imagens universais,
que repercutem muito em Amsterdã, onde há um famoso bairro de
prostituição."
As tiragens originais de Golestan continuaram em seu arquivo no Irã até
cerca de dois anos atrás. Vali Mahlouji, curador iraniano radicado em
Londres e primo distante da viúva de Golestan, as reuniu para montar um
acervo completo da obra de Golestan.
"A missão é resgatar e colocar em circulação trabalhos artísticos que
ficaram clandestinos por causa da revolução e das políticas
subsequentes", disse Mahlouji.
"Queremos criar um elo entre nossa situação no Irã nos anos 1960 e 1970 e
o que aconteceu no país depois da revolução cultural dos anos 1980.
Começamos por inserir Kaveh no mapa artístico."
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